02 Abr, 2010
VERGONHA!
António Belém Coelho - in Primeira Linha
Nunca esperei ter que dizer isto, mas a verdade é que tenho vergonha do que se está a passar este momento em Portugal. E não estou a falar do deficit, do desemprego e de outras questões de índole económica, embora isso também não ajude e o Governo tenha tido a lata de dizer que só deixou o deficit chegar a este nível para nos ajudar. Mas essas podem ser discutidas, tratadas e resolvidas com dignidade.
Estou a falar da realidade que se vive, fala e discute, em todas as esquinas, em todas as mesas de café, em todos os lares. Tudo aquilo que tem vindo a público aponta num sentido muito concreto: o de efectivamente existir um plano global de domesticação e apropriação dos principais meios de comunicação sociais. Nada que não soubéssemos. Bastava ver a composição dos órgãos de direcção dos ditos cujos, para que tal ficasse claro (e atenção que, ao longo do País, a nível regional e local também esta é uma verdade).
Mas mesmo assim, ainda subsistiam programas e jornalistas que teimavam em não acatar as indicações de serem discretos, de não abordarem este ou aquele assunto, mesmo que tal surgisse a coberto de inócuas consultas jurídicas, como aconteceu muito recentemente na RTP, que todos pagamos e bem paga.
Assim, surgiu a ideia ou a necessidade de envolver diversas empresas públicas com poder económico suficiente para adquirir e como tal neutralizar esses focos que teimavam em não considerar o actual governo socialista como uma bênção dos céus. E vai de tecer a teia com aqueles aranhiços conhecidos por boys e girls e que, aliás, uma destacada militante do próprio partido socialista (com cujas posições normalmente não estou de acordo), classificou como «fraquinho no discernimento e que auferem vencimentos obscenos».
Mas tudo na vida se sabe. É apenas uma questão de tempo e, por vezes, de oportunidade. Também todos estes planos gobellianos vieram a público mediante a transcrição das célebres escutas que alguns dizem não existirem pura e simplesmente por não serem admissíveis em termos jurídicos.
Tudo isso pode ser sustentável a nível do direito que temos, mas, para o cidadão comum, não passa de uma manobra para encobrir a realidade. E o triste papel que dois dos principais magistrados da Nação têm desempenhado, no ínterim, nem lhes fica bem, nem tão pouco dignifica pessoas e cargos. Basta atentar nas intervenções públicas que têm tido.
Noutros países e noutras situações, políticos há que caíram ou resignaram por menos. Por cá, tudo no melhor dos mundos. Os boys e girls pedem providências cautelares para que não sejam conhecidas as suas maquinações a mando dos donos e até outras que lhes surjam na mente para assim poderem agradar aos ditos cujos e conservarem o lugar e as benesses por mais algum tempo. Porque, nestas coisas, candidatos há muitos à espreita e é preciso apresentar trabalho.
E, também neste aspecto, por esse País fora, a nível local, é banal e comum esse tipo de intervenções, inteirando-se muitos responsáveis políticos das possibilidades de demitir fulano e sicrano de determinados lugares (para os quais estão na maioria das vezes habilitados) para os substituírem por meros papagaios, que nada de nada percebem ou sabem, mas que têm o duvidoso mérito de reflectirem a voz do dono no geral e de, em ocasiões particulares, dizerem e fazerem o que nem eles ousam.
Por isso, tenho vergonha que isto se passe no meu País! E que quem, pelo menos, tem a responsabilidade política, nem isso tão pouco aceite e se mantenha impávido e sereno, dando azo a que os mercados e instâncias internacionais, que a tudo olham e analisam, tirem daí a inevitável imagem de fraqueza e falta de autoridade do Estado que pode pôr em causa o nosso futuro numa ocasião de crise. Porque o exemplo a todos os níveis, deveria vir de cima, como já recentemente aconteceu em países nossos parceiros na União Europeia.