António Belém Coelho
Se os pais da Constituição cuidassem um momento só que fosse de respeitar a vontade popular nos sucessivos momentos eleitorais, nunca, mas nunca teriam redigido uma Constituição como aquela que temos de momento, embora já lá vão oito revisões que dela expurgaram o que havia de extrema-esquerda.
No entanto, todo o resto de mantém; é caso para dizer que, como já li algures num blogue, que em Portugal a esquerda governa sempre; se o não fizer por eleições directas, fá-lo por intermédia pessoa, neste caso a Constituição. Parece-me a mim óbvio, que a Constituição não pode limitar as escolhas do Povo soberano; mas por cá é o que se passa, também com reflexo na situação que o País atravessa.
O PSD e o seu líder, tiveram a coragem, nova em muitos anos, de chamar os bois pelos nomes, embora as habituais virgens do regime tenham vindo a público clamar que se trata de um atentado ao Estado Social e de uma cedência ao neoliberalismo, seja lá o que isso for! Toda a gente que trabalha, (faço aqui uma excepção para todos os outros, que embora sejam detentores de emprego, pouco ou nada fazem, senão atrapalhar quem trabalha, dentro dos inúmeros corredores e becos sem saída do poder central e local e outros que lhe tentam suceder), já percebeu que não há nada grátis nem de borla.
Quando nos falam de um serviço de saúde tendencialmente gratuito e sobretudo quando oiço algum dos responsáveis do Governo falar sobre o assunto, lembro-me logo do aumento e maior âmbito das taxas moderadoras e da deslocação frequente de familiares próximos a outras paragens como forma de resolver problemas de saúde; ou, noutros domínios, das propinas do ensino superior que muitos estudantes pagam com sacrifício das respectivas famílias, ou dos inúmeros livros em escalões de ensino inferiores. Se um de nós, tem possibilidades e frequenta serviços privados de saúde (ou noutro domínio) porque há-de pagar tanto como outros que os utilizam? Repare-se que não estou a dizer que não paguem, porque efectivamente tem que haver solidariedade social. Sem isso, adeus civilização, como a conhecemos. Mas não é justo pagar em duplicado ou mais.
O mesmo se aplica para muitos outros tipos de serviços, e no caso concreto da educação, eu tenho muito orgulho do sector em que trabalho e do trabalho que nele desenvolvo, o da educação pública. Mas não posso nem quero conceber que não possam existir alternativas à disposição dos respectivos utentes. A existência de um monopólio nesses e noutros sectores, para além de um abusivo controlo do Estado, conduzem, como aliás temos vindo a conhecer a becos sem saída, derivados da falta de concorrência gerada por uma saudável co-existência entre sistemas diferentes.
Outro ponto amiudadamente referido é o do emprego; na minha opinião, e não só, pelo que me tenho informado, um dos principais obstáculos à melhor resposta do mercado, nas empresas que realmente interessam, as médias, pequenas e microempresas, que são responsáveis de mais de oitenta por cento do emprego nacional, é a relativa rigidez das regras em termos individuais. Que curiosamente cada vez existem menos em termos colectivos, nas grandes empresas com centenas de trabalhadores! Estas, mesmo sob um Governo socialista, despedem às centenas e aos milhares! Provavelmente por causa de razões atendíveis! Mas quem tem um, dois, três ou meia dúzia de empregados e por eles faz todo o possível e impossível (porque aqui sim, existem laços pessoais que nos exemplos anteriores não há), só lhe resta fechar o estamine e ir à ruína!É assim que o nosso regime defende o emprego! Dando todos os trunfos a quem já se adaptou às circunstâncias actuais.
Pois se até a natureza, na sua selecção natural, se adapta ao meio envolvente (e também de algum modo o modifica, numa relação de feedback), desde há milhares de anos, porque não acontecer o mesmo com a nossa teia social, desde que defendidos e salvaguardados princípios fundamentais, de forma a não condicionarem nem hipotecarem as gerações vindouras?
Penso que a proposta actual do PSD é realista em muitos pontos, e se vingar, não seremos nós que a aplaudiremos; será certamente quem nos seguir e sentir aliviada a canga. Pelo que, se tudo continuar na mesma, poderemos contar com a condenação por parte dos nossos vindouros, mesmo que tal não aconteça no nosso tempo de vida; por lhes termos hipotecado as suas legítimas condições de vida para usufruirmos quase sem limites de determinados bens e serviços relativamente aos quais não tínhamos recursos para tal. E que nunca por nunca, relevo-o uma vez, poderão ser grátis.
Mas a nossa Constituição, escrita num período muito sui generis da nossa vida política, fecha por enquanto as portas a muitas opções; coarctando efectivamente as possibilidades de actuação aos Governos eleitos democraticamente; mesmo aos do Partido Socialista, como pontualmente alguns dos seus líderes já o manifestaram em público. E não se pense que estamos a inventar a pólvora; não estamos! Basta ler e conhecer algumas das Constituições de alguns dos Países que recorrentemente invocamos como exemplos, nomeadamente os chamados Países Nórdicos, para aquilatar que qualquer Constituição deve deixar as portas abertas necessárias para que o País tome o rumo que decidir em qualquer conjuntura. Sem amarrar qualquer Governo democraticamente eleito, no nosso caso, aos horizontes limitados de um regime tipo socialista, que por estas horas já foram rejeitados e ultrapassados por muitos dos Povos que a ele estiveram sujeitos! E a ver pelos resultados, em que nos têm ultrapassado em muitos itens, bem andaram em fazê-lo.
Por outras palavras, cada Povo tem aquilo que merece e nós somos excepção, de maneira nenhuma!