Santana-Maia Leonardo - in Nova Aliança
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Há muitos anos que defendo, como necessária e urgente, a reorganização administrativa do Estado e a consequente redução substancial do número de autarquias locais (um terço das câmaras parece-me mais do que suficiente), quer para racionalizar os meios e evitar desperdícios, quer para combater a desertificação do território.
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Com o advento do memorando da troika e a impossibilidade de recandidatura da maioria dos presidentes das câmaras e juntas, pareciam estar reunidas as condições para a inevitabilidade desta urgente reforma estrutural.
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Acontece que, como mais uma vez ficou demonstrado, PSD e PS não têm força política para impor reformas estruturais por mais urgentes e necessárias que sejam e por uma razão óbvia: porque representam precisamente os interesses que as reformas inevitavelmente iriam atingir se fossem executadas no sentido correcto. Aliás, basta ver ar de satisfação de Fernando Ruas e dos dirigentes socialistas para ficarmos esclarecidos do que nos espera.
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Depois do célebre Pacto da Justiça que, sob a bênção do senhor Presidente, abriu as portas das prisões aos criminosos e incentivou a pior criminalidade, lançando o caos nos tribunais, nas prisões e nas ruas, onde já ninguém goza de um mínimo de segurança, PS e PSD preparam-se agora, sob o pretexto de mais uma reforma necessária, para entronizar nos presidentes das câmaras o poder absoluto do município.
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Somos um povo pobre e diz o povo com razão que «se queres ver um pobre soberbo dá-lhe a chave de um palheiro». Os presidentes da câmara já tinham a chave do palheiro, mas o palheiro ainda não era deles, apesar da soberba. Ora, com a nova lei, os presidentes da câmara vão passar a ser os donos da chave e do palheiro.
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A reforma da Justiça foi uma vergonha. A reforma administrativa que aí vem é uma dupla vergonha porque a sua argumentação justificativa assenta numa desonestidade intelectual, ao tentar equiparar o executivo municipal com o Governo e a assembleia municipal com a Assembleia da República.
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Em primeiro lugar, se existe nas autarquias alguma coisa que se assemelhe ao Governo, é o conjunto composto pelo presidente da câmara e os vereadores a tempo inteiro que ele livremente escolhe; em segundo lugar, se existe alguma coisa que se assemelhe às sessões da Assembleia da República, são as sessões de câmara (semanais, nuns autarquias, quinzenais, noutras) onde têm assento os vereadores da oposição, em regra, sem pelouro; em terceiro lugar, a assembleia municipal é um órgão absolutamente inútil, incapaz de fiscalizar seja o que for, que reúne três vezes por ano e que apenas se pode equiparar às assembleias gerais das colectividades.
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Para que a assembleia municipal pudesse desempenhar um papel fiscalizador da actividade da câmara, por muitos poderes que lhe acrescentem, seria necessário que reunisse, pelo menos, quinzenalmente. Ora, isso não é praticável, até porque faria disparar a despesa pública.
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Ou seja, com esta reforma, cheia de boas intenções como todas as más reformas, os presidentes da câmara vão, na prática (que é o que interessa), ficar em roda livre e com o poder absoluto de facto.
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Por outro lado, esta reforma vai provocar necessariamente o aumento das assimetrias entre o interior e o litoral, entre as regiões mais ricas e as mais pobres, entre as zonas urbanas e as zonas rurais, como, de resto, tem sucedido com o fecho das escolas e dos serviços de saúde. Ou seja, vai provocar uma maior desertificação do interior e das freguesias rurais, o que significa que vai provocar um aumento exponencial da despesa pública a médio e longo prazo, quer pela pressão demográfica sobre a região de Lisboa, quer pela necessidade de repovoar o território.