MARÉ BAIXA
João César das Neves - Diário de Notícias de 30/7/12
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(...) A base do problema económico é a mesmo do financeiro: o crédito barato que, além da enorme dívida, também distorceu o sector produtivo. A enxurrada de dinheiro externo funcionou como uma maré alta que abriu temporariamente novas áreas aos animais marinhos. Múltiplas empresas e empregos, em todos os sectores, nasceram e prosperaram artificialmente graças à aparente prosperidade. Mexilhões, percebes, lapas, ameijoas, e até sardinhas aproveitaram este alargamento da margem de manobra. A zona mais beneficiada foi à volta do Estado e seus negócios protegidos, mas afectou toda a actividade nacional. A maré quando sobe é para todos. Foram tempos de facilidades.
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Os números nunca mentiram acerca da fragilidade da situação, e o crescimento económico foi anémico desde 2000. Nessas zonas ribeirinhas, por vezes turvas, não é possível alimentar grandes peixes. Só marisco miúdo. Por outro lado, não se deve exagerar o efeito da tolice, pois a maré alta pouco afecta o resto do mar. Nas águas profundas e seguras a rica fauna económica permaneceu e permanece.
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Um dia, como era fatal, a maré tinha de descer. Aliás, inicialmente até cai abaixo do normal para compensar os excessos anteriores. É isso que agora afecta toda a economia, temporariamente apertada em águas demasiado recuadas. Mas nas zonas marginais, que a ilusão mantivera férteis, tudo secou. Aí não há escolha: é urgente desmantelar empresas e empregos, só rentáveis graças ao dinheiro fácil, para os transportar para regiões mais profundas e produtivas.
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Isso não é nada fácil, e ainda demorará bastante tempo, pois são erros de 20 anos. Muito boa gente passou grande parte da carreira nessas zonas sempre insustentáveis, agora desertas. Elas voltarão a ser colonizadas, mas só daqui a anos, quando o crescimento económico permitir reocupar as áreas mais elevadas com solidez.
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Nesta reestruturação económica a política pouco pode fazer. Ao menos não estrague. O Estado, que promoveu o problema com os seus diques e canos, teria um papel importante desmantelando-os. Mas a conversa das reformas estruturais e liberalização, hoje, como há 30 anos, tem poucos resultados. Felizmente, a economia continua a ajustar rapidamente.