A ESQUERDA E A NATUREZA HUMANA
«A Esquerda persiste na recusa ideológica em operar
com o conceito de "natureza humana".»
Maria de Fátima Bonifácio
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«A Esquerda persiste na recusa ideológica em operar
com o conceito de "natureza humana".»
Maria de Fátima Bonifácio
Pedro Lomba - Público de 20/9/12
Houve uma época gloriosa do almanaque da democracia em que se podia ouvir de um recém-político "Pai, sou ministro". Essa velha frase de Dias Loureiro condensava a ambição de quem via na subida ministerial um passaporte social, uma condecoração, mas sobretudo um aconchego fácil. Quem não queria? O povo não andava ameaçadoramente por aí em fúria. Não existia austeridade nem bancarrota. Ninguém esperava, muito menos pedia, por reformas difíceis ou irrealizáveis. Os ministros duravam o tempo que durassem, perante a indiferença e quietude geral.
Desde Maio de 2011 que este mundo se evaporou. Ir para o governo de um país falido, destroçado, intervencionado? Não, vão outros. É ver hoje a fartura de putativos ou genuínos candidatos ao governo e a primeiro-ministro dizerem simplesmente que "este governo não serve mas também não estão disponíveis para o substituir", que "ir para o governo sim, mas não agora", que "não querem este governo mas também não querem outro governo de que eles façam parte". Este é o Governo da troika e por isso não pode ser o deles. Mas não foram eles que trouxeram a troika?
A síndrome não ataca apenas os ziguezagues dos partidos da coligação que já fazem oposição a si mesmos. A quantidade de gente no PS que, de repente, declara este Governo finado sem se oferecer ela própria como alternativa, sem achar sequer que o gesto consequente de um acto de censura é apresentar-se como alternativa, é o extraordinário relato de uma desistência e de uma traição.
Mário Soares e Francisco Assis começaram a pedir a queda do Governo, apelando a Cavaco que por sua iniciativa escolha um governo de iniciativa presidencial. António José Seguro também vê com bons olhos esse governo de salvação nacional, mas atenção: não contem com ele. Seguro não quer este Governo mas também não quer ir para o governo. Não quer o orçamento do PSD nem o seu. Não quer nada. Quer ficar onde está. Como diz Vital Moreira, não há alternativas.
Gente que andou décadas defendendo alterações constitucionais como moções de censura construtiva, gente dos partidos que sempre quis governos constituídos pelos partidos, pede agora a Cavaco que liquide este Governo e seja ele a tratar da sujeira: um governo precisamente sem os partidos.
É revelador. Ao fim de 30 anos em que os partidos nos conduziram criminosamente até aqui, querem agora saltar para fora, ou permanecer na mais longínqua irresponsabilidade. Que estes apelos viessem de alguns populistas, ainda se percebia. Que sejam os partidos, sobretudo o irresponsável PS, a instigar o Presidente a escolher meia dúzia de técnicos de choque para poderem eles ficar a salvo, só mostra a sua falência e inanidade.
Se os partidos pensam, com o PS à cabeça, que poderão passar incólumes da queda livre do país durante o tempo em que a troika aqui estiver estão bem enganados. A forma transigente como este Governo entrou em funções sem achar que era necessário um ajuste de contas com o passado talvez tenha gerado essa impressão mansa. Mas não tenham ilusões.
Se o Governo cair e se seguir um governo extrapartidário, este estado de coisas não irá durar muito. Esperemos mesmo que não dure muito. De uma maneira ou de outra, o nosso regime partidário nunca mais será o mesmo. Pela razão simples de que ou a ruína desse governo sem partidos significaria a ruída estrondosa do país inteiro, ou o seu sucesso mostraria pedagogicamente aos portugueses aquilo que os partidos jamais conseguiram fazer. Querem todos ir para a oposição? Talvez não voltem a sair de lá.
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Uma manhã, quando nosso novo professor de “Introdução ao Direito” entrou na sala, a primeira coisa que fez foi perguntar o nome a um aluno que estava sentado na primeira fila:
- Como te chamas?
- Chamo-me Juan, senhor.
- Saia de minha aula e não quero que voltes nunca mais! - gritou o desagradável professor.
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Juan estava desconcertado. Quando voltou a si, levantou-se rapidamente, recolheu suas coisas e saiu da sala. Todos estávamos assustados e indignados, porém ninguém disse nada.
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- Agora sim! - e perguntou o professor - para que servem as leis?...
Seguíamos assustados porém, pouco a pouco, começamos a responder à sua pergunta:
- Para que haja uma ordem na sociedade.
- Não! - respondia o professor.
- Para cumpri-las.
- Não!
- Para que as pessoas erradas paguem pelos seus atos.
- Não!!
- Será que ninguém sabe responder a esta pergunta?!
- Para que haja justiça - falou timidamente uma garota.
- Até que enfim! É isso... para que haja justiça. E agora, para que serve a justiça?
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Todos começávamos a ficar incomodados pela atitude tão grosseira do professor. Porém, seguíamos respondendo: - Para salvaguardar os direitos humanos...
- Bem, que mais? - perguntava o professor.
- Para diferenciar o certo do errado... Para premiar a quem faz o bem...
- Ok, não está mal, porém... respondam a esta pergunta: agi corretamente ao expulsar Juan da sala de aula?...
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Todos ficamos calados, ninguém respondia.
- Quero uma resposta decidida e unânime!
- Não!! - respondemos todos a uma só voz.
- Poderia dizer-se que cometi uma injustiça?
- Sim!!! - E por que ninguém fez nada a respeito? Para que queremos leis e regras se não dispomos da vontade necessária para praticá-las? Cada um de vocês tem a obrigação de reclamar quando presenciar uma injustiça. Todos. Não voltem a ficar calados, nunca mais! Vá buscar o Juan - disse, olhando-me fixamente. Naquele dia recebi a lição mais prática no meu curso de Direito.
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*Quando não defendemos os nossos direitos, perdemos a dignidade e a dignidade não se negocia.
Vasco Pulido Valente - Público de 8-9-12
Casaram por volta de 1993-94 ou um bocadinho mais cedo. Trabalhavam os dois e resolveram logo comprar uma casa. O que se compreende: o mercado de aluguer não existia e a banca oferecia dinheiro barato com insistência e entusiasmo. Com algum esforço conseguiam com certeza pagar a prestação mensal e ao mesmo tempo faziam um bom investimento (não era isso que toda a gente lhes dizia?). Ao princípio, as coisas custaram. As despesas com a mobília (mesmo rudimentar), um ou dois filhos, problemas com os mais velhos da família (sobretudo os que ficavam na província) acabaram por exigir uma certa prudência. Mas, pouco a pouco, as coisas aliviaram. Precisavam de um automóvel? O crédito estava lá e não houve a mais leve dificuldade (dali a uns tempos, de resto, compraram um segundo carro, mais barato, para as voltas do dia-a-dia).
Vieram a seguir alguns pequenos luxos. Primeiro, as viagens. Foram a Espanha ou a Marrocos. No quarto ou quinto ano ao Brasil. E, depois, com o balanço, até mais longe. O desenvolvimento do "Estado Social" aumentava o rendimento disponível: não tinham de se preocupar com a escola dos filhos, nem com a saúde, nem a reforma. Nem sequer com o emprego. O "vínculo" era um seguro de vida para 700.000 funcionários públicos. E, para quem, por ambição ou descuido, "caíra" no "privado", a economia parecia próspera e Portugal numa fase de progresso que se dava por perpetuamente garantida. Não existia qualquer razão para poupar: em fins-de-semana, em jantares fora, num computador pessoal (um para ele, outro para ela), em telemóveis (dois também), em electrodomésticos sofisticados, que não paravam de aparecer.
Uma nova "classe média" saíra enfim da velha e resignada miséria indígena. Uma "classe média" que se vestia, que falava e principalmente consumia como os "ricos" e como no "estrangeiro". A festa não durou. O Estado, que sustentava esta fantasia, faliu para nossa aflição e vergonha. E, para continuar à tona de água, aumentou impostos, diminuiu ou suprimiu salários, criou desemprego. A casa, orgulho e segurança em 1990, ou voltou ao banco ou vale uma ridícula fracção do que valia dantes. Dos carros, são quase símbolos de um milagre esquecido. Os filhos ou não chegaram à universidade ou, quando chegaram, andam agora por aí aos tombos à procura de um trabalho qualquer. A "classe média" portuguesa dependia das finanças do Estado e a ruína do Estado arrastou por isso, necessariamente, a ruína da "classe média", a quem a crise tirou a propriedade e o futuro.
A Barca on-line de 15/9/12
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A Sociedade de Construções José Coutinho, S.A., empresa responsável pela construção do futuro Mercado Diário, em Abrantes, viu-se forçada a parar a obra por motivos de dificuldades de ordem financeira. A autarquia prolongou a suspensão dos trabalhos até dezembro.
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Para viabilizar a sua situação, a empresa candidatou-se ao PER (Processo Especial de Revitalização), uma iniciativa Governamental que tem como objetivo a recuperação de empresas através da obtenção de soluções consensuais alcançadas entre estas e os respetivos credores.
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Foi requerido o prazo de 20 dias, pela devedora Sociedade de Construções José Coutinho, S.A., para prorrogação do prazo de impugnação à referida Lista de Credores, o qual foi deferido pelo Tribunal. Findo o prazo, que teve lugar no dia 10 de Setembro, iniciou-se o prazo de dois meses para conclusão das negociações encetadas pela devedora, havendo a possibilidade de prorrogação por mais um mês. Perante estas circunstâncias, a autarquia prolongou a suspensão dos trabalhos até 10 de dezembro de 2012, ao abrigo do artigo 365.º do Código dos Contratos Públicos.
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A Câmara de Abrantes afirma lamentar a situação e os transtornos que a paragem dos trabalhos tem acarretado e refere que tem acompanhado com preocupação e em permanência o evoluir da situação e a tomou as diligências que considera mais adequadas, dentro das normas legais em vigor e tendo em vista o interesse público. O Município revela ainda que tem todas as faturas vencidas liquidadas, até ao momento da entrada de penhoras sobre os créditos do empreiteiro, uma vez que a Sociedade de Construções José Coutinho, S.A., celebrou contrato de factoring com entidade bancária.
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PSD aconselha a autarquia a aproveitar a oportunidade
para acabar com esta “triste ideia”
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Os vereadores eleitos pelo PSD lembram que votaram contra a construção do Mercado Municipal de Abrantes neste local e consideram que “a Câmara deve aproveitar esta janela de oportunidade para colocar um ponto final na triste ideia de construir o mercado municipal naquele local, voltando-o a reinstalá-lo no seu local de sempre, por direito e tradição, e de onde nunca deveria ter saído”.
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No entanto, caso a Câmara pretenda manter este projecto, a oposição defende que “deverá concluir a obra no mais curto espaço de tempo possível, não só porque não há mercado municipal que sobreviva a um encerramento tão prolongado, mas também porque os lojistas vizinhos não têm de estar sujeitos a obras municipais de Santa Engrácia que lhes arruínam, por completo, a clientela e retiram valor comercial aos estabelecimentos”.
Santana-Maia Leonardo - A Barca
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José Sócrates não foi a causa da nossa desgraça. Pelo contrário, José Sócrates foi o resultado, o produto final, gerado por um sistema político e educativo ineficiente, iníquo e corrompido. O nosso problema é estrutural e tem a ver sobretudo com a forma como nos organizámos.
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Como todos sabemos, o novo regime privilegiou sempre o amiguismo e o compadrio ao mérito que, durante muitos anos, identificou com o antigo regime. Pessoa competente e séria era, inevitavelmente, apelidada de fascista.
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As escolas, recorde-se, onde se formaram estas gerações, foram tomadas de assalto pelos alunos mais medíocres que expulsaram os bons professores e os substituíram por alunos com o 5º e o 7º ano de liceus cujo único objectivo era nivelar tudo por baixo. Ainda hoje o nosso ensino privilegia os piores alunos e sacrifica os melhores, sentindo-se subjacente em todo o sistema de ensino público um desprezo incontido pelos alunos mais brilhantes e mais inteligentes. E é precisamente a gente que nasceu e cresceu neste caldo de cultura que ainda hoje domina os sindicatos de professores e o sistema político.
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Ou seja, todos os poderes decisórios estão hoje na mão de gente medíocre e comprometida com quem lá a colocou.
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Tal como num clube desportivo, ninguém pode esperar bons resultados quando se colocam a jogar os afilhados e se sacrificam os bons jogadores. E nosso país, nos últimos quarenta anos, só têm jogado os afilhados que, por sua vez, se empenham na eleição de equipas técnicas pouco qualificadas mas que lhes garantem o lugar na equipa. Está tudo viciado. É assim nas câmaras, nas direcções gerais, nos serviços públicos, nos partidos políticos, nas forças de autoridade, nos tribunais, nos órgãos de comunicação social, nas escolas, nas universidades...
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Este regime é um doente onde o tumor maligno da corrupção, do compadrio, da incompetência e da mediocridade se espalhou e ganhou metástases em todos os órgãos. E um doente assim não tem qualquer hipótese de cura.
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Aliás, neste momento, a nossa vida é puramente artificial e deve-se exclusivamente ao ventilador da troika. Mas esta situação não se pode manter eternamente. Toda a gente sabe que o doente não vai conseguir sair do estado vegetativo em que caiu. As medidas do Governo visam apenas convencer a troika a manter o ventilador ligado por mais algum tempo. Mas o doente, em boa verdade, já está morto. Só falta mesmo dar a ordem para desligar a máquina.
Paulo Rangel - Público de 26/9/12
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«Há vícios e poderes mais difíceis de vencer e convencer do que a troika.
É esses que, mais do que nunca, é preciso enfrentar.»
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O empresário Alexandre Alves voltou a não cumprir o prazo imposto pela Câmara de Abrantes para entregar uma garantia bancária de 1,1 milhões de euros, mas a presidente da autarquia, Maria do Céu Albuquerque (PS), deu nova oportunidade ao patrão da RPP Solar adiando assim a declaração de caducidade do licenciamento da fábrica de painéis solares projectada para a freguesia de Concavada.
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“A câmara autoriza a prorrogação da entrega da garantia bancária até ao dia 15 de Outubro, sublinhando-se que se trata da última prorrogação de prazo e condições que a câmara municipal concede com vista à prossecução do investimento”, refere a autarquia em comunicado. No mesmo documento, refere-se que a câmara vai “activar a comissão técnica de acompanhamento, constituída por um elemento técnico e um jurista”.
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Os sucessivos adiamentos na concretização do projecto industrial têm gerado uma apreensão cada vez maior. Em Agosto, a Câmara de Abrantes decidiu exigir ao empresário uma garantia bancária de 1,1 milhões de euros, com prazo de execução ou garantia pessoal, afirmando que, se isso não acontecesse, declararia a “caducidade do licenciamento” do empreendimento. No ano passado já havia feito o mesmo com igual resultado. (...)
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Os vereadores do PSD votaram contra, criticando a câmara por andar “há dois anos a conceder à RPP Solar sucessivas prorrogações do prazo, a pedido desta e com o fundamento em promessas nunca cumpridas”. (...)
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Quatro anos depois do anúncio de um investimento de 1.052 milhões de euros destinados à construção de três fábricas de painéis fotovoltaicos que deveriam criar quase 2.000 empregos, as instalações ainda não estão equipadas nem se verificou o início a produção.
João Pereira Coutinho - Correio da Manhã de 17-9-12
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E o povo lá saiu à rua sob o simpático slogan ‘Que se lixe a troika – Queremos a nossa vida de volta!’ Fez bem: gritar alivia (…). Mas convinha esclarecer dois pontos sobre o slogan. Para começar, a ‘troika’ não aterrou em Lisboa por sua vontade.
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Foi um governo PS quem a chamou, depois de ter falido o país. Sem o dinheiro da ‘troika’, o bom povo que ontem se aliviou por aí não teria um pataco no bolso, excepto pela saída do euro, a adopção de uma nova moeda – e de uma nova vida. Que vida? Não, com certeza, a vida de fantasia que o euro permitiu – a governos, empresas, famílias, etc. Mas vidas de uma austeridade maior do que a actual, embora com melhores perspectivas de crescimento a médio prazo (opinião pessoal). Moral da história?
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Simples: o país não pode ter o dinheiro da ‘troika’ (sem a ‘troika’) e uma vida de volta que, com ‘troika’ ou sem ela, jamais voltará.