Orlando Nascimento
Juiz Desembargador e último Inspector-Geral da IGAL (Inspecção-Geral da Administração Local)
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Aproximando-se o dia mundial contra a corrupção é meu dever lembrar uma área que tanto por ela (a corrupção) tem feito, porfiando por continuar… perfilando-se para continuar…
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É minha convicção, na experiência formada, que urge alterar, por a todos os níveis insustentável, o estado actual das coisas.
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No meu trabalho, há muitos anos, recordo-me de ter passado por um município e de muitas vezes me ter deitado cedo, com um comprimido para enganar o cansaço, e sem jantar. Mudei para melhor, para um outro onde percorria a rua principal, em direcção a casa, pela uma hora da manhã. Cansado destas “noitadas”, passei para outro em que retirava os processos (atrasados) das prateleiras ao fim-de-semana. No outro a seguir, um sítio arejado de Lisboa, trabalhei nas férias de verão dos dois anos que aí passei. Cansado de andar de metro, mudei para mais perto; passei a andar a pé, abrir a porta ao porteiro e sair no final do dia, melhor, no princípio da noite, com os trabalhadores da limpeza. Em todos eles fui substituído.Para melhor ou para pior. Por um parafuso à medida ou por um arame no seu lugar. E todos continuaram a funcionar. Ainda que a alguns custe, qualquer de nós é substituível, muitas vezes por outro melhor.
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Mas há os insubstituíveis. Nunca os vi, mas já ouvi falar. Também já ouvi dizer que, deles, está o cemitério cheio. Mas não é destes mortais, comuns, que neste importante dia reza a insubstituição. É dos presidentes! Os nossos insubstituíveis e, por isso, eternos, presidentes. Uma vez eleitos e aconchegados e aconchegados e logo eleitos, tornaram-se insubstituíveis. Esqueceram a profissão. Alguns nem disso precisam. Trabalharam, uns bem, outros assim-assim, outros mal e outros, até, com escândalo público, sendo tão amigos dos juízes que não lhes faltam com trabalho; ainda o juiz não despachou um requerimento e já lá tem mais cinco; prisão é que não. Mas, todos eles são…. insubstituíveis.
Não vale a pena dizer-lhes que ser eleito não é profissão. Que profissão é outra coisa. Ser eleito é ter um projecto, apresentá-lo aos cidadãos, executá-lo quando mandatado e…prestar contas!
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A quem o fez, e muitos são, a minha homenagem. Mas não é destes que falo; é dos outros. Os dos projectos de “santa Engrácia”, da técnica do sem-fim; os anos passam e nem para trás, nem para a frente, nem para a democracia, nem para os cidadãos, nem para os jovens, nem para os velhos. E vive-se bem (vivem eles).
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Os velhos, os de boa cepa, gostam de se ver continuados. Os velhos que não gostam de se ver continuados são os insubstituíveis. Eles são únicos. Destroem as próprias sombras e até os delfins, qual grupo de coelhos, tão preocupados em castrar a virilidade dos outros, que acabam por fazer perigar a própria descendência. E destes temos. Eles aí estão. Inconformados com a limitação de mandatos, que exagero de democracia, logo lhes ocorreu o “desenrascanço” (ou não fossem eles, na falta de outro, desenrascados). Concorrer ao “condado” do lado. Afinal é perto, os automóveis são bons, chega-se depressa. E a corte pode ser a mesma; vai também. O Estado continuará a enviar o dinheiro, que todos pagamos, ou até nem pagamos, assim ele venha. Se alguém se queixar, isso é ofensa; ofensa pessoal. Pensar diferente, dizer diferente, é ofensivo da …matriz.
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“Livrar de alcaide quando entra e quando sai”; também será ofensivo?! Pois, sem ofensa, assim como assim, onde estava também não fazia falta nenhuma. E para onde vai nem aquece nem arrefece. Mas, e o projecto? Tem projecto? Mas alguma vez teve projecto? Para ser presidente é preciso ter projecto? Ser presidente é uma profissão. É profissão velha, conhecida, batida. Estar no poder. Viver do poder. Manter-se no poder. Não perder o poder. Muito menos para os jovens. Não vão eles trazer projectos, fazer melhor, apostar em valores…
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Os jovens são perigosos! Todos. Convém não lhes dar hipóteses. Não lhes abrir o lugar; não abrir mão do lugar. Distraí-los com noitadas (que acenem com bandeirinhas!). Afogá-los em mestrados. Fazê-los emigrar (e agora sem regresso; que não voltem).
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Mas, onde é que já ouvimos isto? À falta de melhor, o oráculo augura para si próprio; é o “desenrascanço”. Se os lugares estão ocupados, são nossos, pois emigrem! Mandem dinheiro, mas não votem. Paguem cá, mas não contem. Tenham sucesso, mas lá longe. Concorrência não.
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Senhores presidentes tenham vergonha! E se a não têm, criem-na. Vão trabalhar. Reformem-se. Dediquem-se ao turismo. Aproveitem, até, para estudar. Emigrem vocês mesmos. Mas, libertem os jovens. Não da sua juventude, não da sua cidadania. Mas da vossa presença e das vossas habilidades.
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Pois tenham vossas excelências, senhores presidentes, a certeza que: não são insubstituíveis!