Gonçalo Portocarrero de Almada – Público de 22-6-2013
(…) No passado dia 17 de Abril, o Parlamento português deu mais um passo no sentido da destruição do Estado social. Aprovando, na generalidade, a lei que permite a co-adopção pelo parceiro do progenitor, nas uniões de pessoas do mesmo sexo, os deputados, à revelia da sociedade civil, inverteram a lógica do conceito legal de parentalidade. Esta reforma, que não tem fundamento científico, nem apoio popular, baseia-se numa mentira e numa fraude. Com efeito, ter por pai, ou mãe, quem, na realidade, mais não é do que parceiro do verdadeiro progenitor é dar à mentira o estatuto de verdade legal. Portanto, não era o anterior sistema jurídico que era hipócrita, mas o que agora se quer impor...
Que dois ou mais adultos organizem a sua vida como quiserem, é algo que se deve tolerar, ao abrigo da liberdade individual e do respeito pela vida privada pessoal e colectiva. Mas não é admissível que arrastem filhos menores para um tipo de vivência que compromete seriamente o equilíbrio emocional e a realização pessoal destes. Se ser mulher é importante e ser homem o não é menos, porquê privar o menor da referência feminina, ou masculina, se ambas são igualmente necessárias para o seu são desenvolvimento?
Se a adopção está pensada, na lei, em função do bem do menor, e não para satisfazer o capricho do parceiro de um seu progenitor, é evidente que deve ser dada ao filho órfão, ou com pais ausentes ou incapazes, a possibilidade de ser acolhido por uma família natural, ou seja, um pai e uma mãe, como Deus e a natureza mandam. Se o menor for só órfão de pai, ou de mãe, deve-se dar à mulher do pai, ou ao marido da mãe, a possibilidade de acolher o filho do cônjuge, como madrasta e padrasto, respectivamente. Mas, para isso, não é necessário criar nenhum novo conceito, nem duplicar as noções de pai e mãe, até porque, como se costuma dizer, pai e mãe há só um, os que se têm e mais nenhum.
É falso e absurdo que o "marido", ou amigo, do pai, também seja pai, ou que, a "mulher", ou companheira, da mãe, seja mãe também! Se a paternidade e a maternidade se desvinculam legalmente dos correspondentes conceitos genéticos, por que razão não dar a liberdade de ter por "irmãos" filhos de outros pais, que não os próprios, ou de ter como "avós" quem não sejam os pais dos pais biológicos ou adoptivos?! Confesso que me dava um jeitão ser único "neto" de um "avô" milionário sem geração... (…)
O nosso Parlamento, cuja legitimidade moral é escassa e cuja representatividade política é duvidosa, ousou explorar a inércia da sociedade civil, que foi surpreendida com o facto consumado.
É pena que aqueles a quem cumpre especialmente a salvaguarda dos valores éticos - os cidadãos, as famílias, as religiões, as instituições de solidariedade social, etc. - não tenham tido capacidade de resposta. É pena que, em Portugal, ao que parece, ninguém dê a cara pelas crianças desprotegidas e pelo seu direito fundamental de viver no seio de uma família constituída por um pai e uma mãe, originais ou adoptivos. É por isto também que esta vitória pírrica, que aos órfãos tanto ofende e prejudica, é uma derrota para todos nós.