2014, o ano que ainda não terminou
Manuel Carvalho - Público de 5-1-2014
(...) A exposição do Estado a casos de corrupção ou a sua permeabilidade a influências de uma certa elite e a sua incapacidade para fazer o “ajustamento” com a eficácia e rapidez do resto da sociedade mostrou-nos de forma clara onde está o nó górdio no futuro próximo. Uma reforma do Estado, que não é a mesma coisa do que cortes dramáticos nas suas funções ou na sua relação com a sociedade, é fulcral para que se sintonize a dinâmica do país com a dinâmica da esfera pública.
A sociedade é hoje muito mais qualificada e exigente do que alguma vez foi no passado, enquanto o Estado central mantém a sua organização secular – uma cabeça gigantesca que comanda frágeis antenas pelo território. As vanguardas dessa sociedade estão a anos-luz das competências e da determinação que o Estado é capaz de mostrar. Se não fosse a factura do passado a pesar com os seus juros poderíamos dizer que conseguimos passar a viver dentro das nossas possibilidades, sem défices externos e com uma capacidade exportadora que já pesa mais de 40% do PIB. Mas, enquanto a sociedade fez pela vida, o Estado limitou-se a cobrar mais impostos e a acumular promessas falsas em torno de reformas que nunca aconteceram – e, felizmente, depois de 2014 a limpar algumas teias conspícuas.
A captura do interesse público por empresas protegidas da concorrência externa, o domínio de grandes escritórios de advogados que redigem leis para o Governo e as contestam no tribunal ou na imprensa onde têm mandatos directos, são fantasmas de um país que começou a ser abalado em 2014 e que deve continuar a sê-lo nos próximos anos. (...)
É preciso prestar toda a atenção aos milhares de portugueses que pagam uma factura insuportável pelo ajustamento e é fundamental que se deixe o país real funcionar. Libertando-o de um Estado capturado pelos interesses de uma corte instalada na capital, tornando-o mais próximo, ágil e escrutinável, mais descentralizado e liberto da experiência burocrática do salazarismo e os devaneios revolucionários do pós-25 de Abril. Um Estado moderno, ajustado aos nossos tempos e a uma sociedade que nada tem a ver com a do passado recente. Se este passo não se der, jamais nos libertaremos de casos como o do BES ou de bancarrotas como as que apareceram por três vezes ao virar da esquina nos últimos 40 anos. Não teremos aprendido a grande lição de 2014.