Jornal de Abrantes e Rádio Antena Livre de 28-3-2014
Apesar da publicação quinta-feira em Diário da República do novo mapa judiciário, juízes, advogados e autarcas presentes num debate em Tomar foram unânimes na necessidade de inconformismo com um sistema que classificaram de “injusto e irrealista”.
Numa sessão pública intitulada “Tomar e o cidadão perante a reforma da Justiça e o novo Mapa Judiciário”, realizada ao princípio da noite de quinta-feira nos Paços do Concelho, numa sala em que predominaram advogados e funcionários judiciais, não foram poupadas críticas à Lei da Organização do Sistema Judiciário publicada na quinta-feira.
A presidente do Círculo Judicial de Tomar, a juíza Cristina Almeida e Sousa, foi contundente nas críticas ao sistema imposto, apontando a sua estruturação a partir de “bases estatísticas duvidosas” e de estimativas de desempenho “irrealistas e irrealizáveis”, como a referência processual de 224 ações ordinárias quando um juiz “com grande experiência e competência especializada” consegue despachar “um máximo de 80 a 100 ações”.
Para a juíza, o sistema agora proposto pode pôr em causa o princípio da separação de poderes, ao prever a participação de um membro do Governo na equipa que estabelece os objetivos anuais para avaliação dos juízes, além de que a submissão destes ao cumprimento de estatísticas interfere com “o mérito da decisão”.
“O juiz para ser um bom juiz tem que ser um Homem livre, não agrilhoado a estatísticas”, frisou.
Cristina Sousa apontou ainda a “lonjura a que a Justiça vai ficar” dos locais mais distantes, mal servidos de transportes, sublinhando que, tal como a saúde, as finanças e outros serviços públicos, este é mais um fator de coesão social.
“Este mapa não serve minimamente os interesses dos cidadãos”, acrescentou, manifestando o “receio de que a reboque da desistência da Justiça se desista da Democracia”.
Para Santana-Maia Leonardo, do Agrupamento de Abrantes da Ordem dos Advogados, a reforma do mapa judiciário deveria ser antecedida de uma reforma administrativa do país, seguida de um levantamento dos equipamentos existentes para uma melhor distribuição dos serviços.
Para o advogado, que rompeu com 30 anos de militância no PSD no dia em que o novo mapa judiciário foi aprovado em conselho de ministros, é preciso que PSD e PS definam que modelo de desenvolvimento querem para o país, se o inspirado nas cidades-Estado gregas, promovendo o esvaziamento do território, se no holandês, de um país equilibrado assente em cidades médias.
Santana-Maia considerou que o novo modelo “tem o dedo” das sociedades de advogados de Lisboa, que acusou de quererem a concentração dos processos nas capitais de distrito para aí abrirem delegações, liquidando os advogados das pequenas comarcas.
Por outro lado, frisou o facto de se estar perante a terceira reorganização judicial em 30 anos, o que “nenhum país aguenta”.
Para o advogado António Velez, o atual mapa “é recorrível”, devendo ser ponderada uma ação popular, tendo em conta que tem aspetos que violam a Constituição, perspetiva partilhada por outros intervenientes.
“Nunca vi nenhum mapa ser implementado. Não podemos baixar os braços”, afirmou.
Anabela Freitas, presidente da Câmara Municipal de Tomar (PS), que promoveu a sessão, lamentou que a reforma tenha sido feita por quem não conhece a realidade do país, mostrando perplexidade por se basear numa realidade administrativa (os distritos) que na prática já nem sequer existe.