Análise de Ruben Sérem - Público de 27-7-2014
(…) Duas semanas de conflito provocaram já centenas de mortos, na sua maioria civis. Uma estatística macabra que irá seguramente aumentar à medida que prossegue a invasão terrestre de Gaza. Contudo, na mesma região, no Iraque, o autoproclamado Califado Islâmico já liquidou milhares de xiitas, que são igualmente oprimidos no Bahrain, no Iémen e nessa verdadeira Meca da intolerância, a Arábia Saudita. Ainda no Iraque, as populações assírias e yazidi não só vivem sob o jugo da ocupação há largas centenas de anos, mas encontram-se à beira da extinção.
Em 2007, cerca de 800 membros da minúscula comunidade yazidi, com aproximadamente meio milhão de residentes, foram chacinados num único dia (14 de Agosto) numa série apocalíptica de ataques bombistas. Nem uma voz de protesto se fez ouvir na Europa. São, com certeza, muito poucos, entre os muitos activistas pró-Palestina, que sabem sequer quem são os yazidis ou os assírios, estes últimos uma comunidade autóctone que precede as invasões árabes e que testemunhou o êxodo de cerca de um milhão de conterrâneos durante a última década, num universo total de 1,5 milhões de habitantes. (…)
Igualmente ignorados são os coptas do Egipto, periodicamente hostilizados por via de ataques bombistas e linchamentos públicos, com o beneplácito das forças policiais que, em várias ocasiões (e com a aquiescência do poder político), tomaram parte nessas mesmas chacinas (exemplo recente, entre muitos: massacre de Maspero, em 2011). Desta forma, a comunidade copta do Egipto arrisca-se a seguir o mesmo caminho dos coptas sudaneses ou os mandeus e shabaks do Iraque: a extinção. (…)
O Sudão, onde impera um regime teocrático presidido por Omar al-Bashir, formalmente acusado de genocídio e alvo de um mandado internacional de captura emitido pelo Tribunal Penal Internacional em 2009, vira-se agora contra a população negra (por exemplo, no Darfur) perante o silêncio ensurdecedorda Liga Árabe, sempre tão activa no que toca ao conflito israelo-palestiniano. (…)
Mais: perante a apatia da vasta comunidade de activistas “orientalistas”, a Mauritânia dá-se ao luxo de manter sob ocupação, desde 1975, um terço do território do Sara Ocidental, enquanto Marrocos anexou os restantes dois terços, isto em clara violação da deliberação do Tribunal Internacional de Justiça.
O mesmo se passa com a autoproclamada República Turca do Chipre do Norte que, desde 1974, tem abertamente menosprezado as resoluções da ONU. Ambas as ocupações continuam a ser ignoradas, ao passo que a ocupação de Gaza e da Cisjordânia monopolizam a atenção de uma babel de organizações não governamentais (ONG). A pergunta é inevitável: porquê?
Numa escala de carnificina, o sofrimento assírio e yazidi é incalculável: uma coisa é ocupação, outra completamente diferente é extermínio. É esta hipocrisia, fruto da ignorância, que permite a existência de outras muito mais devastadoras, como o facto de a Turquia negar o genocídio arménio-grego-assírio, ocupar parte do Chipre e Curdistão, apoiar islamitas na Síria e ainda arrogar-se o direito de censurar Israel.
Ironicamente, o Estado de Israel é também um produto da intolerância árabe, especificamente do êxodo forçado de um milhão de judeus de países de maioria muçulmana que posteriormente se enraizaram na Palestinae permitiram a expansão ilegal e manu militari das fronteiras propostas pela ONU em 1947, para as actuais, de 1967. (…)