A higiene da casa
Alberto Gonçalves - DN de 28-9-2014
À semelhança do que acontece no futebol, em que todos roubam o que podem e só os adversários o fazem com acinte, a moralidade, no país dos partidos e dos fanáticos dos partidos, é questão de perspectiva. Mesmo que se desconfie, ou até se prove, que Fulano desvia fundos comunitários, aceita subornos e nas horas vagas atropela velhinhas por gozo, os seus fiéis estarão sempre prontos a ignorar os deslizes do chefe na medida em que Sicrano, o chefe dos rivais, também escapou a umas multas por estacionamento em 1982 (ou ao atropelamento de velhinhas em 2005).
Vem isto a propósito do "caso" Tecnoforma. (...)
Não pretendo evocar o Freeport, a Universidade Independente, os projectos na Guarda, as escutas do Face Oculta, os apartamentos de Lisboa e Paris e, lá está, as violações do regime de exclusividade parlamentar a fim de relativizar o que apenas os ceguinhos, ou os portugueses, se me permitem a redundância, relativizariam. As alhadas de Pedro Passos Coelho não se desculpam através da culpa alheia.
E a alhada em questão, revelada pela revista Sábado e entretanto assaz popular, resume-se aos 150 mil euros que o Dr. Passos Coelho terá recebido indevidamente entre 1995 e 1999 (por causa da exclusividade do deputado que então ele era) e omitido ao exacto fisco que agora nos consome com sofreguidão. Embora a certeza do crime esteja por apurar, não confortam as garantias de honestidade fornecidas pelo próprio, além dos pedidos ao Parlamento e à Procuradoria-Geral da República para que o ajudem a recordar se recebeu ou não uma quantia que, com sorte, o cidadão médio demora dez anos a ganhar. Por incrível que pareça, residir em Massamá e voar em turística não asseguram a honra de um homem.
Se a história se provasse, não importaria a palavra dada à AR, a baixeza da denúncia anónima, a estabilidade, o futuro, o passado de trapalhadas que outros cometeram: o Dr. Passos Coelho deveria demitir-se. Mas não se demitirá, visto que os obstáculos do costume impedem que se saiba a verdade e a verdade não preocupa o eleitorado, que já condenou ou absolveu o primeiro-ministro de acordo com antipatias ou simpatias prévias. Quem hoje exige a queda do Dr. Passos Coelho defendia ontem o radioso currículo do Eng. Sócrates contra a "cabala". E quem ontem atacava o descaramento do Eng. Sócrates apoia hoje a firmeza do Dr. Passos Coelho. A política é suja porque o País não é muito limpo.