O início de uma longa história...
Francisco Teixeira da Mota - Público de 28-11-2014
O processo-crime que determinou a prisão preventiva do ex-primeiro-ministro José Sócrates e de mais dois arguidos vai dividir profundamente a sociedade portuguesa ao longo dos próximos meses e, mesmo, anos. Não creio que seja uma questão de regime e que estejam abalados os fundamentos da nossa democracia, embora confesse que, quando vejo o presidente do Governo Regional da Madeira a clamar pela violação dos Direitos Humanos, não posso deixar de ficar preocupado... (...)
A partir de agora, pelo menos, já sabemos que estarão em causa fortes indícios da prática dos crimes de corrupção, fraude fiscal agravada e branqueamento de capitais. Matérias sobre as quais os portugueses, dentro de pouco tempo, serão especialistas.
Sobre este último crime, o de branqueamento de capitais, importa esclarecer que só poderá dar-se como provada a sua existência desde que se prove a existência anterior de qualquer dos outros dois crimes. Só é possível “lavar” dinheiro se o mesmo for dinheiro “sujo”, isto é, produto de actividades ilegais, pelo que sempre será necessário provar em tribunal a origem ilegal do dinheiro alegadamente “branqueado”. Estejam em causa dez euros ou dez milhões de euros.
Como todos sabemos, não existe o crime de enriquecimento ilícito no nosso país – a louvável e meritória tentativa da ministra da Justiça de o criar foi chumbada pelo Tribunal Constitucional. No nosso país, ninguém está obrigado a provar que o dinheiro que possui tem uma origem legal. Por mais chocante que seja a distância entre aquilo que devia ter e aquilo que efectivamente tem. A expressão “quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem” não tem, pois, tradução legal em termos de consequências penais no nosso país. Os portugueses – pró e contra José Sócrates – vão, todos, nos próximos tempos, estudar muito Direito Criminal.