José Pacheco Pereira - Público de 22-11-2014
Esta pergunta foi feita por Paulo Portas, quando no Parlamento se explicava sobre os vistos gold, política de que é o principal patrocinador. (...)
Quem cria mais postos de trabalho? O CDS ou o BE? O CDS, claro, que está no Governo e participa na distribuição dos boys e girls e com muito afinco. Chama-se a “quota” do CDS. Quem cria mais postos de trabalho? O PSD ou o CDS? Terrível problema para o CDS, que só chega ao poder encostado nos votos do PSD e já fez disso modo de vida. A resposta é: o PSD, claro. Quem cria mais postos de trabalho? O CDS ou a Remax? A Remax claro, uma multinacional cujo nome Portas acabou por misturar nestas justificações, fazendo-lhe publicidade gratuita. Que se saiba, Portas ainda não vende casas na Micronésia, onde a Remax actua. Quem tem uma “marca” de maior prestígio e maior valor de mercado? Portas ou a Remax? A Remax, que ainda não é “irrevogável”.
E a pergunta das mais certas que há: quem destruiu mais postos de trabalho? Portas ou o BE? Portas ou a Remax? Resposta: Portas e o CDS. E Sócrates – dirão as vozes? Sim, é verdade, Sócrates, Passos Coelho e Portas estão bem uns para os outros. Repito de novo a pergunta que seria aquela que de imediato lhe faria, se ele a fizesse à minha frente: quem destruiu mais postos de trabalho? Portas ou o BE? Portas ou a Remax?
Aplicada aos vistos gold, a frase de Portas tem um significado unívoco: se dá dinheiro, vale tudo. (...)
Eu não sou daqueles que descobriram as virtudes (e os defeitos) da doutrina social da Igreja com o Papa Francisco. No PSD, se não houvesse uma efectiva traição à sua matriz histórica e ideológica, o contributo da doutrina social da Igreja, exactamente nos aspectos em que ela hoje parece perigosamente esquerdista para os ignorantes, é genético no pensamento de Sá Carneiro. O mesmo podia ser dito do CDS, se o amoralismo oportunista de Portas e dos seus jovens lobos não tivesse já destruído o que sobrava. (...)
Seria impossível na Igreja franciscana alguém fazer a pergunta que Portas fez no contexto do amoralismo que a domina, porque são para quem faz perguntas daquelas as frases da Evangelii Gaudium:
"Uma das causas desta situação está na relação estabelecida com o dinheiro, porque aceitamos pacificamente o seu domínio sobre nós e sobre as nossas sociedades. A crise financeira que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano. Criámos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objectivo verdadeiramente humano."
É por isso que a frase de Portas pode também ser formulada de outras maneiras: o que cria mais emprego? A prostituição ou Portas? A prostituição. O que cria mais emprego? O crime ou Portas? O crime. O que cria mais emprego? A corrupção ou Portas? A corrupção. O que cria mais emprego? A “economia paralela” ou Portas e a maioria? A economia paralela. O que cria mais empregos? A guerra ou Portas? A guerra. E por aí adiante. Há dez mil coisas más que criam mais emprego do que Portas e a maioria, e isso não as justifica.
Ouça-se o Papa Francisco:
"Por detrás desta atitude escondem-se a rejeição da ética e a recusa de Deus. Para a ética, olha-se habitualmente com um certo desprezo sarcástico; é considerada contraproducente, demasiado humana, porque relativiza o dinheiro e o poder. É sentida como uma ameaça, porque condena a manipulação e degradação da pessoa. Em última instância, a ética leva a Deus que espera uma resposta comprometida que está fora das categorias do mercado. Para estas, se absolutizadas, Deus é incontrolável, não manipulável e até mesmo perigoso, na medida em que chama o ser humano à sua plena realização e à independência de qualquer tipo de escravidão. A ética – uma ética não ideologizada – permite criar um equilíbrio e uma ordem social mais humana. Neste sentido, animo os peritos financeiros e os governantes dos vários países a considerarem as palavras dum sábio da antiguidade: 'Não fazer os pobres participar dos seus próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos.'"
Dirigida na mouche ao sentido da frase de Portas estão estas afirmações:
"Assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça, tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social, por mais sólido que pareça. Se cada acção tem consequências, um mal embrenhado nas estruturas duma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de morte. É o mal cristalizado nas estruturas sociais injustas, a partir do qual não podemos esperar um futuro melhor."
O problema dos vistos gold é simples: dinheiro inexplicado a montante, corrupção a jusante. É por isso que o caso de corrupção que hoje está a ser investigado e atinge o coração do Estado é estrutural e não conjuntural. É um resultado de se pensar como pensa Portas: se entra dinheiro, fecha-se os olhos, e depois “o mal consentido (…) tende a expandir a sua força nociva”.