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COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

Editorial do Público de 29-12-2014

Quando se fala dos megaprocessos que envolvem figuras de topo da política e da banca, tem-se dito que a Justiça começou, finalmente, a funcionar em 2014. Será verdade, mas só até certo ponto.

A reforma levada a cabo no sistema judicial, com o lamentável caso do Citius a emperrar durante 45 intermináveis dias, criou logo de início a ideia de um pandemónio desnecessário. Um caos assim não podia ser imprevisível. Nem ser iludido com palavras vãs ou ineficácias mascaradas de boas intenções.

Seja como for, passado o pior período da reforma proposta pelo Governo, o que sobra não é de molde a sossegar juízes, advogados, funcionários judiciais ou simples cidadãos (os que recorrem à Justiça e dela esperam celeridade). O levantamento feito pelo PÚBLICO junto de vários tribunais dá-nos conta de problemas, reais, que não podem ser ignorados pela tutela. No Porto, o juiz responsável diz “que não foram feitas as obras necessárias, nem de longe”: “faltam salas de audiências e há locais onde vai voltar de certeza a chover neste Inverno”; em Setúbal, a ampliação do espaço (que custará 23,3 milhões) “não vai chegar” para as necessidades; em Lamego, comarca de Viseu, há faltas de pais e mães aos processos de família porque, dizem os visados à juíza, não tinham transporte nem dinheiro para ele; em Aveiro, há tribunais onde já foi preciso interromper julgamentos por causa do frio na sala, isto porque “não há dinheiro para o aquecimento”; em Loures, o atraso na ampliação do Palácio da Justiça obrigou à transferência de parte do tribunal para contentores, “invadidos” por ratos. São alguns exemplos, mas haverá certamente muitos mais.

A tudo isto, responde a ministra que não lhe peçam para resolver, em três anos, “problemas acessórios” que se arrastam há trinta. Uma pequena clarificação: não são acessórios, são basilares. E são eles que dão à Justiça portuguesa muita da má fama que ainda tem.

Francisco Assis - Público de 27-11-2014

Há uns anos atrás, Jacques Julliard, ensaísta e historiador, figura proeminente da esquerda francesa, colocava numa crónica publicada no Nouvelle Observateur, onde então escrevia, uma questão de relevante actualidade: estará a esquerda europeia disponível para um entendimento de fundo com a Igreja Católica? (...)

O cristianismo, a meu ver, transporta consigo, quase desde as suas origens, uma contradição dificilmente resolúvel. Por um lado, é uma religião profundamente humanista, assente na ideia do amor; por outro, possui uma componente dogmática facilmente impulsionadora de um fanatismo proselitista e perigoso. Jean-François Kahn acaba, aliás, de publicar um curioso livro em que intenta um verdadeiro processo às religiões monoteístas. Por oposição ao politeísmo clássico, repleto de deuses desregrados − e por isso profundamente humanos −, as grandes religiões monoteístas trazem consigo a marca da mesma cegueira ideológica que originou todas as formas de autoritarismo dogmático que se manifestaram, sob as mais diversas formas, ao longo da história.

Ao ouvir o Papa Francisco há dois dias, no Parlamento Europeu, todas estas questões me sobrevieram ao espírito. Há desde logo algo de extraordinário nesta presença do líder espiritual do mundo católico numa assembleia parlamentar representativa do pluralismo doutrinário e político constitutivo de todo o espaço público europeu. Quantos séculos, quantas disputas, quantos actos de coragem para que tal fosse hoje viável. Se é verdade que não é possível pensar o horizonte civilizacional europeu sem o contributo do pensamento cristão, também é um facto que a modernidade europeia se construiu em oposição às posições assumidas oficialmente pela Igreja de Roma. Não esqueçamos que esta só tardiamente aceitou a ciência moderna, o livre pensamento e as formas de organização política democrático-liberais. Também é certo que foi, nalgumas circunstâncias, vítima de uma perseguição anti-religiosa alicerçada num entendimento primário do primado da razão humana. Felizmente, tudo isso, no contexto político europeu, parece ter ficado para trás.

O Papa proferiu perante os parlamentares um belo e incisivo discurso que, suscitando, no essencial, uma apreciação consensualmente favorável, não deve deixar de ser objecto de uma apreciação crítica. Voltemos ao ponto inicial deste texto, a expectativa formulada por Julliard de um novo entendimento entre a esquerda europeia e a Igreja Católica. Hoje percebe-se bem o que antevia o autor francês: a coincidência na crítica a um capitalismo desumanizante, baseado numa representação antropológica primária e pouco preocupada com a salvaguarda da dignidade do ser humano. (...) O que mudou, então, para que o novo diálogo passasse a ser possível? Duas coisas fundamentais: por um lado, como ficou bem patente na intervenção do Papa em Estrasburgo, a Igreja abriu-se a uma outra compreensão do mundo contemporâneo; por outro lado, grande parte da esquerda deixou de ver no fenómeno religioso uma simples manifestação da alienação humana. A partir daí tornou-se possível uma convergência de fundo em torno de uma concepção do homem como um ser simultaneamente individual e social, portador de direitos e de deveres, merecedor de uma consideração especial enquanto sujeito político e moral, insusceptível de redução ao estatuto de mero objecto. Ora, um capitalismo sem regras, desprovido de mecanismos de correcção democrática, dominado pelo impulso faustiano de um desenvolvimento técnico alheio a qualquer preocupação ética, acabará sempre por questionar e até mesmo aviltar o princípio da superior dignidade da pessoa humana. Nisso, a esquerda, fiel à sua luta histórica pela promoção dos princípios democráticos, não pode deixar de reconhecer-se no discurso deste Papa. É verdade que ele o faz apelando permanentemente, como não poderia deixar de ser, para a ideia da transcendência; mas não apelará também a esquerda, no seu devir histórico, para uma espécie de transcendência imanente, por mais paradoxal que isto possa parecer, quando se constitui por referência a um conjunto de valores e princípios de escassa concretização histórica? (...) Ao ouvir o Papa, compreende-se bem a razão que assistia a Jacques Julliard. (...)

Marta Pinto - Público de 27-12-2014

(...) Na cultura ocidental lidamos com o tempo de uma forma quase obsessiva. Vivemos simultaneamente em dois extremos: não temos tempo e queremos fazer tudo ao mesmo tempo.

Por um lado, corremos diariamente para conciliar os nossos afazeres, o trabalho, a família e muitas coisas acabam por não ter cabimento nas horas que compõem um dia: simplesmente não temos tempo. É a chamada “pobreza de tempo”. A pobreza de tempo reflete-se numa perda de bem-estar individual e pode ter consequências mais amplas na sociedade, como demonstram os resultados de um estudo realizado pela Universidade de Princeton em 1973, que apontou que o principal fator que determina a nossa disposição para ajudar alguém necessitado é a perceção de termos ou não tempo para o fazer.

Por outro lado, quando dedicamos tempo a uma qualquer atividade, é frequente não desfrutarmos dela, ou porque queremos fazer várias em simultâneo, ou porque já estamos antecipadamente a cogitar sobre a seguinte. Experimenta-se esta ansiedade ao correr entre pontos de interesse numa curta viagem turística a uma qualquer cidade, com o dedo pronto para disparar a máquina fotográfica e não parando para observar a vida quotidiana, sentir os espaços, notar os detalhes. Experimenta-se ainda quando durante um jantar com amigos estamos a trocar mensagens com outros, para dar alguns exemplos não hipotéticos. A isto chamo “tempo pobre”. Enriquecer o tempo significa usá-lo com consciência para estabelecer uma verdadeira ligação com as pessoas, com os lugares, com os ciclos da natureza e com a vida.

Como contraponto à vida acelerada surgiu há uns anos um movimento que promove as virtudes de um estilo de vida no qual algumas coisas devem tomar o seu tempo e não ser apressadas (slow movement). (...)

Na mitologia grega, Cronos era considerado o criador do tempo. Uma das representações mais famosas de Cronos é a de um deus que devora os seus filhos. Também nós seremos em algum momento tragados pelo tempo, mas até lá podemos evitar as dentadas de Cronos assumindo autêntica posse do nosso tempo. 

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