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COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

A frase é de Chateaubrinad ("É muito duro envelhecer, mesmo se o mundo à nossa volta não muda ou muda pouco, mas muito mais duro é envelhecer num mundo que mudou.") e a foto de Setúbal é da autoria de Eugénio Buchinho.

As fotos da coluna lateral são de Setúbal, a minha cidade.  

Setúbal - Eugénio Buchinho.jpg

António Guerreiro - Público de 20-2-2015

Quando o Presidente da República, interpelado pelos jornalistas, fala para os microfones e para as câmaras de televisão, é difícil tomar atenção às suas palavras – seja para louvá-las, seja para criticá-las – porque a elas se sobrepõe de maneira enfática o medium corpóreo não verbal: os traços móveis do rosto, o movimento da boca, os lábios encrespados, a disposição do corpo. O significado das suas palavras dissolve-se na mímica facial intensificada e nos aspectos prosódicos do seu discurso (a entoação, o ritmo, os picos de intensidade, etc.) Mas não se trata da gestualidade retórica dos políticos, um dos elementos que lhes conferem aquele quid a que Max Weber chamou carisma. Não, não é gestualidade retórica: é eloquência patética.

Chamo eloquência patética aos traços móveis da face, à parte dinâmico-motora e plástica do rosto e do corpo que ganham um enorme valor expressivo e se oferecem imediatamente à interpretação. Sempre que fala, seja sobre o milho ou sobre a Grécia, o Presidente da República faculta imensa matéria para uma fisiognomonia e quase nenhuma para a interpretação e o comentário políticos, apesar de haver ainda gente ociosa que insiste nessa tarefa.

Muito dificilmente encontramos hoje, na retórica política, a aristocracia da máscara, com origem na sociedade de corte, maliciosamente astuta e enganosa, própria da grande comédia. A comédia transformou-se há muito em farsa e a máscara aristocrática tornou-se uma máscara trivial. Nestas circunstâncias, o povo, os cidadãos, os espectadores, o eleitorado, como lhes queiramos chamar, até passou a preferir as razões do coração, da sinceridade e da espontaneidade. E foi isto que os políticos passaram a tentar imitar, o que, em termos de arte e espectáculo, é nulo e quase sempre um desastre estético e moral.

Mas a eloquência patética do nosso Presidente nada tem a ver com as transformações e falsificações desta máscara. É patética porque se manifesta como um espasmo de exteriorização de uma causa interior. Dir-se-ia, na sua mímica intensificada, que ele não é patrão dos seus gestos, do seu olhar, da sua expressão. E, por isso, torna-se transparente, não consegue travar o mau-humor nem controlar os arrebatamentos de homem severo, não consegue mascarar as suas paixões nem desmentir o coração. (...)

Pedro Afonso - Público de 18-2-2015

A ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, defendeu recentemente, numa entrevista à TSF, a legalização da venda de drogas leves em Portugal e a sua venda nas farmácias. De acordo com a sua argumentação, os ganhos para os cidadãos seriam alcançados graças à diminuição de outros crimes.

Infelizmente,  a sra. ministra parece desconhecer que  as designadas “drogas leves” não são, na realidade, assim tão leves, já que podem provocar danos gravíssimos a quem as consome. Tomemos como exemplo o cannabis. Esta droga muito popularizada e consumida na nossa sociedade, inclusivamente por jovens, pode contribuir para o aparecimento de várias doenças psiquiátricas.  

O consumo de cannabis (excluindo, obviamente, a utilização restrita dos seus derivados para alguns fins terapêuticos) aumenta o risco do aparecimento de psicoses, que impedem uma pessoa de pensar adequadamente e interferem negativamente, entre outros fatores, com o rendimento cognitivo (a memória, concentração, etc.), prejudicando gravemente o funcionamento profissional e escolar.

Já há muitos anos que existem inúmeros estudos científicos que associam o consumo de cannabis à esquizofrenia. Por exemplo, em 2011, o psiquiatra holandês Jim Van Os publicou um estudo longitudinal com a duração de dez anos, tendo comprovado que o consumo regular desta droga aumenta o risco de desenvolvimento de sintomas psicóticos. Além disso, o consumo decannabis tem sido associado a um aumento do risco de: comportamentos antissociais, ideação suicida, dificuldades no relacionamento interpessoal, consumo de outras drogas ilícitas, designadamente drogas injetáveis, etc..

Por inúmeras razões, intoxicou-se a sociedade com a ideia falsa de que as “drogas leves” não causam danos à saúde. Existe ainda uma ideologia que defende a liberalização das drogas, vendo o consumo das mesmas como um exercício de liberdade individual; o direito de qualquer um de nós fazer o que quer relativamente à sua saúde e à sua própria vida, designadamente, destruindo-a. Acontece que ninguém sofre sozinho neste processo de autodestruição, já que há pais, filhos, irmãos, amigos, etc., que também sofrem com a escolha deste caminho. Um homem não pode usar a sua liberdade para abdicar dela e se converter num escravo de uma droga que o vai destruindo. Seria, portanto, um sinal errado se o Estado promovesse a legalização e a venda nas farmácias de drogas que “matam devagarinho”.

Devemos desconfiar sempre de um Estado que, com o falso argumento da liberdade individual, deixe de ser regulador, criando na lei alguns limites, devidamente justificados, aos comportamentos individuais; devemos desconfiar de um Estado que, sob o disfarce de um paternalismo permissivo, rejeita a ciência, nega irresponsavelmente a realidade de um mal e evoca critérios errados para justificar políticas que facilitam a autodestruição do ser humano.

Na verdade, se a sra. ministra deseja realmente introduzir medidas que tragam benefícios para os cidadãos, então deve promover campanhas de esclarecimento, informando com rigor científico que as “drogas leves” afinal são “pesadas”. Esta medida seria muito bem vista pelos pais, professores e por muitos daqueles profissionais de saúde que lutam diariamente há décadas neste país para retirar milhares de pessoas da escravidão das drogas.  

A droga não se vence passando o tráfico das ruas para a venda legal nas farmácias. Esta medida seria um sinal de fraqueza e um gesto de falsa compaixão. A verdadeira compaixão assenta em salvar pessoas, ajudando-as a recuperar o impulso natural do homem, que o leva a agarrar-se à vida, sem drogas.