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Temos um país cheio de doutores:
Escolas, hospitais, supermercados,
Cafés, tribunais, moços de recados,
Estádios, bancos, lojas, vendedores...
É uma praga, vás tu onde fores.
E, no meio de tais licenciados
Que infestam o país por todo o lado,
Florescem curiosos e amadores.
Os cursos of’recem-se ao domicílio,
A prestações, sem grandes exigências,
Tudo muito legal e por bom preço.
E vivemos assim num falso idílio,
Feito de estupidez e de aparências,
Onde em cada doutor há um burgesso.
Lisboa, 23 de Outubro de 2005
Santana-Maia Leonardo - Diário As Beiras de 7-11-2015
Os políticos portugueses ficam muito ofendidos quando lhe chamam palhaços Mas é preciso gostar muito de circo para manter em cena, em nome do superior interesse nacional, durante quase dois meses, a triste palhaçada a que estamos a assistir. Além disso, só uma direita a lembrar a de outros tempos (a tal direita pouco inteligente) é que se ufanava com os argumentos de Cavaco Silva para não dar posse a um Governo de "Esquerda". É que esses argumentos (mais depressa do que pensam) vão assentar como uma luva num Presidente de "Esquerda" para interferir, derrubar ou recusar a posse de um governo de "Direita". Os maiores inimigos da Liberdade sempre foram aqueles que actuam como se fossem a encarnação do superior interesse nacional.
Num país pouco dado a palhaçadas, o Presidente, no dia a seguir às eleições, indigitava o presidente do partido mais votado para fazer diligências para formar governo. Caso não conseguisse reunir condições para ver o seu governo aprovado pelo Parlamento, comunicava, de imediato, ao Presidente e este convocava o presidente do segundo partido mais votado para o mesmo efeito. Ou seja, tudo feito de uma forma célere, racional e tranquila.
Acontece que, pelo caminho que se está a seguir, não tarda nada ainda iremos assistir a Presidentes da República a nomear governos de gestão e a mantê-los em funções durante todo o seu mandato. Tudo em nome do superior interesse nacional, bem entendido. E não faltarão constitucionalistas a defender a constitucionalidade da iniciativa. Palhaços!
Não deixa de ser, aliás, caricato que sejam precisamente os comentadores que mais reclamavam por grandes reformas estruturais aqueles que agora se escudam numa tradição de 40 anos para impedir a grande reforma estrutural da nossa democracia: um Governo apoiado pelo BE e pela CDU.
Para já não falar daqueles que comentam os resultados eleitorais como se as eleições legislativas tivessem sido de braço no ar. Ora, as eleições por voto secreto visam precisamente garantir a liberdade de voto, impedindo que se saiba em quem votou cada eleitor. Ou seja, cada um é livre de votar como quer e lhe apetece e pelas razões que muito bem entender, por mais estúpidas que sejam, e até sem ter qualquer razão para o fazer. Daí resulta que o deputado eleito apenas está vinculado à sua consciência, não podendo, mesmo que queira, perguntar a cada um dos seus eleitores o que o levou a votar nele. Mas uma coisa podem ter a certeza: a esmagadora maioria dos eleitores que votaram no CDS, PS, PSD, BE e CDU não votaram, em qualquer destes partidos, nem por serem ou não europeístas (90% nem sabe o que isto quer dizer), nem por serem a favor ou contra o euro. A esmagadora maioria votou nestes partidos por uma única razão: porque sim.
O que seria dos nossos políticos e comentadores se o nosso povo não gostasse de circo?
Portugal é um país pequeno e com muitas limitações a todos os níveis, a começar logo pelos nossos governantes. Mas se, ao menos, tivéssemos consciência das nossas limitações, isso já seria um excelente ponto de partida para qualquer reforma ou iniciativa legislativa. Mas não.
Basta sentarem um português numa cadeira de ministro para se considerar automaticamente investido no comando da armada de Vasco da Gama. E ai de quem o tentar chamar à razão porque é logo rotulado de Velho do Restelo.
Quando nos finais dos anos oitenta, em Viseu, um secretário de Estado da Educação teve o descaramento de comparar a reforma educativa de Roberto Carneiro à epopeia marítima de Vasco da Gama (se não havia de ser), eu só lhe disse o seguinte: "olhe à sua volta e responda-me com honestidade: O senhor acha que o Vasco da Gama se fazia ao mar com estes marinheiros? Com esta gente, as nossas naus afundavam logo à saída da barra."
O senhor secretário de Estado rotulou-me, de imediato, de Velho do Restelo e a reforma educativa de Roberto Carneiro naufragou naturalmente à saída da barra, arrastando consigo sucessivas gerações de estudantes.
No caso da nossa Justiça, ainda foi pior: a nossa ministra [1] carregou tanto as naus que elas afundaram todas sem sequer sair do porto.
As grandes reformas sempre se fizeram por pequenos passos, seguindo o prudente e sábio princípio de que o bom é inimigo do óptimo.
É óbvio que, num país civilizado, reformas com esta extensão e dimensão não deveriam estar dependentes do capricho de um qualquer Governo mas deveriam exigir sempre um pacto de regime e muita prudência até para não termos de andar constantemente a renovar a frota à conta das experiências mal sucedidas de loucos que se tomam por Vasco da Gama.
Por muito complexados que sejam, os nossos governantes devem evitar sempre fazer copy paste de modelos estrangeiros porque as realidades e os povos são diferentes pelo que a mesma receita não produz necessariamente os mesmos resultados.
Veja-se o caso do mapa judiciário em que a ministra da Justiça resolveu fazer copy paste do modelo holandês assente em dezoito distritos judiciais. Ora, a realidade portuguesa não tem nada a ver com a realidade holandesa. A Holanda é um país do tamanho do Alentejo, densamente povoado e com uma grande coesão territorial, assente num modelo de desenvolvimento de cidades médias e com uma fabulosa rede de transportes públicos. Por sua vez, Portugal vai ter apenas três distritos judiciais no Alentejo (numa área idêntica, a Holanda, tem dezoito). Além disso, Portugal só é densamente povoado numa pequena faixa litoral e ao redor de Lisboa e Porto. No interior, é um país envelhecido, semi-desertificado e sem rede de transportes públicos, fruto de um modelo de desenvolvimento assente na Cidade Estado grega.
Ora, é óbvio que o modelo holandês é totalmente desadequado a um país como o nosso, que, por isso, exige um modelo diferenciado: um para as áreas metropolitanas de Lisboa - Porto, outro para a faixa litoral Lisboa - Porto e outro para o resto do país. Só uma pessoa que nunca saiu da área metropolitana de Lisboa é capaz de afirmar, sem se desatar a rir, que, com esta reforma, se pretende levar as especialidades ao interior do país???!!!....
A ministra da Justiça quis ser o Marquês de Pombal da justiça portuguesa mas, como agora se pôde constatar, só tem competência e capacidade para ser o Terramoto de 1755.
Outubro de 2014
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[1] Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça do PSD.
A Maria Helena Oliveira [1]
Eu sou a morte pontual
das crianças com fome
Eu sou a cura milagrosa
das cirroses dos alcoólicos
Eu sou o paraíso abortado
Habito nos escombros da Cidade em ruínas
Navego no mar do desespero
Percorro a pé as ruas do fracasso
Eu sou o comerciante mentiroso
O vigarista
Eu sou o peregrino preguiçoso
O parasita
Eu sou o amante da derrota
O masoquista
Descanso no patamar da loucura
Frequento os cafés da ilusão
Durmo com as prostitutas condenadas
Eu sou o criminoso nunca preso
Eu sou a gaiola do pássaro
Eu sou o pássaro
Passeio-me pelos becos dos discursos
Semeio as ervas daninhas
Nego a existência de Sião
Eu sou a noite sem estrelas
O vento cortante
O barco sem leme
Eu sou o náufrago
Prometo a Paz
Fomento a guerra
Iludo os parvos
Eu sou o mercenário sempre pronto
Eu sou a morte voluntária
Eu sou a bomba já lançada
Afogo-me nas águas poluídas
Alimento-me de carne virgem
Desfloro a utopia
Eu sou a corrente traiçoeira
A justiça cega
Eu sou a indiferença salvadora
Eu sou o crítico mordaz do criador
Eu sou
o HOMEM do século XX.
Coimbra, 11 de Janeiro de 1978
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[1] Publicado in Revista CADERNOS DE LITERATURA, nº1, 1978
Gosta de vestir bem, roupas de marca,
De comer com requinte e do bom vinho,
De clamar seu amor ao pobrezinho,
Enquanto o vinho verde gela na arca.
Cultura de funil que tudo abarca
Em cabeça feliz de passarinho,
Procura impressionar o seu vizinho
Com os chavões da moda na comarca.
Adora Saramago (após Nobel),
Só as ideias parvas lhe são caras
E vomita na América o seu fel.
Chão fértil a manias e a taras,
Os seus ídolos são gente cruel:
Estalines, Bin Ladens e Guevaras.
Ilha do Sal, 31 de Dezembro de 2005
Não há político, comentador ou jornalista que não proclame todos os dias a necessidade urgente de reformas estruturais, ao ponto de ser hoje impossível tomar uma bica sem ouvir recitar esta ladainha ao nosso vizinho de mesa ou ao empregado do café. Ora, um dos nossos grandes problemas foi precisamente o excesso de reformas que foram levadas a cabo nos últimos trinta anos, por um conjunto de indivíduos que ficaram deslumbrados quando se viram sentados numa secretária de ministro e com uma caneta na mão. Infelizmente, nenhum dos nossos governantes seguiu o conselho prudente e inteligente de Edmund Bunke e de John Maynard Keynes: «A nossa capacidade de previsão é tão pequena que raramente é inteligente colocar em risco um bem presente para uma vantagem futura duvidosa.»
Hoje temos mais versões do Código Laboral, do Código de Processo Civil e do Código Penal do que versões do Windows ou de qualquer smartphone. E já vamos para aí na quarta ou quinta reforma do mapa judiciário. Mas nem o fracasso das sucessivas reformas levou a nossa gente a refrear o seu ímpeto reformador. E ainda hoje se falarmos com qualquer pessoa sobre a solução para a crise, a resposta é impreterivelmente esta: “Têm de mudar-se as leis”.
E podem ter a certeza: se a FIFA entregasse aos portugueses a gestão do futebol, em vez das 17 leis do jogo, hoje teríamos vários códigos com milhares de artigos, os quais, por sua vez, haviam de remeter para regulamentos que ainda estariam por elaborar ou já estavam revogados ou semi-revogados. E o mais certo era, neste momento, todos os campeonatos estarem suspensos à espera que o Tribunal Constitucional decidisse se o facto de os jogadores entrarem em campo com o pé direito ou de se benzerem poria em causa o princípio da igualdade ou ofenderia o princípio de laicidade do jogo de futebol.
Para já não falar nas alterações contínuas das terminologias: os "pontapés de canto" passariam a chamar-se "pontapés de esquina" e, no mês seguinte, "corners de esquina", e, depois, sucessivamente, "esquinas de pontapés", "pontapés de corner", "pontapés de ângulo", "pontapés de esguelha"... até se esgotar a capacidade inventiva do nosso legislador, altura em que se regressaria ao "pontapé de canto".
Este é que é o nosso grande problema estrutural: pensarmos que os problemas se resolvem sentados numa cadeira a fazer leis e regulamentos e a mudar os nomes às coisas. A estabilidade legislativa é essencial para que um povo consiga interiorizar valores e para quem queira aqui viver e investir saiba com o que pode contar. Bem basta os riscos próprios inerentes a qualquer actividade privada.
A Constituição inglesa é a mais antiga do mundo e não é escrita. Em Portugal, pelo contrário, tem de estar tudo escrito, porque, se não estiver escrito, ninguém sabe se pode ou não pode passar um cheque “careca”, matar uma mosca ou assaltar um banco. E mesmo estando tudo escrito tim-tim por tim-tim, falha sempre qualquer coisa… Na eterna busca da perfeição legislativa, o legislador vai mudando as leis todos os dias, transformando o nosso país numa autêntica Torre de Babel, onde ninguém se entende. Acontece que, quando a lei é alterada sistematicamente, a maior parte das vezes para satisfazer as conveniências do legislador e dos seus amigos, perde o seu carácter sagrado e intemporal e, consequentemente, deixa de ser respeitada não só pelo cidadão comum como também por quem tem a obrigação de a fazer cumprir.
Portugal não é hoje um verdadeiro Estado de Direito, mas um Estado de Direito Livre, onde o cumprimento da lei depende demasiadas vezes dos humores e da vontade de quem tem a obrigação de a fazer cumprir. Se for amigo, não se aplica a lei; se for inimigo, é aplicada mesmo nos casos em que a lei expressamente não se aplica.
Outubro de 2013