Coração, Cabeça e Estômago
Deixemos de lado os extremismos, que não são para aqui chamados, e centremos a nossa atenção nos defensores das sociedades abertas. É certo que a distinção entre direita e esquerda faz pouco sentido num mundo onde as pessoas nascem, crescem e são educadas como se fossem as destinatárias últimas de todas as conquistas da Humanidade. Num mundo assim, guiado inteiramente pelo Estômago, para usar a terminologia de Camilo Castelo Branco, as ideologias deixam, naturalmente, de fazer sentido, sendo usadas apenas como um pechisbeque que se coloca na lapela ou na orelha para enfeitar ou por modernice.
Mas deixemos a digestão e regressemos à reflexão. Há três características típicas que distinguem o homem de direita do homem de esquerda.
A primeira tem a ver com a relação que cada um estabelece com os valores da Liberdade e da Igualdade. Se fossem obrigados a escolher apenas um deles, o homem de direita escolhia a Liberdade e o homem de esquerda escolhia a Igualdade.
A segunda tem a ver com a forma como olham para o ser humano. A esquerda acredita que todos os homens nascem bons e que é a sociedade que os torna maus; a direita, pelo contrário, não acredita na teoria do “bom selvagem”, tem a consciência de que o homem é capaz do bem e do mal e, consequentemente, considera que cabe ao Estado impor regras e fazê-las cumprir para evitar que o homem pratique o mal.
A terceira tem a ver com a forma como encaram o futuro. A esquerda é, por natureza, idealista e utópica e, como tal, acredita que o mundo caminha sempre para melhor; a direita, por sua vez, é realista e prudente pelo que não acredita que a mudança, só por si, conduza inevitavelmente a um mundo melhor.
Estas são, efectivamente, as três grandes diferenças que distinguem um homem de direita de um homem de esquerda. Mas, a partir delas e decorrentes delas, podíamos enumerar mais uma série de diferenças.
A direita é reformista; por sua vez, a esquerda é fracturante e pretensamente revolucionária. A direita não gosta do Estado; a esquerda vive do Estado. A direita prefere sacrificar a excepção do que perder a regra; a esquerda prefere sacrificar a regra do que perder a excepção. A direita valoriza o mérito, tem uma consciência ética e preocupa-se com a pessoa; por sua vez, a esquerda premeia a mediocridade, tem uma consciência ideológica e preocupa-se com a Humanidade. A direita avalia os regimes políticos de forma objectiva; a esquerda avalia-os de forma subjectiva. A direita preocupa-se com a segurança de pessoas e bens, defende as forças da ordem e coloca-se ao lado das vítimas; a esquerda preocupa-se com as garantias de defesa do arguido, considera sempre excessiva a intervenção da polícia e acha que o Bem e o Mal são conceitos relativos.
Para a direita, o primeiro responsável por um determinado acto é quem o pratica; para a esquerda, o responsável é sempre e invariavelmente a sociedade ou o sistema. Para a direita, quem produz mais e melhor deve ganhar mais; para a esquerda, dois operários com a mesma categoria profissional devem ganhar o mesmo, independentemente da qualidade do trabalho prestado. Para a direita, todos os homens são iguais; para a esquerda, os homens de esquerda são dotados de uma superioridade moral que os coloca necessariamente num patamar ético acima dos homens de direita. Para a direita, os Estados Unidos são o principal aliado; para a esquerda, são o inimigo a abater.
Finalmente, o homem de direita raramente se define como de direita, até porque não considera a distinção relevante, enquanto o homem de esquerda proclama-se orgulhosamente de esquerda.
Num mundo dominado inteiramente pelo Estômago (ou seja, sem ideologia), a direita bem pode ser simbolizada pela Cabeça e a esquerda pelo Coração.
Agosto de 2008