Em defesa do consumidor
Defender a descriminalização do consumo de droga com base no argumento piedoso de que o consumidor é vítima ou de que, na prática, o consumo de droga já estava descriminalizado, pelo simples facto de já ninguém ser preso por esse motivo, é bem revelador da cegueira e da hipocrisia dos tempos em que vivemos.
Em primeiro lugar, se o consumo de droga, na prática, já estava descriminalizado, reconhecendo toda a gente, no entanto, que o mesmo continua em expansão, seria lógico concluir que não é na descriminalização que está a solução.
Em segundo lugar, não é verdade que os consumidores não sejam, nem continuem a ser presos. Pelo contrário. O que sucede (e o que sempre sucedeu) é que, com a descriminalização do consumo, os consumidores continuam a ser presos da mesma forma, não já na fase da iniciação, mas quando já se encontram numa fase adiantada de dependência da droga. E com uma agravante: é que o consumidor, quando chega à fase de ser preso (por roubo ou por tráfico), para além de estar totalmente dependente da droga, já deixou atrás de si um rasto de destruição de consequências irreparáveis.
Na verdade, ao contrário do que apregoa a moral oficial, os principais responsáveis pela divulgação e expansão do consumo de droga são os consumidores e não os traficantes.
Com efeito, os consumidores, quando chegam a determinado patamar de dependência da droga, não têm alternativa: ou são ladrões ou traficantes. Uns roubam para comprar droga, outras vendem-na para poderem consumir. E se algum dos nossos filhos, algum dia, se iniciar no consumo de droga, podem ter a certeza de uma coisa: não vai ser um traficante que o vai obrigar a consumir, mas um amigo consumidor que o vai pressionar a experimentar.
Também, neste campo, os nossos governantes têm revelado a mesma falta de firmeza que caracteriza os pais modernos na sua relação com os filhos. E inevitavelmente não poderão deixar de ter os mesmos resultados.
No entanto, para o Governo (e para os modernaços), a bondade de uma medida é sempre avaliada pela bondade do princípio que a impele e nunca pelo péssimo resultado que causa. E são já cada vez mais os que defendem as salas de chuto e o fornecimento gratuito pelo Estado da droga aos toxicodependentes, como meio para acabar com os assaltos e combater a criminalidade.
Trata-se, sem sombra de dúvida, de uma medida bastante inteligente. E já estou mesmo a imaginar, num futuro mais próximo do que supúnhamos, a Cimeira de Lisboa dos países produtores de droga, à semelhança das que fazem os países produtores de petróleo, para decidir se a produção há-de ou não aumentar por forma a provocar uma subida ou descida do preço do produto. Resolvido o problema dos consumidores, seria a vez de os governos e das economias dos países ocidentais ficarem toxicodependentes das decisões tomadas nestas reuniões.
É claro que este problema podia ser facilmente resolvido. Bastava tão-só que a União Europeia começasse também a produzir droga. Os governos podiam mesmo promover e incentivar a sua produção, quer para consumo interno, quer para exportação, criando, designadamente, linhas de crédito bonificado para jovens agricultores que quisessem iniciar-se na produção de droga ou para agricultores que quisessem reconverter as suas explorações agrícolas. A União Europeia podia mesmo subsidiar cada quilo de heroína ou cocaína produzida.
Além disso, e é bom não esquecer, a droga tem uma grande vantagem sobre todas as outras culturas: não necessita de quotas. Com efeito, é a única cultura conhecida em que o número de consumidores cresce na proporção dos hectares cultivados. E quando chegarmos a este dia, todos vamos poder dizer com orgulho: «fumar um charro é dar de comer a dez milhões de portugueses».
Maio de 1998