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COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

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"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

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A campanha de Rui Santos, em defesa verdade desportiva, colocando a tónica no recurso às novas tecnologias, é tipicamente portuguesa, porque focaliza a questão na cor das telhas quando a casa não tem sequer alicerces. Aliás, basta ver os programas diários de análise dos lances mais polémicos de cada jogo com recurso às novas tecnologias (os lances são repetidos à exaustão e de todos os ângulos) para se concluir que, mesmo com o vídeo-árbitro, a decisão dependerá sempre da cor clubística do decisor.

Era precisamente por aqui que devia começar a reflexão sobre a verdade desportiva no futebol português, porque, com tecnologia ou sem tecnologia, é impossível haver verdade desportiva se o decisor não for imparcial. Ora, aquilo que me parece evidente, tendo em conta o último estudo da UEFA que atribui ao Benfica 47% dos adeptos portugueses e ao Sporting e Porto os restantes (apenas um pequena percentagem residual não é de nenhum destes três), é que o campeonato português não reúne condições mínimas para garantir a existência de decisores imparciais.

Façamos, no entanto, a perícia à nossa I Liga, para aferir da qualidade dos alicerces:

1. Qual o adepto mais fiel e mais faccioso: o adepto de um clube ou da selecção?

2. Se um árbitro português não pode arbitrar um jogo da selecção portuguesa, por que razão um adepto do Benfica pode arbitrar ou ser observador de um jogo do Benfica? 

3. Se, em Portugal, praticamente toda a gente é do Benfica, Sporting e Porto, como é possível encontrar um decisor para os jogos que envolvam estes três clubes que não seja parte interessada na decisão?

4. Como pode haver verdade desportiva se Benfica, Sporting e Porto jogam a grande maioria dos jogos com clubes que não têm adeptos, cujas bancadas de sócios estão pejadas de adeptos das equipas adversárias, cujos presidentes confessam publicamente serem adeptos da equipa adversária e estão, inclusive, na disposição de transferir o jogo para um estádio maior para favorecer ainda mais a equipa adversária e em que os próprios jogadores profissionais confessam abertamente e sem qualquer pudor, no facebook e nas entrevistas antes dos jogos, a sua paixão pela equipa adversária?

5. Como pode haver verdade desportiva quando a maioria dos clubes portugueses vive na indigência ou num tal estado de necessidade que precisam de vender a sua dignidade e jogadores nos últimos jogos do campeonato para sobreviverem mais alguns meses?

6. Como pode haver verdade desportiva se apenas têm relevância para a comunicação social os jogos e os casos onde são intervenientes Benfica, Sporting e Porto e, mesmo nestes jogos, apenas os funcionários destes clubes têm direito a propagandear a versão do seu clube, o que fazem, aliás, denotando um fanatismo e uma parcialidade que são só por si esclarecedores?

7. Como pode haver verdade desportiva quando se permite a um clube comprar os direitos televisivos de outro clube que disputa a mesma prova, quando essa compra pode camuflar a compra do próprio resultado desportivo? Em que outro país do mundo civilizado é que isto sucede?

8. Como haver verdade desportiva quando se permite que um clube transmita em exclusivo os seus próprios jogos? Se o Sporting também tivesse a transmissão exclusiva dos seus próprios jogos seria possível ver as imagens da agressão de Slimani? Em que outro país do mundo civilizado é que isto sucede?

9. Se o FC Porto, em vez de ter disponibilizado umas prostitutas a um árbitro e a pedido deste, oferecesse, em todos os jogos, a todos os árbitros, fiscais de linha e observadores, uma camisola do Madjer e 4 vouchers para uma noitada no "Calor da Noite", já seria tudo perfeitamente legal, uma vez que cabe dentro dos valores estipulados pela UEFA?

10. Como pode haver verdade desportiva, em Portugal, quando a esmagadora maioria dos portugueses se apaixonou pelo seu clube do coração pelos mesmos motivos que as jovens modelos se apaixonam por velhos babosos, ricos e poderosos?

Toda a gente sabe como se ganham os títulos e se fazem as fortunas em Portugal. Como canta Leonard Cohen: "Everybody Knows". Até o Boavista conseguiu ganhar o campeonato quando teve o seu presidente no lugar certo. Em todo o caso, a verdade desportiva é absolutamente irrelevante para quem tem a vocação de prostituta. E no futebol português, infelizmente, há demasiada gente que se comporta como tal: dirigentes, jogadores, treinadores, árbitros, jornalistas, comentadores e, sobretudo, os adeptos.

Santana-Maia Leonardo - Diário As Beiras de 6-6-2016