Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

TERRA-DE-NINGUEM_-_Capa_large.jpg

Salgueiro Maia é não só a grande referência ética e moral do 25 de Abril como representa, para todos os portugueses, sem excepção, a pureza dos ideais de Abril. Um Portugal livre, sem colonizadores nem colonizados, sem portugueses de primeira e de segunda, onde a solidariedade não é uma palavra vã e a coesão territorial é um desígnio nacional.

É certo que a ditadura caiu e o império se desfez, mas ainda falta cumprir-se o 25 de Abril. Com efeito, Lisboa deixou de ser a Capital do Império da República Portuguesa para se transformar na voraz Cidade-Estado da República de Lisboa que, tal como Cronos, devora hoje os filhos do seu próprio povo e deste pobre País.

Foi, por isso, com profunda indignação e extrema revolta que ouvi o apelo do vate da República para que o Parlamento aprovasse a trasladação dos restos mortais do alentejano Salgueiro Maia para o Panteão de Lisboa. E Manuel Alegre, senador da República de Lisboa, não precisava sequer de pensar muito para perceber a afronta que significa para um alentejano a simples sugestão de ser enterrado em Lisboa. Em todo o caso, vou recordar-lhe.

Durante os últimos quarenta anos, o poder político sediado na capital, traindo os ideais de Abril, transformou Lisboa num enorme eucalipto que vai desertificando, ano após ano, de forma persistente, constante e desumana, todo o território nacional. Neste momento, de Portugal só já sobeja uma estreita faixa litoral delimitada a sul pelo Tejo, a norte pelo Douro e a leste pela A1. Para lá desta faixa litoral fica o deserto, como o ministro Mário Lino, com aquele seu tom de desprezo, tão bem soube catalogar.

E os alentejanos são hoje os homens do deserto. E é no deserto de Castelo de Vide, no chão sagrado do Alentejo, que está sepultado o alentejano Salgueiro Maia. A coragem, a serenidade e o desprendimento são características típicas do alentejano. E Salgueiro Maia era alentejano por nascimento e temperamento.

Acresce que propor a trasladação dos restos mortais do alentejano Salgueiro Maia para o Panteão de Lisboa no preciso momento em que o Governo anuncia o encerramento do Tribunal Judicial de Castelo de Vide só pode ser entendido como um insulto à sua memória, a todos os alentejanos e ao Alentejo. Aliás, neste momento, não há um único alentejano que conseguisse descansar em paz enterrado no chão da Cidade-Estado. Leva-nos os vivos e, com eles, as escolas, os hospitais e os tribunais e, não contente com isto, quer agora também levar-nos os mortos? Antes ser enterrado no Inferno.

Eu compreendo que os políticos da República de Lisboa gostassem de ter o Capitão de Abril ali à mão de semear para, de vez em quando e por rotina, lá irem colocar uma coroa de flores e dizer umas palavras de circunstância. Mas têm de ter paciência como os alentejanos. Se querem depositar coroas de flores no túmulo de Salgueiro Maia, têm de vir a Castelo de Vide, o que também lhes dará a oportunidade de apreciar o deserto em que transformaram o interior deste País.

Como alentejano, peço, do mais fundo da minha alma, aos familiares de Salgueiro Maia, símbolo vivo do Alentejo e do carácter dos alentejanos, que, no dia em que for aprovada a sua trasladação para o Panteão de Lisboa, saibam responder aos senhores da Cidade-Estado como responderia Salgueiro Maia. E até podem, se quiserem, responder à proposta do vate da República de Lisboa com o conhecido refrão de um poema de um jovem poeta coimbrão: "Há sempre alguém que resiste! Há sempre alguém que diz não!"

Fevereiro de 2014