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COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

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Amartya Sen, vencedor do prémio Nobel da Economia, no seu livro "A Ideia de Justiça", através da parábola das "Três crianças e uma flauta", ajuda-nos a perceber como é possível coexistirem diferentes soluções justas para o mesmo problema que, inclusivamente, rivalizam entre si, sem que se possa colocar em causa a imparcialidade de quem as defende.

Imagine o leitor que existem três crianças, o José, o Manuel e o António que querem a mesma flauta e que caberá ao leitor a decisão.

Segundo o José, deveria ser ele a ficar com a flauta porque é o único que sabe tocar flauta. Sem ouvir os outros dois, parece, logo à partida, ser esta solução mais justa.

Por sua vez, o Manuel considera que a flauta deveria ficar para ele porque é o único dos três que é pobre e não tem qualquer brinquedo, sendo este o único brinquedo de que disporia para poder brincar, ao contrário dos outros. Colocada a questão desta forma, também parece ser esta uma solução igualmente justa.

Finalmente, defende o António que deveria ser ele a ficar com a flauta porque foi ele que a construiu, tendo levado vários meses a trabalhar, com as suas próprias mãos, para conseguir construir a flauta. Ou seja, analisando as três razões, chegamos forçosamente à conclusão que todas elas são defensáveis e igualmente justas, sendo muito difícil a decisão para uma pessoa imparcial e que queira ser justa.

 É precisamente aqui, no momento da decisão, que entra a perspectiva ideológica. O Manuel teria certamente o apoio daqueles que defendem a redução do fosso entre ricos e pobres (os igualitaristas económicos). Por sua vez, o António obteria o apoio dos libertários (sejam os liberais, sejam os socialistas que defendem o princípio "a cada um segundo o seu trabalho"). Finalmente, o José receberia certamente o apoio dos utilitaristas que valorizariam o facto de ser o único que sabia tocar flauta.

Razão tem Karl Popper quando afirma que "ninguém sabe o suficiente para ser intolerante". Mesmo quando nos parece que a nossa solução é a mais justa, temos de ter sempre a prudência para reconhecer que podem existir outras soluções igualmente justas e que divirjam da nossa, sem que os seus interlocutores estejam necessariamente de má fé ou sejam desonestos.

O direito à liberdade de expressão e de opinião é, por isso, a trave-mestra das sociedades abertas. Como escreveu Beatrice Hali, na biografia de Voltaire, «não concordo com o que dizes mas defenderei até à morte a liberdade de o dizeres.» Mas se queremos lutar por uma sociedade cada vez mais justa, não basta defender o direito à liberdade de expressão é necessário combater militantemente o unanimismo que caracteriza as sociedades fechadas, seguindo o conselho de Edmund Burke: «Quando a estabilidade do navio é colocada em perigo por um excesso de peso num dos seus lados, estou disposto a levar o pequeno peso que representam as minhas razões para o lado oposto a fim de tentar estabelecer o equilíbrio». E uma das características típicas das nossas instituições sempre foi o excesso de peso num dos seus lados. Não é, pois, de estranhar que estejam sempre a meter água e a ir ao fundo.

Santana-Maia Leonardo - Diário As Beiras de 31-10-2016

27 Dez, 2016

A Festa da Família

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O Natal é a Festa da Família. Ou seja, a festa da instituição que a revolução cultural em curso pretende destruir, levada a cabo pelos mesmos sectores que antes apoiaram o colectivismo igualitário contra as sociedades liberais. O próprio estado social, ao transferir para o "Pai-Estado" as responsabilidades que antes eram asseguradas pelas famílias e pela comunidade onde estavam inseridas, acabou por contribuir para a destruição dos laços de solidariedade familiar e, consequentemente, para a implantação de um individualismo acabado e extremo que odeia a família tradicional e que, todos os dias, sonha com a sua destruição.

Acontece que o desmoronamento do estado social a que estamos e vamos continuar a assistir vai, inevitavelmente, fazer ressurgir das cinzas, ainda com mais força e mais revigorada, a instituição familiar que os heterofóbicos e os socialistas (lato sensu) procuraram e procuram, a todo o custo, dinamitar e destruir.

Na hora da aflição, é na família que o homem encontra a salvação.

Dezembro de 2010

25 Dez, 2016

História Antiga

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Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.

Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

Miguel Torga - Antologia Poética - Coimbra, Ed. do Autor, 1981

24 Dez, 2016

É Natal!

Santana-Maia Leonardo - Diário As Beiras de 7-12-2015 

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Reconheço-me na herança judaico-cristã, mas não sou cristão, nem crente. Aliás, com o passar dos anos, cada vez são menos as coisas em que acredito e em Deus já deixei de acreditar há muito tempo. Isso não significa, obviamente, que não acredite no Bem e no Mal (por enquanto) ou que partilhe a opinião tão em voga de que tudo é relativo.

Acontece que o exemplo dos cristãos que fui conhecendo ao longo da vida, salvo muito raras excepções, em vez de me fazerem aproximar da Igreja, apenas contribuíram para que fugisse dela a sete pés.

E o Natal não é, infelizmente, uma quadra que abone muito em relação ao verdadeiro espírito do cristão. Basta entrar num centro comercial e ver toda aquela azáfama de cristãos a gastar o que lhes faz falta (a eles e a muita gente) num sem número de brinquedos, jogos e prendas absolutamente inúteis e que não vão contribuir, em boa verdade, para a felicidade de ninguém, para se ficar logo vacinado contra o espírito natalício e a cristandade.

Até hoje ainda nunca comprei uma prenda de Natal aos meus filhos. E também não vai ser ainda este ano. Espírito de contradição? Provavelmente, mas sobretudo porque gostava deles e tinha a perfeita consciência de que comprar um brinquedo a quem já tinha brinquedos em excesso era extremamente prejudicial para a sua formação.

E não só não lhes comprei brinquedos pelo Natal como os incentivava a desfazerem-se da maior parte dos que tinham e recebiam, mais que não fosse para poderem valorizar os brinquedos com que ficavam. Além disso, a selecção de brinquedos tinha ainda a enorme vantagem de fazer felizes outras crianças que não tinham brinquedos. Era o chamado efeito dois em um: fazia bem aos meus filhos, que se livravam de brinquedos inúteis e que literalmente os asfixiavam, e fazia felizes aqueles que os recebiam e que, por terem poucos ou nenhuns, lhes davam uma atenção que na minha casa seria impossível de encontrar.

É verdade que, de vez em quando, ainda se vê e ouve por aí uma alma caridosa em campanha de recolhas de brinquedos usados para distribuir pelos infelizes. Mas, em regra, estas campanhas são aproveitadas pelos cristãos apenas com a finalidade de libertar espaço em sua casa para que esta possa receber a nova colecção de inutilidades que já não incluem apenas brinquedos, mas uma série de jogos, equipamentos e adereços quase sempre tão caros quão perniciosos. Hoje em dia uma família cristã já não consegue viver sem atafulhar os quartos dos seus jovens rebentos com doses maciças destas inutilidades. O excesso de brinquedos atrofia a imaginação e amolece o carácter. Mas quem não tem tempo para os filhos têm de os compensar com alguma coisa. E pelo número de brinquedos e jogos de uma criança, facilmente se avalia o tempo que os pais lhe dedicam.

Para quem não saiba, é muito fácil distinguir um bom pai de um mau pai: o bom pai faz o que tem de ser feito porque gosta dos filhos, o mau pai faz o que for preciso para que os filhos gostem dele. Não é fácil ser um bom pai. Por isso, há tão poucos.

Amartya Sen (*)in "A Ideia de Justiça"

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A democracia significa um governo pela discussão. (...)

Na filosofia contemporânea, o entendimento da democracia tem-se vindo a alargar consideravelmente, a tal ponto que a democracia já não é apenas vista em termos de uma reivindicação de votação pública, mas, de modo muito mais amplo, em termos daquilo a que John Rawls chama «o exercício da razão pública». (...)

As votações têm, com certeza, um importante papel, mesmo para a expressão e eficácia do processo de argumentação pública, mas não são a única coisa que conta, e nelas não temos de ver senão uma parte - reconhecidamente de grande importância - do modo como a argumentação pública há-de operar numa sociedade democrática. Na verdade, a eficácia das votações, ela própria, depende de modo crucial de tudo o que elas implicam, ou seja, de coisas como a liberdade de expressão, o acesso à informação e a liberdade de dissentir. Em si mesmo, o voto pode até ser inteiramente inadequado, o que é abundantemente ilustrado pelas esmagadores vitórias eleitorais das tiranias que se instalaram em regimes autoritários, seja em tempos idos, seja no presente. (...)

No mundo, houve já muitos ditadores que alcançaram vitórias eleitorais gigantescas, mesmo sem usarem de qualquer coerção visível durante o processo de votação, sobretudo porque suprimiam a discussão pública e a liberdade de informação, além de se aplicarem na criação de um geral clima de apreensão e ansiedade.

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(*) Vencedor do Prémio Nobel da Economia

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