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Ainda dizem mal do Algarve e da Quarteira.
Sol e um mar calmo.
Uma praia só para mim.
Depois de mais um banho de mar, um merecido banho de sol.
I LOVE THIS GAME!
Santana-Maia Leonardo
Cresci com o Álvaro. Foi um dos meus amigos de escola e daqueles que todos admirávamos porque era o melhor no futebol e em qualquer desporto. E isso era o principal na adolescência.
Com a ida para a universidade, os nossos caminhos separaram-se. O Álvaro transformou-se num guarda-redes invulgar e numa referência desportiva de Ponte de Sor.
Com o declínio da sua actividade desportiva, a vida resolveu virar-lhe as costas. De vez em quando, íamos falando... Apesar de termos muitos amigos comuns e vivermos numa aldeia, nunca soube do seu internamento.
Entretanto fui passar um fim de semana a Manchester. Umas semanas mais tarde estava num velório e vi a mãe do Álvaro e perguntei-lhe pelo filho que já não via há algum tempo.
A vida tem destas coisas que temos dificudade em compreender. Tantos amigos comuns, uma casa mortuária na vizinhança da minha casa e no meu trajecto diário para o escritório, um terra minúscula onde tudo se sabe, o Facebook onde hoje não há nada que não se divulgue... e o Álvaro deixou de aparecer na minha vida sem que eu me tenha apercebido da sua partida.
Como dizia Agostinho da Silva, "as pessoas não morrem. Deixam é de aparecer." E este é o caso do Álvaro na minha vida. O Álvaro apenas deixou de aparecer porque vai continuar bem vivo enquanto eu viver. Até um dia...
Salgueiro Maia é não só a grande referência ética e moral do 25 de Abril como representa, para todos os portugueses, sem excepção, a pureza dos ideais de Abril. Um Portugal livre, sem colonizadores, nem colonizados, sem portugueses de primeira e de segunda, onde a solidariedade não é uma palavra vã e a coesão territorial é um desígnio nacional.
É certo que a ditadura caiu e o império se desfez, mas ainda falta cumprir-se o 25 de Abril. Com efeito, Lisboa deixou de ser a Capital do Império da República Portuguesa para se transformar na voraz Cidade-Estado da República de Lisboa que, tal como Cronos, devora hoje os filhos do seu próprio povo e deste pobre País.
Foi, por isso, com profunda indignação e extrema revolta que ouvi o apelo do vate da República para que o Parlamento aprovasse a trasladação dos restos mortais do alentejano Salgueiro Maia para o Panteão de Lisboa. E Manuel Alegre, senador da República de Lisboa, não precisava sequer de pensar muito para perceber a afronta que significa para um alentejano a simples sugestão de ser enterrado em Lisboa. Em todo o caso, vou recordar-lhe.
Durante os últimos quarenta anos, o poder político sediado na capital, traindo os ideais de Abril, transformou Lisboa num enorme eucalipto que vai desertificando, ano após ano, de forma persistente, constante e desumana, todo o território nacional. Neste momento, de Portugal só já sobeja uma estreita faixa litoral delimitada a sul pelo Tejo, a norte pelo Douro e a leste pela A1. Para lá desta faixa litoral fica o deserto, como o ministro Mário Lino, com aquele seu tom de desprezo, tão bem soube catalogar.
E os alentejanos são hoje os homens do deserto. E é no deserto de Castelo de Vide, no chão sagrado do Alentejo, que está sepultado o alentejano Salgueiro Maia.
Como eu já escrevi, "o Alentejo molda o carácter de um homem. A solidão e a quietude da planície dão-lhe a espiritualidade, a tranquilidade e a paciência do monge; as amplitudes térmicas e a agressividade da charneca dão-lhe a resistência física, a rusticidade, a coragem e o temperamento do guerreiro. Não é alentejano quem quer. Ser alentejano não é um dote, é um dom. Não se nasce alentejano, é-se alentejano."
E Salgueiro Maia era alentejano por nascimento e temperamento. A coragem, a serenidade e o desprendimento são características típicas do alentejano.
Acresce que propor a trasladação dos restos mortais do alentejano Salgueiro Maia para o Panteão de Lisboa no preciso momento em que o Governo anuncia o encerramento do Tribunal Judicial de Castelo de Vide só pode ser entendido como um insulto à sua memória, a todos os alentejanos e ao Alentejo. Aliás, neste momento, não há um único alentejano que conseguisse descansar em paz enterrado no chão da Cidade-Estado. Leva-nos os vivos e, com eles, as escolas, os hospitais e os tribunais e, não contente com isto, quer agora também levar-nos os mortos? Antes ser enterrado no Inferno.
Eu compreendo que os políticos da República de Lisboa gostassem de ter o Capitão de Abril ali à mão de semear para, de vez em quando e por rotina, lá irem colocar uma coroa de flores e dizer umas palavras de circunstância. Mas têm de ter paciência como os alentejanos. Se querem depositar coroas de flores no túmulo de Salgueiro Maia, têm de vir a Castelo de Vide, sempre têm a oportunidade de apreciar na viagem o deserto em que transformaram o interior deste País.
Como alentejano, peço, do mais fundo da minha alma, aos familiares de Salgueiro Maia, símbolo vivo do Alentejo e do carácter dos alentejanos, que, no dia em que for aprovada a sua trasladação para o Panteão de Lisboa, saibam responder aos senhores da Cidade-Estado como responderia Salgueiro Maia. E até podem, se quiserem, responder à proposta do vate da República de Lisboa com o conhecido refrão de um poema de um jovem poeta coimbrão: "Há sempre alguém que resiste! Há sempre alguém que diz não!"
Santana-Maia Leonardo - Público de 9-2-2014 - Rede Regional de 10-2-2014