Aos meus amigos benfiquistas...
Santana-Maia Leonardo
Os meus amigos benfiquistas que me perdoem mas há coisas que eu não consigo compreender e tenho muitas dúvidas de que algum adepto de algum clube europeu consiga compreender. O problema provavelmente será meu, em virtude de ser descendente de ingleses e, como tal, ter o ADN dos ingleses na minha relação com o futebol e com o fair play.
Como já referi várias vezes, sou, desde sempre, um adepto incondicional do futebol inglês e da liga inglesa. E todos os anos não dispenso ir, pelo menos, uma vez a Inglaterra para ver, ao vivo, dois jogos da liga inglesa e viver o ambiente único e apaixonante do jogo na pátria do futebol.
O Manchester United é o maior clube inglês e um dos três maiores do mundo, juntamente com o Barça e o Real Madrid, com mais de 700 milhões de adeptos.
Todos sabemos que, ao contrário dos grandes clubes que têm outras fontes de financiamento, as receitas provenientes dos direitos televisivos são o principal sustento dos clubes com menos expressão.
Imaginemos, agora, que o Manchester United, o Arsenal e o Liverpool, os três maiores clubes ingleses, invocando esse facto e o serem os clubes com mais seguidores em todo o mundo, se apropriassem de 80% das receitas televisivas, deixando apenas 20% das receitas para todos os outros clubes (em Inglaterra, recordo, o Manchester United recebe 1,5 vezes mais do que o último classificado e, em Espanha, o Barça recebe 2,5 mais do que o último classificado, sendo esta a maior diferença existente nos países europeus).
Imaginemos agora que a Liga Inglesa não limitava o número de jogadores por equipa e que o Manchester United, aproveitando-se do seu poderio económico e das debilidades financeiras dos restantes 17 clubes, comprava os melhores jogadores desses clubes com vista a emprestá-los posteriormente e a impedir que jogassem contra si (Isto, recordo, é proibido em Inglaterra e nos países europeus que conheço).
Imaginemos agora que todas as televisões e jornais ingleses apenas comentavam os jogos do Manchester United, Arsenal e Liverpool, impedindo a presença de qualquer comentador que não pertencesse a um destes três clubes, mesmo quando se comentavam jogos em que participavam outros clubes (em Inglaterra, não há jornais desportivos e, tal como em Espanha, todos os jogos merecem igual destaque televisivo e são comentados pelo mesmo painel de comentadores).
Imaginemos que todos os jogos do Manchester United eram transmitidos pela televisão do Manchester United e que eram comentados por árbitros, jornalistas e comentadores contratados e pagos pelo Manchester United (isto não é permitido em nenhum país do mundo).
As perguntas que gostaria de fazer aos meus amigos benfiquistas eram as seguintes:
(a) acham que, verificando-se estas circunstâncias, havia algum sócio ou adepto do Manchester United disponível para ir assistir aos jogos do Manchester United contra pequenas equipas inglesas desfalcadas, desprotegidas e totalmente dependentes das esmolas do Manchester United?;
(b) acham que havia algum adepto do Manchester United que fosse capaz de festejar os golos contra estas equipas, sem corar de vergonha?; e
(c) acham que havia algum adepto do Manchester United que fosse capaz de se vangloriar das vitórias assim conseguidas, sem corar de vergonha, cantando o hino do clube: “Glory! Glory! Man United!”?
Todos sabemos a resposta. O que se passa em Portugal é uma vergonha. Mas como, por aqui, vergonha é precisamente aquilo que não existe...
O Sporting com Bruno de Carvalho também quis fazer o mesmo e o Porto também já fez o mesmo e agora só não faz mais porque não pode? Mas isso, porventura, justifica ou diminui a falta de vergonha de quem se comporta desta forma?
Portugal é um pequeno país mas, infelizmente, a ganância é precisamente uma das características mais típicas daqueles que detêm o poder neste país, seja ele qual for. Basta ler a “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto, o livro que melhor retrata o povo português. Quando estão na mó de baixo, não têm pejo em se rebaixar e humilhar. É “o pobre de mim!”, o coitadinho. Quando se apanham na mó de cima, não têm pena de ninguém: matam, roubam, saqueiam, sem que isso lhes pese sequer na consciência.
Por alguma razão, somos o país da Europa onde existe o maior fosso entre ricos e pobres (entre pessoas, regiões, clubes, etc.), fosso esse que, cada vez, se vai acentuando mais, à boa maneira sul-americana.