Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

15157446_ZJh9e.jpg
O célebre caso das "30 oliveiras", denunciado por mim e Belém Coelho quando éramos vereadores da câmara de Abrantes e que acabou por ter impacto a nível nacional, em todos os órgãos de comunicação social, é o retrato perfeito da política portuguesa.

Dir-me-ão que, nos outros países, também há quem utilize mal os dinheiros públicos. Nisso estamos todos de acordo. Mas a questão não é essa. O que nos distingue dos países civilizados é que o mau uso dos dinheiros públicos em Portugal, em vez de levar à demissão ou penalizar eleitoralmente quem o faz, pelo contrário, ainda lhe dá mais votos e é o caminho mais curto para ascender a cargos governativos.

É, por esta razão, que a UE tem de ter sempre "um olho no burro e outro no cigano" quando entrega dinheiro a esta gente. Se bem que os ciganos sejam gente bem mais confiável, quer na forma como gerem o dinheiro que se lhe dá, quer naquilo que dizem...

Deixo-vos aqui a minha intervenção, na reunião da Câmara de Abrantes de 22 de Julho de 2013 (a penúltima intervenção sobre este tema), com a ressalva de que eu, actualmente, não tenho nem filiação partidária, nem cor partidária. Aliás, pelo conhecimento que tive da forma como se faz política em Portugal fiquei, literalmente, sem cor. 

Pedido de esclarecimento dos vereadores eleitos pelo PSD na reunião da Càmara de Abrantes de 22 de Julho de 2013 (clicar sobre a foto para ler a intervenção na íntegra)

AS 30 OLIVEIRAS DO CENTRO ESCOLAR DE ALFERRAREDE

Se a compra das 30 oliveiras por 60.000,00€ já nos parecia um absurdo, a notícia na Rede Regional de 28-6-2013 (que transcrevemos em seguida) sobre a identidade do vendedor deixou-nos em estado de choque:

«A Câmara Municipal de Abrantes gastou mais de 60 mil euros na compra de 30 oliveiras para colocar no recinto do novo centro escolar da freguesia de Alferrarede. Feitas as contas, cada árvore que enfeita o recreio da escola básica Maria Lucília Moita, inaugurada com pompa e circunstância a 1 de junho de 2012, dia mundial da criança, vai custar mais de 2 mil euros ao erário público. Tudo somado, são mais de 12 mil contos em moeda antiga, em árvores adquiridas por ajuste direto a uma empresa da família do presidente da Câmara de Proença-a-Nova, João Paulo Catarino, eleito pelo PS, tal como o executivo abrantino.

A informação é pública e pode ser consultada no portal "BASE.gov". A 16 de Abril de 2013, a Câmara de Abrantes adquiriu por ajuste direto "30 oliveiras centenárias" por 50.950 euros, mais IVA, à empresa Aeroflora, Lda., com sede em Proença-a-Nova, distrito de Castelo Branco.»

A senhora presidente pode dar todas as explicações do mundo, mas não esperará certamente que os vereadores do PSD sejam tão ingénuos que acreditem em histórias da Carochinha. Até porque a senhora presidente sabe bem, por experiência própria, que, com os actuais vereadores do PSD, nunca pôde contar com a histórica conivência e a fingida ingenuidade do PSD de Abrantes, pelo que terá de guardar essas histórias para uma próxima oportunidade.

"Em política, o que parece é". Por isso, nesta parte, dispensamos-lhe qualquer explicação em virtude de a mesma ser, para nós, demasiado óbvia para suscitar qualquer pergunta.

Basta, aliás, comparar os 14 mil euros que custaram os dois parques infantis com os 60 mil euros que custaram as 30 oliveiras.

Acontece que, na reunião em que a senhora presidente confirmou a aquisição das valiosas oliveiras, disse uma coisa que, aliada ao teor desta notícia, fez tocar, dentro de nós, uma sineta de alarme.

Disse a senhora presidente que a aquisição das oliveiras «se incluem no financiamento ao projeto do centro Escolar de Alferrarede» (acta nº13/2013 - fls.7).

Ora, nós temos a certeza de que a aquisição das oliveiras não fazia parte do projecto inicial que foi aprovado em reunião de câmara, o que significa que, para estar incluído no projecto, teve de haver uma reprogramação financeira de todo o projecto quando o centro escolar já estava concluído.

É bom não esquecer que o Centro Escolar foi inaugurado em 1 de Junho de 2012, a “Construção do Arruamento Envolvente ao Centro Escolar de Alferrarede, entre a Avenida Dr. Mário Soares e a Rua Prof. Dr. Raimundo Mota - Abrantes", foi adjudicada em 18 de Janeiro de 2012 e as oliveiras foram adquiridas por ajuste directo em 16 de Abril de 2013, o que significa que, se houve uma reprogramação financeira do projecto foi para se ir buscar mais dinheiro, sem necessidade, para gastar inutilmente (do ponto de vista da câmara e do interesse público, obviamente), designadamente, numas oliveiras de uma empresa que pertence ao pai do presidente da câmara de Proença-a-Nova (?!...)

Sendo certo que, se isto foi verdade, custa-nos muito a acreditar que a Câmara Municipal de Abrantes tenha agido sozinha.

Não queremos estar aqui a fazer juízos de intenção, mas queremos ser esclarecidos para podermos dormir com a consciência tranquila de quem cumpriu a sua obrigação de velar pelo bem público.

Ver Secção II do DOSSIÊ IX: Zona Centro

1.jpg

A contratação de Jorge Jesus pelo mesmo presidente e pela mesma direcção que o acusou publicamente de ter traído e roubado software do Benfica para o entregar ao Sporting, dando, inclusive, entrada a uma acção judicial em que lhe exigia 14 milhões de euros de indemnização por esse motivo (clicar sobre a foto para ler a notícia), é a melhor demonstração de que o Benfica, com os seus seis milhões de adeptos, é o clube que melhor representa o povo português até nos seus dois principais defeitos: a falta de memória e a falta de vergonha.

Na verdade (verdade é um verbo difícil de conjugar com Filipe Vieira, mas adiante...), das duas uma: ou Jesus não tinha roubado o referido software e a acusação pública que lhe foi feita retrata um presidente e uma direcção mentirosa, sem vergonha e sem escrúpulos ou tinha efectivamente roubado o software para o entregar ao Sporting, o que impedia que voltasse a ser contratado pelo Benfica, sob pena de este presidente e esta direcção revelarem publicamente o seu carácter de gente sem memória, sem vergonha e sem escrúpulos.

Quanto a Jorge Jesus, compreendo perfeitamente que tenha aceitado regressar ao Benfica, com este presidente e esta direcção, ao impor esta condição aceite por todos: só aceito regressar se baixarem as calças e se puserem de cócoras com o rabinho bem lavadinho virado para mim, tipo António Costa com o primeiro-ministro holandês.

Eu francamente não era capaz, mas imagino o prazer que terá sentido um indivíduo que nasceu na Reboleira ao ver um presidente e uma direcção que o enxovalharam e humilharam publicamente colocarem-se de cócoras e com o rabinho lavado para ele satisfazer os seus maus instintos.

Ai, Jesus, que mau que tu és que nem usaste um bocadinho de gel lubrificante! Isso não se faz ao presidente do Glorioso!...

Santana-Maia Leonardo

21 Jul, 2020

A Bola de Ouro

1.jpg

O cancelamento da atribuição da Bola de Ouro é uma boa notícia e devia ser definitiva, na medida em que valoriza excessivamente o indivíduo sobre o colectivo o que concorre e põe em causa a própria essência do futebol como jogo colectivo.

Sendo o futebol um desporto colectivo, a Bola de Ouro devia ser sempre atribuída a um clube e não a um jogador, de forma a preservar o espírito colectivo e de grupo que é a essência do futebol.

Nas camadas jovens do Barça, é proibido a qualquer jogador receber prémios individuais de "melhor jogador" em qualquer competição ou torneio. Este é um bom princípio formativo e, talvez seja por essa razão, que Messi entregou ao Barça todas as Bolas de Ouro e Botas de Ouro que recebeu.

Santana-Maia Leonardo

21 Jul, 2020

A Religião Imoral

Antigamente, havia a disciplina de Religião e Moral que era facultativa.

Agora, pelos vistos, foi criada, pela Congregação da Fé do novo regime, a disciplina de Religião Imoral que é obrigatória e visa catequisar e converter à força quem não quer ser convertido.

1.jpg

Neste século, FC Barcelona e Real Madrid procederam a duas alterações estatutárias relevantes e que definem bem o ADN de cada clube: (a) nos estatutos do Barça, foi introduzida a limitação de mandatos (dois mandatos, no máximo), impedindo, desta forma, a perpetuação dos presidentes nos cargos e reforçando a democracia interna e a transparência; (b) no Real Madrid, por sua vez, Florentino Peres, como vista à sua perpetuação no poder, introduziu a condição de "20 anos de antiguidade como sócio" que, aliada à obrigatoriedade de dar o aval a 15 por cento do orçamento das despesas do clube, torna praticamente impossível o aparecimento de outros candidatos.

Ou seja, enquanto o FC Barcelona optou por reforçar a componente democrática, o Real Madrid optou por reforçar a componente caudilhista. A eterna luta entre a Democracia e a Ditadura.

Como toda a gente sabe e quase todos defendem (menos eu e pouco mais), o modelo caudilhista do Real Madrid é o modelo seguido pelos clubes portugueses, com uma ligeira diferença: para se ser presidente do Real Madrid e do Barça têm de se ter músculo económico para dar o aval a 15% do orçamento do clube, o que significa a obrigatoriedade de depositarem cerca de 150 milhões de euros na Liga no início do mandato.

Ora, em Portugal, os candidatos a presidente dos "grandes" clubes não só não têm músculo económico para "mandar cantar um cego", tanto assim que os "cegos" dos seus devotos cantam por devoção e ainda são obrigados a pagar o dízimo, como chegam aos clubes "pele e osso", "tesos que nem um carapau" e com "uma mão à frente e outra atrás", na esperança que o clube lhes mate a fome e avalize e pague as colossais dívidas pessoais e das suas empresas.

No entanto, é bom não esquecer que foi precisamente o FC Barcelona da limitação dos mandatos que destronou o Real Madrid ultra-caudilhista. Com efeito, o Barça, que chegou a estar 19 anos sem vencer o campeonato, é, hoje, o clube com mais títulos deste século e com tendência para aumentar, o que significa que a perpetuação dos presidentes no poder, como é defendido pela esmagadora maioria cá do burgo, está longe de ser uma garantia de sucesso. A não ser para a carteira dos famintos presidentes, como é óbvio...

E como diz o bom povo português, "não há fome que não dê em fartura". No entanto, seria bom que os presidentes dos "grandes" de Lisboa e Porto deixassem de se empanturrar e de falar que nem uns alarves e se preocupassem-se mais um bocadinho com a sua saúde e dos seus clubes. Ou, não tarda nada, ainda vai tudo preso...

Santana-Maia Leonardo

2.jpg

Quem são os quatro maiores devedores do BES? E por que razão são devedores? Provavelmente é por lhes ter sido emprestado dinheiro e não pagaram. E onde é que estes quatro devedores enfiaram parte do dinheiro? Na SAD de um clube para o salvar da falência. Sabem o nome desse clube? Vou-lhes dar uma pista: tem um saco da cor que o clube mais detesta.

E outro clube seu vizinho também se ia salvando da falência através de empréstimos ao BES que toda a gente sabia que nunca iria ter dinheiro para pagar.

Vale a pena continuar a lista? É que já vamos começar a repetir nomes porque, nestes dois clubes, já está representada a população de Portugal: 10 milhões.

Digam-me com franqueza: acham que algum destes 10 milhões está preocupado com isso? Só faltava querem ver dentro o benemérito que salvou os clubes dos dez milhões de adeptos da falência...

Ou será que somos um país de pobres e mal agradecidos?

Felizmente sempre tivemos Presidentes da República que tão bem representaram e representam o sentir dessa imensa legião de dez milhões de portugueses que estão verdadeiramente reconhecidos e agradecidos ao dono do BES. 

Santana-Maia Leonardo

1.jpg

Como dizia Bertrand Russell, «os homens nascem ignorantes, não estúpidos. Eles tornam-se estúpidos pela educação.» E hoje vivemos num mundo onde toda a gente se acha habilitada (foi educada assim) a opinar sobre assuntos dos quais não se preocupou sequer em recolher um mínimo de informação.

O caso das férias judiciais é um caso flagrante de como pessoas aparentemente inteligentes fazem afirmações que bastaria terem capacidade de raciocínio para somar 2 + 2 para concluírem precisamente o contrário do que afirmam com tanta convicção.

Como dizia Clarice Lespector, “o óbvio é a verdade mais difícil de enxergar.” Mas, neste caso, bastava uma pessoa, durante as férias judiciais, ler o Correio da Manhã, ver os telejornais ou entrar num tribunal, para saber que os tribunais estão abertos e em funcionamento durante as férias judiciais: com julgamentos, conferências de pais, assembleias de credores, interrogatórios para aplicação de medidas de coação, inquirição de testemunhas, declarações para memória futura, etc. etc. em procedimentos cautelares, promoções e protecções de menores, acidentes de trabalho, processos crimes com arguidos presos ou para aplicação de medidas de coação e demais processos urgentes.

Por outro lado, também não é preciso sequer ter andado na escola para saber que todos os trabalhadores têm direito a 22 dias úteis de férias por ano, sejam, juízes, funcionários, trabalhadores rurais, serventes de pedreiro ou cozinheiros.

E também não é preciso ter a instrução primária para saber que, se se tirarem os fins de semana, o mês de Agosto fica reduzido a 21 ou 22 dias úteis.

Ora, basta saber isto que toda a gente sabe, se estiver no seu perfeito juízo, independentemente da sua escolaridade, para concluir (2 + 2 = 4) que, só é possível manter os tribunais abertos e em funcionamento durante todo o ano, se as férias judiciais não ficarem reduzidas ao mês de Agosto. Caso contrário, os tribunais são obrigados a encerrar, por falta de juízes, procuradores e funcionários. Se forem todos de férias no mês de Agosto, não há outra alternativa. Não é preciso saber contar pelos dedos para chegar a esta conclusão, pois não?

O que são, então, as férias judiciais? As férias judiciais não são as férias dos juízes, mas o período temporal (15 de Julho a 31 de Agosto) em que os juízes, procuradores e funcionários são obrigados a tirar os dias de férias a que têm direito, em sistema de turno, para garantir que os tribunais se mantenham abertos e em funcionamento. Ou seja, os juízes e procuradores, durante o seu turno,  garantem o serviço nos tribunais em que o juiz titular e o procurador foram de férias, permitindo assim que todos os tribunais continuem abertos ao público e em funcionamento.

Para os juízes, como para os professores, seria óptimo poderem tirar férias quando lhes apetecesse, mas isso lançaria o caos nos tribunais, como qualquer pessoa facilmente percebe pelo que me dispenso de explicar, sob pena de estar a desqualificar o leitor com uma explicação tão óbvia.

Santana-Maia Leonardo

Num artigo de opinião que viria a ser absolutamente premonitório a seu respeito e que contribuiu para a demissão de Santana Lopes, Cavaco Silva, professor de Economia, explicava que a má moeda atraia a má moeda.

E a melhor prova de que essa teoria era verdadeira está na sua eleição como Presidente da República.

Com a queda de Santana Lopes, foi eleito como primeiro-ministro José Sócrates, uma péssima moeda, que atraiu fatalmente outra péssima moeda: Cavaco Silva.

Cavaco Silva mais uma vez não se enganou. A teoria da má moeda estava demonstrada.

15 Jul, 2020

As lombrigas

10173680_10202356500012238_2061412595_n.jpg

Quanto mais porca for a política, mais atraente se torna para as lombrigas. É precisamente essa a razão por que os partidos do sistema estão hoje infestados de lombrigas. Ou seja, desses parasitas de marca branca, pequeninos, moles, viscosos e escorregadios, que necessitam de um hospedeiro para viver e que mudam de hospedeiro com muita facilidade.

Já repararam que, quanto mais suspeitas de corrupção incidem sobre um autarca ou um governante, mais votos o seu partido tem?  E sabem porquê?  Porque as lombrigas têm direito a voto, reproduzem-se com extrema facilidade no meio da porcaria e ainda têm o condão de afastar das mesas de voto e dos partidos políticos aquelas pessoas que Sá de Miranda tão bem definiu: “Homem de um só parecer, d'um só rosto, uma só fé, d'antes quebrar, que torcer”. 

Mas os partidos do sistema que não pensem que podem sobreviver muito tempo infestados de lombrigas… Não façam a desparasitação rapidamente e vão ver o que lhes sucede. 

Santana-Maia Leonardo - Diários As Beiras de 14-7-2020

14 Jul, 2020

O Claine

Claine.jpg

A minha filha sempre quis ter um Husky Siberiano, mas eu fui educado pela minha avó que não queria cães em casa. Por isso, não valia a pena insistir.

Acontece que o meu filho, em 1998, já com dezassete anos de idade, foi mordido por um cão vadio e, segundo o médi­co, o cão teria de estar de quarentena durante quarenta e oito horas para se saber se tinha raiva. Trouxemos o cão para casa, prendemo-lo a uma árvore e esperámos as 48 horas. Ao fim das 48 horas, soltámos o cão, mas ele disse-me logo que já não se ia embora. E, como se não bastasse o descaramento do cão, os meus filhos colocaram-se ao lado dele e não deixaram o cão arredar pé dali. O que é que eu havia de fazer?

Na noite de 17 de Julho de 1998, o dia em que a minha filha fazia dezoito anos, um amigo meu criador de Husky Sibe­rianos, sabendo que ela gostava daquela raça de cães, veio ba­ter-me à porta com um cachorro preto Husky Siberiano, nascido no dia 26 de Março desse ano e com pedigree, para oferecer à minha filha.

Como já lá estava o Rex, acabei por aceitar o presente que deixou a minha filha em delírio…

E o Claine era um cão adorável. De aspecto parecia um lobo, mas tinha bom coração. É um daqueles cães que, se nos assaltarem a casa, ainda ajuda os ladrões a carregar os móveis. No entanto, quem não conhecesse o seu bom coração, a sua figura de lobo metia respeito. E os cães são como as pessoas: o aspecto conta muito. Quem via o Claine tirava-lhe sempre o chapéu… O respeitinho é muito bonito!

Até que um dia o Rex fartou-se da companhia do chato do Claine, arrumou a trouxa e fez-se à estrada sem sequer se despedir do anfitrião e pagar o alojamento. Mas quem é que calava agora o Claine que, sempre que estava sozinho, passava a vida a uivar?

Numa noite de Fevereiro de 1999, ao ir deitar o lixo à rua, saltou-me ao caminho o Calvin, um sem-abrigo de raça poden­go. Conversa puxa conversa, propus-lhe vir trabalhar para mim e, a troco de cama, mesa e roupa lavada, vir fazer de ama do Claine. Negócio fechado. Começou logo a trabalhar nessa noite.

Só que, passado um ano, de grandes amigos passaram a inimigos de morte, a tal ponto que tive de dividir o quintal ao meio para que não se cruzassem um com outro, caso contrário havia tiroteio pela certa. O meu quintal já parecia o Bairro Quinta da Fonte. Houve mesmo uma dia em que a minha mu­lher, em vez de chamar a polícia de choque, quis-se pôr no meio da briga para os separar e ia ficando sem um braço. Razão tinha a minha avó para não querer cães em casa. Mas agora já o mal estava feito…

Dividido o quintal ao meio, quem é que calava agora o Claine por voltar a estar sozinho? Para não correr riscos com no­vas amizades de rua, resolvi pedir outro Husky Siberiano ao tal meu amigo que tinha oferecido o cão à minha filha para fazer companhia ao Claine. E foi assim que chegou o Simba, um Husky Siberiano branco que foi o companheiro inseparável do Claine durante toda a sua vida.

O Claine e o Simba, um preto e um branco, eram a pro­va viva de que as pessoas inteligentes não são racistas. Qual­quer deles era muito brincalhão e com um carácter tipicamente alentejano. Eram muito obedientes. Uma pessoa dizia-lhes: ou vens ou ficas? E eles ou vinham ou ficavam.

Mas, sobretudo, o Claine tinha um feitio muito parecido com o meu. Quando eu chegava, fazia uma grande festa, mas depois ia à sua vida. Era uma pessoa com espírito independen­te, livre e de poucas falas. Nunca usou coleira. E, apesar de ter sofrido uma doença grave que prenunciava uma vida curta, a verdade é que foi até hoje o cão que viveu mais anos comigo, tendo morrido com catorze anos, de velhice e de morte natural.

A partir dos dez anos, era notório que a vida lhe começava a pesar. Mas foi-se aguentando, sem nunca dar parte de fraco.

No dia 14 de Julho de 2012, antes de sair para o escritó­rio, apenas o Simba veio ter comigo, tendo o Claine continuado deitado sem se mexer. Fui até ao pé dele e constatei que estava a dormir profundamente. Não valia a pena acordá-lo. Fiz-lhe uma festa e deixei-o ficar a dormir eternamente.

Santana-Maia Leonardo - "Crónicas dos Bons Amigos" e O Mirante de 19/8/2022