Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
O problema do futebol português reside numa contradição insolúvel.
Por um lado, os nossos "gloriosos-grandes-de-trazer-por casa" não querem ser verdadeiramente grandes, caso contrário proporiam à Liga espanhola a criação de uma Liga Ibérica que era do interesse de todos, quer dos grandes clubes portugueses, quer dos clubes espanhóis. Só assim teriam acesso aos investidores e ao mercado global que lhes permitia dispor de financiamento para concorrer com os grandes clubes europeus. É impossível ser um grande clube europeu sem participar numa das grandes ligas europeias de países com mais de 45 milhões de pessoas e que seja vista e vendida para todo o mundo.
Por outro lado, preferindo o aconchego da Liga Portuguesa onde fazem o que querem sem correr riscos. também não estão interessados em criar uma liga competitiva como a holandesa, por exemplo. E porquê? Porque Benfica, Sporting e Porto vivem, hoje, exclusivamente da venda de jogadores.
Veja-se o caso do Sevilha, o Atlético de Madrid, o Real Sociedade, o Valência, o West Ham, o Leicester, etc, clubes que, não sendo grandes clubes europeus, não vivem para vender jogadores. É certo que podem ter de os vender se algum dos grandes clubes europeus os quiser comprar, mas não vivem para os vender. E tanto assim que, quando os vendem, vão buscar outros de valor idêntico.
Essa é a diferença entre os clubes europeus e as lojas portugueses. O Sporting, o Benfica e o Porto vivem, hoje, exclusivamente, do negócio de compra e venda de jogadores. E é por isso que têm tanto interesse em ir à Liga dos Campeões. O seu interesse na Liga dos Campeões não é vencê-la, mas aproveitar a Liga dos Campeões como montra para vender os seus melhores jogadores. Vendem os melhores e depois vão procurar jogadores baratos nos mercados sul-americanos para os rentabilizar com vista a sua revenda.
Isto não são clubes de futebol. São agências de vendas de jogadores.
Santana-Maia Leonardo
É preciso não conhecer nem os alunos, nem os pais, nem a escola portuguesa, para acreditar na história da Carochinha de que um aluno tinha sido castigado por ter partilhado como Jesus o seu pão com um pobrezinho (clicar sobre a foto para ler explicação no Obervador).
Mas, graças a Deus, não há como os portugueses para acreditarem em histórias da Carochinha, caso contrário não tínhamos tido nem os governantes, nem os presidentes, nem os deputados, nem os dirigentes que temos tido.
Mas, nesta terra, a falta de vergonha e o descaramento são as qualidades mais valorizadas e que obtêm mais sucesso na mobilização geral de um povo sempre ávido de sacar da pistola para esvaziar o carregador, de forma irracional, sobre qualquer pessoa que tenha o azar de ser apontada por um canalha como culpada do que quer que seja.
Santana-Maia Leonardo
O futebol é o espelho de um país.
Como é do conhecimento público, Portugal é o país mais centralista da Europa, o país com menor mobilidade social (ou seja, o país onde quem nasce pobre tem menos hipóteses de deixar de ser pobre) e o único país que concentra, na sua capital, todas as sedes de ministérios, direcções-gerais, estados-maiores, supremos tribunais, bancos, órgãos de comunicação social, etc. etc.
Ora, comparar a liga inglesa com a liga portuguesa é o mesmo que comparar as democracias liberais do mundo ocidental com as democracias populares dos países comunistas. Nas economias de mercado, existem empresas grandes, médias e pequenas que concorrem entre si, concorrência essa que é garantida por reguladores que têm a obrigação de impedir, quer a criação de monopólios, quer de empresas em posição dominante, uma vez que isso desvirtua a livre concorrência e o mercado livre. Por sua vez, nas democracias populares, os monopólios de Estado controlam o mercado e impedem a existência de empresas concorrentes que possam prosperar e crescer, vivendo estas na sua inteira dependência.
A liga inglesa, tal como todas as ligas europeias, segue as regras das economias de mercado, obrigando, designadamente, os clubes à repartição dos direitos televisivos e à limitação da inscrição de jogadores por clube, o que permite transformar clubes mais pequenos e com menos meios em clubes poderosos e com grande capacidade competitiva, o que torna não só mais atractiva a competição como potencia e gera cada vez mais receitas.
Em Portugal, pelo contrário, há três clubes que se apropriam da totalidade das receitas, dos jogadores, dos adeptos, dos dirigentes, dos jornalistas, dos árbitros e que, inclusive, repartem entre si os detentores do poder político, administrativo e judicial... Consequentemente, o resultado é o mesmo das economias comunistas: os grandes clubes são clubes de Estado e suportados pelo Estado, o futebol produzido é de fraca qualidade e ninguém no mundo está interessado em comprar o futebol que aqui se produz.
Santana-Maia Leonardo
Não há político, comentador ou jornalista que não proclame todos os dias a necessidade urgente de reformas estruturais, ao ponto de ser hoje impossível tomar uma bica sem ouvir recitar esta ladainha ao nosso vizinho de mesa ou ao empregado do café. Ora, um dos nossos grandes problemas foi precisamente o excesso de reformas que foram levadas a cabo nos últimos trinta anos, por um conjunto de indivíduos que ficaram deslumbrados quando se viram sentados numa secretária de ministro e com uma caneta na mão. Infelizmente, nenhum dos nossos governantes seguiu o conselho prudente e inteligente de Edmund Bunke e de John Maynard Keynes: «A nossa capacidade de previsão é tão pequena que raramente é inteligente colocar em risco um bem presente para uma vantagem futura duvidosa.»
Hoje temos mais versões do Código Laboral, do Código de Processo Civil e do Código Penal do que versões do Windows ou de qualquer smartphone. E já vamos para aí na quarta ou quinta reforma do mapa judiciário. Mas nem o fracasso das sucessivas reformas levou a nossa gente a refrear o seu ímpeto reformador. E ainda hoje se falarmos com qualquer pessoa sobre a solução para a crise, a resposta é impreterivelmente esta: “Têm de mudar-se as leis”.
E podem ter a certeza: se a FIFA entregasse aos portugueses a gestão do futebol, em vez das 17 leis do jogo, hoje teríamos vários códigos com milhares de artigos, os quais, por sua vez, haviam de remeter para regulamentos que ainda estariam por elaborar ou já estavam revogados ou semi-revogados. E o mais certo era, neste momento, todos os campeonatos estarem suspensos à espera que o Tribunal Constitucional decidisse se o facto de os jogadores entrarem em campo com o pé direito ou de se benzerem poria em causa o princípio da igualdade ou ofenderia o princípio de laicidade do jogo de futebol.
Para já não falar nas alterações contínuas das terminologias: os "pontapés de canto" passariam a chamar-se "pontapés de esquina" e, no mês seguinte, "corners de esquina", e, depois, sucessivamente, "esquinas de pontapés", "pontapés de corner", "pontapés de ângulo", "pontapés de esguelha"... até se esgotar a capacidade inventiva do nosso legislador, altura em que se regressaria ao "pontapé de canto".
Este é que é o nosso grande problema estrutural: pensarmos que os problemas se resolvem sentados numa cadeira a fazer leis e regulamentos e a mudar os nomes às coisas. A estabilidade legislativa é essencial para que um povo consiga interiorizar valores e para quem queira aqui viver e investir saiba com o que pode contar. Bem basta os riscos próprios inerentes a qualquer actividade privada.
A Constituição inglesa é a mais antiga do mundo e não é escrita. Em Portugal, pelo contrário, tem de estar tudo escrito, porque, se não estiver escrito, ninguém sabe se pode ou não pode passar um cheque “careca”, matar uma mosca ou assaltar um banco. E mesmo estando tudo escrito tim-tim por tim-tim, falha sempre qualquer coisa… Na eterna busca da perfeição legislativa, o legislador vai mudando as leis todos os dias, transformando o nosso país numa autêntica Torre de Babel, onde ninguém se entende. Acontece que, quando a lei é alterada sistematicamente, a maior parte das vezes para satisfazer as conveniências do legislador e dos seus amigos, perde o seu carácter sagrado e intemporal e, consequentemente, deixa de ser respeitada não só pelo cidadão comum como também por quem tem a obrigação de a fazer cumprir.
Portugal não é hoje um verdadeiro Estado de Direito, mas um Estado de Direito Livre, onde o cumprimento da lei depende demasiadas vezes dos humores e da vontade de quem tem a obrigação de a fazer cumprir. Se for amigo, não se aplica a lei; se for inimigo, é aplicada mesmo nos casos em que a lei expressamente não se aplica.
Santana-Maia Leonardo - Observador de 25/6/2020