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A autonomização do crime de violência doméstica, como era expectável e escrevi na altura, contribuiu não só para dificultar o combate à verdadeira violência doméstica como também para transformar o homicídio na única saída do agressor. No entanto, as mortes das mulheres ou, pior ainda, dos filhos como vingança macabra são absolutamente indiferentes, para o legislador português, para quem apenas lhe interessa a beleza estética das leis que produz de acordo com o quadro ideológico dominante. E a comunicação social também não perde a oportunidade de dar más ideias a gente cega pelo ódio e pelo ciúme, ao divulgar o homicídio dos filhos como a vingança suprema de quem pretende inflingir ao seu companheiro a dor infinita.
Como escrevi na altura, as ofensas verbais, corporais e o homicídio de cônjuges, pais e filhos deviam qualificar os crimes, mas não o deviam autonomizar. Para além de o número de homicídios passionais ter aumentado substancialmente, se fizermos um levantamento objectivo dos dados estatísticos, não podemos deixar também de concluir que, por um lado, a esmagadora maioria das queixas (mais de 3/4) ou são arquivadas ou os arguidos são absolvidos (e, quase sempre, por vontade expressa das putativas vítimas), e, por outro lado, os poucos arguidos que são condenados e se encontram a cumprir pena de prisão sempre estariam a cumprir pena de prisão, mesmo que não se tivesse autonomizado este tipo de crime. Ou seja, a autonomização do crime de “violência doméstica” apenas contribuiu para agravar a situação e consumir recursos.
E é muito fácil perceber porquê. Como é que se passavam as coisas anteriormente? Se um homem chamasse nomes à mulher, cometia um crime de injúria; se a ameaçasse, o crime de ameaça; se lhe batesse, o crime de ofensas corporais; se a matasse, o crime de homicídio. Ou seja, era extremamente fácil escalonar o grau de gravidade da agressão.
Com a autonomização do crime de “violência doméstica”, criou-se uma coisa difusa que não se sabe bem onde começa e acaba e onde cabe tudo. A partir daqui, à boa maneira portuguesa, toda a minha gente passou a apresentar queixa por violência doméstica pelas razões mais disparatadas, caricatas e absurdas, muitas vezes com fins puramente vingativos (é extremamente frequente uma mulher que foi traída pelo marido vingar-se apresentando queixa por “violência doméstica”) e algumas vezes para obter proveitos indevidos. E, depois, como somos um povo com pouco sentido ético e muito dado a mudança de humores, a narrativa inicial vai sofrendo alterações de acordo com o estado de alma do momento. A mesma situação que, inicialmente, foi relatada como de “vida ou de morte”, amanhã afinal já não é bem assim e no dia seguinte é precisamente o contrário.
Ora, com a multiplicação de queixas, passou a tornar-se extremamente difícil separar o trigo do joio e a sua banalização levou a que os próprios órgãos de polícia criminal as começassem a desvalorizar, tantas são as queixas que se vêm a verificar sem fundamento. Além disso, as mulheres que mais precisam de ajuda, em regra, são aquelas que menos ajuda têm e que menos se queixam. Quer porque têm medo de se queixar, devido à agressividade do companheiro, quer porque a própria família e amigos se mantêm à distância. Os portugueses, em regra, só são corajosos com os fracos ou quando o agressor está preso.
Finalmente, para os casos mais graves, em que o agressor está disposto a matar e a morrer, ninguém pense que é com a ameaça da prisão ou com a GNR que o consegue demover. Além disso, é quase impossível evitar um homicídio quando o homicida está disposto a morrer. Pelo contrário, uma abordagem precipitada pode despoletar a tragédia. E a autonomização do crime de “violência doméstica”, pela sua banalização, leva precisamente a que a primeira abordagem seja, em regra, desadequada à situação, na medida em que todas as participações são apresentadas com os mesmos ingredientes, pelo que não é possível fazer, de imediato, a triagem. E, nestes casos, o tempo e a forma de abordagem são factores essenciais.
Santana-Maia Leonardo - O Mirante de 12-11-2021
A minha foto está entre Piqué e De Jong.
Quando Benfica, Sporting e Porto, os Ferraris da liga portuguesa segundo Jorge Jesus, se apropriam da totalidade dos recursos (financeiros e humanos), recebendo 17 vezes mais de receitas televisivas do que o último classificado, ou seja, obrigando os outros clubes a correr de burro (e, a maior parte das vezes, emprestado pelos donos dos Ferraris), não se podem queixar que estes tenham de recorrer ao anti-jogo para ter alguma hipótese de pontuar. E não se podem também admirar que não haja ninguém no mundo interessado em pagar para ver corridas entre o Ferrari do Benfica e o burro do Vizela. Só mesmos os alarves, que confundem um jogo de futebol com um circo romano, é que rejubilam a ver equipas totalmente desarmadas a ser devoradas pelas feras.
Um jogo de futebol não tem nada a ver com o espírito do circo romano que continua a imperar na liga portuguesa. Os grandes clubes ingleses, à semelhança dos americanos, perceberam que a rentabilidade de uma liga dependia da sua competitividade. Quanto mais equilibrada e competitiva for uma liga, mais receitas gera. Por isso, optaram por sacrificar grande parte das suas receitas para dotarem os restantes clubes de meios para poderem competir com eles. E, ao tornarem a liga mais competitiva, não só acabaram com o anti-jogo como também conseguiram receitas muito superiores àquelas que sacrificaram a favor dos clubes com menos recursos para que estes pudessem competir.
Santana-Maia Leonardo - Jornal A Ponte de 15-11-2021
Aferir a inteligência ou a estupidez do povo pelo sentido maioritário do seu voto não é muito inteligente, desde logo porque o povo é uma abstracção. E o facto de uma pessoa votar mal não significa necessariamente que seja estúpida.
Eu, pessoalmente, não me considero estúpido e arrependi-me quase sempre do meu voto, poucos meses após o depositar na urna. E porquê? Porque fui enganado. Votei em determinado candidato porque acreditei naquilo que ele disse que ia fazer e depois fez precisamente o contrário. Fui estúpido? Provavelmente. Sendo certo que é muito difícil fazer a melhor escolha, quando temos de eleger o produto com base exclusivamente nas promessas do vendedor e sem poder devolver a mercadoria no caso de termos sido enganados.
Além disso, a maioria dos eleitores dos países pobres, como é o caso do nosso, votam sobretudo a pensar no dia de hoje, ou seja, com a barriga. E quem vota com a barriga não tem condições para se preocupar com o futuro de Portugal e com as gerações futuras. A sua preocupação é conseguir almoçar e jantar todos os dias e, por isso, vota em quem acha que lhe garante esse mínimo de subsistência. Pode ser um voto estúpido, tendo em conta o futuro do país e do planeta, mas é um voto inteligente do ponto de vista das suas necessidades imediatas.
Santana-Maia Leonardo - Jornal A Ponte de 8-11-2021