Todos ainda temos bem presente a metáfora do Ferrari usada por Jorge Jesus, quando era treinador do Sporting, para criticar Rui Vitória, o treinador do Benfica da altura. Agora, de regresso ao volante do Ferrari, Jorge Jesus tem-se queixado do anti-jogo das outras equipas que o impedem de tirar a máxima rentabilidade do seu Ferrari.
A este propósito, Marc Méchen escreveu, no passado dia 24 de Outubro, no jornal catalão Sport, um artigo de opinião sobre o negócio do futebol de que eu destaco a seguinte passagem: “(…) Hoje na Europa só Portugal permite que cada clube venda os seus direitos televisivos como visitado, e isso faz com que o Benfica receba 17 vezes mais do que o último classificado. A magia da liga inglesa, que todo o mundo tem como exemplo, reside nisto: a diferença entre o clube que recebe mais e o clube que recebe menos pelos direitos televisivos é de apenas 1,5. (…) Com este sistema, conseguiram que seis equipas lutem cada ano por todas as competições e é precisamente essa emoção que gera o dinheiro. (...)"
Ou seja, os grandes clubes ingleses perceberam que não adiantava ter um Ferrari se os outros competidores só tinham dinheiro para correr de burro, porque ninguém está interessado em pagar para ver corridas entre burros e Ferraris. Qualquer burro percebe isto…
Além disso, quando Ferraris competem com burros, os burros, para terem alguma hipótese de pontuar, são obrigados a levar o jogo para um campo lavrado, sem as mínimas condições, ou a congestionar o trânsito à frente da baliza. Ou seja, fazer anti-jogo.
Ora, quando Benfica, Sporting e Porto se apropriam da totalidade dos recursos (financeiros e humanos), recebendo 17 vezes mais de receitas televisivas do que o último classificado, ou seja, obrigando os outros clubes a correr de burro (e, a maior parte das vezes, emprestado pelos donos dos Ferraris), não se podem queixar que estes tenham de recorrer ao anti-jogo para ter alguma hipótese de pontuar. E não se podem também admirar que não haja ninguém no mundo interessado em pagar para ver corridas entre o Ferrari do Benfica e o burro do Vizela. Só mesmos os alarves, que confundem um jogo de futebol com um circo romano, é que rejubilam a ver equipas totalmente desarmadas a ser devoradas pelas feras.
Um jogo de futebol não tem nada a ver com o espírito do circo romano que continua a imperar na liga portuguesa. Os grandes clubes ingleses, à semelhança dos americanos, perceberam que a rentabilidade de uma liga dependia da sua competitividade. Quanto mais equilibrada e competitiva for uma liga, mais receitas gera. Por isso, optaram por sacrificar grande parte das suas receitas para dotarem os restantes clubes de meios para poderem competir com eles. E, ao tornarem a liga mais competitiva, não só acabaram com o anti-jogo como também conseguiram receitas muito superiores àquelas que sacrificaram a favor dos clubes com menos recursos para que estes pudessem competir.
E é precisamente este modelo de sucesso que está a ser seguido em toda a Europa, excepto em Portugal, onde a ganância e a inveja são a imagem de marca do Benfica, Sporting e Porto. Invejam os grandes da Europa, mas, em vez de lhes seguirem o exemplo, criando uma liga capaz de gerar riqueza, optam, na sua ganância cega, por se apropriarem de todos os recursos, reduzindo os outros clubes não só à indigência como à inexistência, uma vez que já nem adeptos têm. Dirigentes, adeptos, treinadores, jogadores, jornalistas e comentadores são todos do Benfica, do Sporting e do Porto.
Infelizmente, este é um problema que não se cinge ao futebol. A ganância e a inveja estão no ADN lusitano e reside precisamente aqui o grande obstáculo ao nosso desenvolvimento e à competitividade das nossas empresas e da nossa economia. A liga portuguesa, à semelhança dos sucessivos governos, prefere manter os privilégios de uma casta, à custa do empobrecimento de todos, do que levar a cabo as reformas estruturais que permitem gerar riqueza em benefício de todos.
Santana-Maia Leonardo - O Mirante de 5-11-2021