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COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

12 Dez, 2021

Um povo camaleão

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Se colocarem um português em França, ele é francês; se colocarem um português na Alemanha, ele é alemão; se colocarem um português na China, ele é chinês. Basta, aliás, um português pôr o pé do outro lado da fronteira para começar logo a falar espanhol.

Esta capacidade inata que nós temos de nos adaptarmos a qualquer meio foi a defesa que o nosso povo encontrou para sobreviver a condições muito adversas que lhe foram impostas pela geografia e pela história. Por um lado, o facto de sermos um povo pequeno num país com poucos recursos obrigou-nos a emigrar e a correr mundo, a maioria das vezes entregues a nós próprios. Por outro lado, o facto de termos vivido trezentos anos sob o jugo da Inquisição, cinquenta anos em ditadura e cem anos governados por associações de malfeitores politicamente organizadas, aguçou o instinto de sobrevivência. Resumindo: por força da biologia, da geografia e da história, acabámos naturalmente por nos transformar num povo-camaleão.

Mas se esta capacidade de adaptação a países e culturas diferentes é uma vantagem decisiva para quem emigra, torna-se, pelo contrário, num enorme entrave ao desenvolvimento do país para os que decidem ficar. Esta é, aliás, uma das razões por que é tão difícil ser oposição em Portugal, afrontar o poder instituído, qualquer que ele seja, ou encontrar alguém que não seja adepto do Benfica, Sporting ou Porto. Os camaleões são sempre da cor de quem ganha e de quem está na mó de cima.

E foi, precisamente, por temer que Portugal, pelas opções políticas do tempo, já tivesse na forja este povo-camaleão que Camões no final de “Os Lusíadas” (estância 152 do Canto X) faz este apelo ao Rei: “Fazei, Senhor, que nunca os admirados /  Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses, / Possam dizer que são pera mandados,/ Mais que pera mandar, os Portugueses./ Tomai conselho só d'exprimentados / Que viram largos anos, largos meses, / Que, posto que em cientes muito cabe, / Mais em particular o experto sabe.

O Rei não fez caso do Poeta e os portugueses acabaram, naturalmente, como hoje se pode constatar, por se transformar num povo que serve mais para ser mandado do que para mandar. Com efeito, um povo camaleão é incapaz de se auto-governar porque acaba sempre por eleger camaleões, ou seja, gente incapaz de liderar, que adquire as colorações dos poderosos a quem se encosta, das modas, dos vícios e dos modelos estrangeiros, sem ter sequer capacidade de os questionar e entender.

Além disso, ao adoptarem modelos estrangeiros, os nossos governantes convencem-se de que basta importá-los e impô-los para que os portugueses passem a agir e a comportar-se como os naturais dos países de onde esses modelos foram importados. Enganam-se redondamente. Um povo-camaleão não muda a sua natureza, por força da lei. Limita-se a copiar o que os líderes fazem, sem fazer caso do que eles escrevem.    

Se o professor, o juiz, o director de uma repartição ou de uma empresa, o presidente de uma instituição ou de uma câmara forem justos, trabalhadores, competentes e diligentes, todos os camaleões que estiverem sob a sua alçada ganham estas qualidades. Se forem incompetentes, desleixados, corruptos, prepotentes, os camaleões ganham os seus defeitos.

Se queremos efectivamente construir um Portugal melhor, só há um caminho e devia começar a ser já implementado em todas as escolas e repartições deste país, através da adopção de uma medida muito simples. Todas as escolas e repartições deviam afixar um letreiro à entrada com o seguinte dizer: “Neste local são proibidos todos os regulamentos internos escritos. O nosso regulamento interno é a conduta de quem dirige este local".

Se a lei for o exemplo, acabam-se as interpretações da lei e a necessidade legislar.

Santana-Maia Leonardo - O Mirante de 26-11-2021

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Se, por qualquer motivo, o leitor tem dificuldade em distinguir um cínico de um hipócrita, basta ler ou ouvir as reacções nacionais, seja na televisão, seja nas redes sociais, após a imprensa internacional ter catalogado como VERGONHA a B-SAD ter sido obrigado a jogar com 9 jogadores contra o Benfica.

O cínico atira as culpas para cima do regulamento: "o jogo realizou-se por causa do regulamento". Este é o argumento típico do cínico lusitano: "dura lex sed lex".

Por sua vez, o hipócrita afirma categoricamente (e sem se deixar rir) que “se fosse o Benfica que só tivesse 9 jogadores, o jogo realizava-se na mesma." Este é o argumento típico dos hipócritas lusitanos, copiado do livro “O Triunfo dos Porcos” de George Orwell: “em Portugal, todos os clubes são iguais” (quando todos sabemos que há uns mais iguais do que outros).

Se Portugal tivesse a mesma taxa de vacinação contra o cinismo e a hipocrisia que tem contra a covid-19, seríamos hoje um país europeu formado por cidadãos no verdadeiro sentido da palavra. Como temos uma baixa taxa de vacinação contra o cinismo e a hipocrisia, não conseguimos a imunidade de grupo, essencial para vivermos num país decente formado por uma maioria de cidadãos honestos com consciência ética e cívica. Além disso, devido à baixa taxa de vacinação contra o cinismo e a hipocrisia, já apareceu, em Portugal, uma nova variante muito mais letal e contagiosa, que corrói e destrói todas as instituições: os Sem-Vergonha.

Enquanto o cidadão honrado recorre ao exemplo virtuoso para criticar os seus, o Sem-Vergonha recorre ao exemplo abjecto para se justificar a si e aos seus. O cidadão honrado dá como exemplo ao seu filho o bom aluno e o aluno bem-comportado, enquanto o sem-vergonha justifica os maus comportamentos do seu filho com os maus exemplos dos alunos do mesmo calibre do seu filho ou piores do que ele. E isto também se verificou no caso do jogo da B-SAD. Enquanto o cidadão Bernardo Silva, sócio do Benfica, se indignava nas redes sociais com o não adiamento do jogo, os Sem-Vergonha vasculhavam nos caixotes do lixo do Sporting e do Porto à procura de qualquer coisa repugnante para servir de justificação ao injustificável.

Santana-Maia Leonardo - jornal A Ponte de 6-12-2021

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Quem viveu os anos do 25 de Abril ainda recorda o Fado Tropical de Chico Buarque que via, no Portugal de Abril, o seu ideal: “Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal/ Ainda vai tornar-se o imenso Portugal.

A Constituição de Abril proclamava que uma das tarefas fundamentais do Estado é "promover a igualdade real entre os portugueses (...) e o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional", incumbindo-lhe prioritariamente "orientar o desenvolvimento económico e social no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminar progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo." (artigos 9.º, 81.º e 90.º).

Até ao 25 de Abril, Lisboa era a capital do império para onde acorria a população portuguesa na busca de uma vida melhor: os mais ambiciosos e os aventureiros prontos para partir para as Índias, África e Brasil; os menos afoitos e os parasitas para viver à conta das especiarias e do ouro do Brasil.    

Com o 25 de Abril e a entrada na CEE, Portugal aspirava, finalmente, a ser um país europeu e civilizado pelo que a coesão territorial e o nivelamento do território eram a trave-mestra do novo regime, ansioso por desmantelar a estrutura colonialista do Estado Novo, à semelhança do que acontecia em todos os países europeus. E isso só seria possível com uma reforma administrativa e uma reorganização territorial, à semelhança da Holanda, ou seja, com a criação de regiões em torno de cidades médias com peso idêntico e com a mesma dignidade territorial. Não é por acaso que praticamente todos os países europeus continentais têm a sua capital no interior do território. E a razão é muito fácil de perceber: só a capital consegue contrariar a força de atracção irresistível do litoral. Por isso, o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional, que foi uma promessa de Abril e está plasmado na nossa Constituição, implicava necessariamente a saída de serviços e órgãos de direcção do Estado de Lisboa. Caso contrário, é impossível cumprir esta promessa de Abril que é, repito, uma tarefa fundamental do Estado, segundo a nossa Constituição.

No entanto, quando o Estado não consegue sequer mudar a sede do Infarmed para o Porto e o Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal Administrativo para Coimbra… Não vale a pena, pois, continuar a bater nesta tecla, porque Lisboa continua a ser a mesma Lisboa imperial e com os mesmos vícios do Estado Novo, para onde Portugal se continua a esvaziar: os mais ambiciosos e os aventureiros prontos para partirem para a Europa e para o mundo; os parasitas e os canalhas para aguardarem em terra pela chegada dos fundos comunitários.

Quem vive no interior não deve confundir, no entanto, alfacinhas com lisboetas. Alfacinhas são todos aqueles que nasceram em Lisboa; lisboetas são todos aqueles que foram residir para Lisboa, que cinicamente apregoam o orgulho nas suas raízes, mas que não só não querem deixar de viver em Lisboa como não querem que nada de lá saia, designadamente, para a sua terrinha que dizem tanto amar (?!...). Ou seja, os lisboetas são a praga de parasitas que corrói e destrói qualquer iniciativa que vise promover a igualdade real entre os portugueses e o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional. E não há pior político, jornalista ou comentador, para quem vive no resto do país, do que um lisboeta. Filhos da p…!

Até no futebol, os clubes que não são de Lisboa são tratados pelas televisões, jornalistas, comentadores e políticos como se fossem estrangeiros. Não vale a pena, por isso, alimentar mais fantasias. Portugal é Lisboa ou, como dizia o Arquitecto Ribeiro Telles, a cidade Lisboa-Porto, ainda que o Porto seja tratado por Lisboa como um subúrbio de gente marginalizada.

Quando se está quase a celebrar os 50 anos do 25 de Abril, talvez não fosse má ideia rever a letra do fado de quem vive no interior do país: “Ai, esta terra ainda vai cumprir o seu ideal/ Ainda vai tornar-se num imenso eucaliptal.

Santana-Maia Leonardo - O Mirante de 19-11-2021

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