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Não deixa de ser curioso verificar como as eleições portuguesas reproduzem os mesmos vícios do futebol português.
Este ano os portugueses puderam assistir a debates de 25 minutos entre os principais candidatos dos partidos com representação parlamentar. A justificação para os debates serem de tão curta duração assentava no facto de serem muitos debates. Até aqui parecia que o argumento não só tinha fundamento como era inatacável.
Acontece que, a seguir aos debates de tão curta duração, seguiam-se longos debates de várias horas sobre os referidos debates levados a cabo por comentadores-adeptos, tal como acontece com os jogos de futebol onde os jogos são comentados durante toda a semana por comentadores adeptos do Benfica, Sporting e Porto e onde os restantes clubes não tem assento nem direito a ter comentadores para defender os seus clubes.
Ora, isto é uma manipulação grosseira e um condicionamento grotesco do eleitorado, na esmagadora maioria pouco informado, na medida em que os líderes dos pequenos partidos vêem destruídos os seus argumentos por comentadores-pastores do centrão lisboeta, sem terem direito, nem tempo para defenderem as suas propostas e os seus pontos de vista. Ou seja, aos líderes partidários concede-se-lhes 12 minutos para exporem as suas propostas e contraditarem as dos seus oponentes e aos comentadores-pastores do centrão lisboeta concede-se-lhes todo o tempo do mundo para manterem unido o rebanho contra as ténues investidas concedidas aos lobos maus que lutam contra o centrão.
Da mesma forma, é inadmissível que se consinta que um programa de humor numa televisão generalista, em pleno período eleitoral e sobre as eleições, faça censura, convidando todos os líderes, excepto um. Ricardo Araújo Pereira tem o direito de ter as suas preferências clubísticas e partidárias. Mas se quer levar a cabo um programa de humor sobre as eleições, durante o período eleitoral, das duas uma: ou não convida nenhum líder partidário ou convida todos. Até porque, ao não convidar André Ventura, transmite a sensação de cobardia que não é benéfica para a democracia. Com efeito, se Ricardo Araújo Pereira gosta tanto de fazer graçolas com André Ventura, podendo mesmo dizer-se que é o seu candidato preferido, devia ter coragem para o enfrentar cara a cara e gozar com ele num frente a frente. A força da democracia reside precisamente na força da sua argumentação contra a argumentação totalitária. Quem tem receio do debate e da liberdade de expressão e, por isso, recorre à censura, são os regimes totalitários, não são as democracias, nem os democratas.
Não tenho a mínima simpatia nem por André Ventura, nem pelas suas ideias. Mas sou um defensor intransigente das democracias liberais, pelo direito à liberdade de expressão e pela igualdade de armas, para mais em período eleitoral. Partilho totalmente a opinião atribuída a Voltaire e que, não sendo dele, reproduz de certa forma o seu pensamento e o meu: «Não concordo com o que dizes, mas defenderei até à morte a liberdade de o dizeres.»
Sendo certo que não deixa de ser revelador da extrema hipocrisia dos comentadores e jornalistas da Corte, escandalizarem-se tanto com um populista que dá voz às queixas das populações mais desfavorecidas, quando são tão bajuladores de políticos de marca branca cuja única ideologia é dedicarem-se ao saque e à pilhagem dos fundos comunitários e do dinheiro dos nossos impostos, assim como de políticos que defendem, convictamente, os regimes democráticos da Coreia Norte e da ex-União Soviética.
Santana-Maia Leonardo - O Mirante de 28-1-2022
Sou um defensor da Regionalização, mas sou frontalmente contra a Regionalização anunciada pelo PS, pelo PSD, pelo Presidente da República e pelos autarcas portugueses.
Ou seja, sou a favor de uma Regionalização, assente num novo modelo de desenvolvimento e numa nova organização administrativa, e sou contra a anunciada Regionalização, assente no mesmo modelo de desenvolvimento e no aprofundamento do municipalismo que é a principal causa da desertificação do território nacional e da fuga dos quadros mais qualificados para Lisboa e para o estrangeiro.
O que Portugal necessita não é de criar um novo patamar dentro da pirâmide do municipalismo que tem no topo Lisboa, porque isso irá inevitavelmente acelerar ainda mais o processo de desertificação. Com efeito, neste contexto, a sede da Região irá provocar o mesmo efeito sobre os municípios do seu território que as sedes dos municípios provocaram em relação às suas freguesias.
Ao contrário do que ouço para aí apregoar, o problema português não é de excesso de centralismo, mas demográfico pelo facto de todas as sedes do poder executivo, legislativo, judicial, administrativo, financeiro, da comunicação social, da Defesa Nacional, etc. etc. etc. estarem sediadas em Lisboa. Num território tão pequeno, o centralismo só tem vantagens, desde que os centros da decisão não estejam todos concentrados no mesmo sítio.
Ora, o que Portugal necessita é de um modelo de Regionalização construído de raiz, onde todas as regiões tenham igual importância e dignidade territorial, para usar o termo dos juízes do Tribunal Constitucional, o que implica distribuir pelas diferentes regiões (maiores que os distritos e mais pequenas que as CCDR) as diferentes sedes de poder que hoje se encontram concentradas em Lisboa. Isto obrigaria à migração para as regiões não só de população, mas também de quadros qualificados, ambos absolutamente essenciais para criar novas centralidades e dinamizar o desenvolvimento económico de Portugal como um todo.
Santana-Maia Leonatdo - A Ponte de 24-1-2022
"LE MONDE" censura este cartoon de Xavier Gorce e o cartoonista demitiu-se.
Portugal já era, em 1974, um país bastante desequilibrado social e territorialmente. Mas a verdade é que o regime democrático, apesar de andar sempre com a coesão social e territorial na boca, tornou esse desequilíbrio absolutamente irreversível.
Hoje a região do mundo que mais se assemelha a Portugal é o Estado de Israel, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. O Estado de Israel é a República de Lisboa (ou seja, a estreita faixa litoral Lisboa-Porto), a Cisjordânia é o interior centro e norte e a Faixa de Gaza é o Alentejo. A República de Lisboa é uma região rica e próspera, com instituições democráticas, estado de direito e comunicação social livre. Por sua vez, o resto do território é extremamente pobre, estando a democracia, o estado de direito e a comunicação social ao nível da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, permitindo-se todos os abusos e atropelos à lei, perante o silêncio cúmplice da comunicação social de Lisboa. Além disso, tal como acontece na Cisjordânia, os municípios, no interior do país, funcionam como verdadeiros colonatos de Lisboa, sendo o seu único objectivo garantir o controlo político destes territórios.
Actualmente, só a região de Lisboa elege mais deputados do que Beja, Évora, Portalegre, Castelo Branco, Guarda, Viseu, Bragança e Vila Real juntos. Além disso, o interior está dividido em pequenos círculos eleitorais com o objectivo de impedir o surgimento de movimentos regionalistas com expressão e peso que lutem pelo Alentejo e pelo interior contra o poder despótico e centralista de Lisboa.
Portalegre, por exemplo, elege apenas dois deputados, o que significa que os cidadãos do distrito de Portalegre não têm direito a voto, uma vez que os colunatos de Lisboa garantem, automaticamente, a eleição dos seus candidatos.
É, por isso, natural que o sonho e o destino de qualquer jovem que hoje nasça na Faixa de Gaza se resuma a ir viver e trabalhar para Lisboa ou para o estrangeiro. E os poucos que por aqui ficam são olhados com algum desdém como se tivessem algum defeito.
PS e PSD são hoje duas faces da mesma moeda e com a mesma política de esvaziamento e empobrecimento do interior em prol da região de Lisboa. Até porque convém, à região rica de Lisboa, o Alentejo e o interior serem pobres para Lisboa poder reclamar na UE as sucessivas bazucas com que vai, depois, cavando cada vez mais o fosso entre a região de Lisboa, uma das mais ricas da UE, e as regiões pobres do Alentejo e do interior do país.
Todas as reformas estruturais levadas a cabo pelos governos socialistas e sociais-democratas foram nesse sentido, assim como serão todas aquelas de que por aí se fala e que aguardam pelo próximo Governo, seja ele qual for, designadamente a Regioinalização.
Quando se trata de fechar um serviço no interior, o argumento dos lisboetas é que Portugal é um país pequeno e Lisboa fica perto de tudo. Mas quando se quer transferir um serviço de Lisboa para o interior, aqui d’El Rei que é muito longe, como se a distância entre Portalegre e Lisboa não fosse a mesma que entre Lisboa e Portalegre.
Não existe no espectro político português um único partido que defenda um modelo de desenvolvimento para o país assente em cidades médias, com um programa sério de combate à desertificação do interior e que passaria, necessariamente, por uma nova reorganização administrativa, com o fim dos colunatos de Lisboa, e pela transferência de serviços de Lisboa para o Interior.
E, como não existe esse partido, nem existem condições objectivas para existir, por força dos mini-círculos eleitorais controlados pelos colunatos de Lisboa, não tenho em quem votar, nem quem me represente. Sendo certo que a abstenção em massa é, hoje, a única forma de todos aqueles que, como eu, vivem nos territórios sem voz e sem verdadeiro direito de voto incomodarem os partidos de Lisboa, à semelhança do que aconteceu com os movimentos pacifistas e pelos direitos civis, caso contrário não faziam tantos apelos ao voto, nem que seja em branco ou nulo. Parafraseando José Mário Branco, “A abstenção é uma arma. Contra quem, Camaradas? Contra a Hipocrisia! “
Santana-Maia Leonardo - O Mirante de 21/1/2022