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COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

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"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

26 Fev, 2022

A prisão perpétua

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António Costa e o PS venceram as últimas eleições legislativas, com maioria absoluta, fazendo da oposição à prisão perpétua, em nome da defesa dos direitos humanos, a sua grande bandeira eleitoral, sendo precisamente esta a linha vermelha que, na opinião dos seus candidatos e comentadores ao seu serviço, distinguia o PS da direita.

Ora, acaba de ser noticiado, pelo jornal Le Monde, que um tribunal francês condenou a prisão perpétua Nordahl Lelandais pelo sequestro e assassinato da menina lusodescendente de 8 anos, em 2017, e ainda por agressões sexuais a duas primas com 4 e 6 anos de idade, no mesmo verão de 2017.

António Costa e o PS têm agora uma boa oportunidade de demonstrar a sua coerência. Aliás, se António Costa e o PS consideram, efectivamente, que a prisão perpétua é uma grave violação dos direitos humanos, já deviam ter reagido à sua aplicação por um tribunal de um Estado liderante da UE e considerado a pátria da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Com efeito, o silêncio do PS sobre a aplicação, por um país da UE, de uma pena que os socialistas classificam como do tempo da barbárie, só demonstra que as convicções dos socialistas variam de acordo com as conveniências do momento. Ao contrário dos comunistas que continuam a ser marxistas (de Karl Marx), os socialistas portugueses evoluíram para marxistas do comediante Groucho Marx: “Estes são os meus princípios. Se você não gostar, eu tenho outros.”.

Não vale a pena o leitor começar já a argumentar se a prisão perpétua se justifica ou não para este tipo de crime, porque, como é óbvio, a prisão perpétua nos países da UE aplica-se precisamente a este tipo de crimes, ou seja, a crimes de extrema perversidade, violência e perigosidade. Sendo certo que prisão perpétua, na maioria dos países da UE, não significa necessariamente prisão para toda a vida. No entanto, não é a prisão perpétua e as suas diferentes variantes que eu pretendo tratar neste artigo. O que está sobre a mesa é avaliação do grau de coerência e de hipocrisia dos políticos que elegemos.

Não podemos, no entanto, deixar de trazer, de novo, à colação o mundo do futebol português, na medida em que é espelho do nosso país. Toda a minha gente se indigna com a nossa justiça desportiva, cujas penas não são nem dissuasoras, nem punitivas das graves infracções que vão sendo praticadas todos os dias por dirigentes, treinadores, jogadores, adeptos e comentadores dos diferentes clubes portugueses. E toda a gente dá como exemplo a mão pesada dos regulamentos e da justiça desportiva das outras ligas europeias.

Por que razão, então, Benfica, Sporting e Porto não copiam os modelos dos regulamentos das outras ligas europeias? Não sabem a resposta? Pela mesma razão que PS e PSD tremem só de ouvir falar numa justiça penal mais dura, mais célere e mais dissuasora. Ninguém espere, pois, que PS, PSD, Benfica, Sporting e Porto alterem os regulamentos desportivos ou a legislação penal, quando são os principais beneficiários do status quo que, sabiamente, cozinharam.

Quando se fala em que todos têm direito a uma segunda oportunidade, é bom não esquecer que as vítimas mortais não têm segunda oportunidade e que a esmagadora maioria da gente que vive miseravelmente por esse mundo fora, como é o caso dos migrantes que arriscam a sua vida na travessia do Mediterrâneo ou que trabalham como escravos em Portugal, não lhes é dada sequer uma única oportunidade.

Mas todos sabemos o que a casa gasta. Em Portugal, os Direitos Humanos e o Estado de Direito são artigos de luxo apenas acessíveis à bolsa de uma pequena elite e para exibir nos processos mais mediáticos. Quanto ao povo, tem de se contentar com a sopa dos pobres da justiça portuguesa, enquanto a classe média é esmifrada para pagar uma justiça desmesuradamente cara, altiva, arbitrária e profundamente injusta.

Mal vai a justiça de um país quando certas pessoas confiam tanto nela.

Santana-Maia Leonardo - O Mirante de 25-2-2022

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Os portugueses que vivem e residem em Portugal, de uma forma geral, têm horror a correr riscos pelo que se agarram aos cargos remunerados pelo Estado como os banhistas que não sabem nadar, nem querem aprender, à borda da piscina. E dali não saem, tornando a piscina imprópria para quem queira praticar natação, tanta é a gente que se amontoa na sua borda.

É, por isso, natural que os portugueses mais ambiciosos, ou seja, que não estejam dispostos a viver agarrados à borda da piscina, se vejam obrigados a partir para outros países onde o mérito seja reconhecido e possam dar largas à sua ambição.

A cultura do risco e do mérito numa sociedade naturalmente competitiva educa-se desde o berço. Mas, para isso, é fundamental que a derrota ou o insucesso não se transforme num estigma.

Ora, reside precisamente aqui o problema português. Com efeito, quando ganham, são os maiores e tratam os vencidos com uma arrogância extrema. Aliás, sentem um enorme prazer em humilhar os vencidos. É precisamente por esta razão que a maioria dos portugueses escolhe sempre o lado dos vencedores.

Acontece que o epíteto de “perdedor”, com que os canalhas gostam de estigmatizar os seus adversários, é de tal forma humilhante que a esmagadora maioria dos portugueses prefere não arriscar, para não correr o risco de fracassar, optando pela segurança dos empregos do Estado e por ser adepto dos partidos e clubes vencedores.

E, mesmo assim, sempre que perdem é um drama. Ai de quem perde. É por isso que também vivemos num país onde os fins justificam os meios e os casos de corrupção só têm relevância e interesse se puderem ser usados como pedras de arremesso contra os adversários.

Santana-Maia Leonardo - A Ponte de 21-2-2022

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Como dizia Clarice Lispector, “o óbvio é a verdade mais difícil de enxergar”. E também por esta razão é o mais difícil de explicar. Mas eu vou fazer um esforço, porque já estou farto de ouvir a ladainha dos nossos comentadores políticos e desportivos sempre a fazer apelo à urgência das reformas, quando Portugal e a liga portuguesa são irreformáveis por natureza. Como é óbvio.

Por que razão Benfica, Sporting e Porto fazem o que querem e lhes apetece, ao contrário do que sucede em todas as outras ligas europeias, onde também existem não só clubes grandes, mas muito maiores do que qualquer clube português?

É muito fácil perceber porquê. Basta saber somar 2 + 2. É que, nas outras ligas europeias, os clubes mais pequenos, no seu conjunto, são maiores do que os maiores clubes pelo que é fácil, aos presidentes e às direcções das ligas, imporem regras de solidariedade, disciplinares e proibições duras aos clubes maiores. O presidente da liga espanhola está quase sempre em guerra aberta com o Real Madrid e o Barça. Este ano, por exemplo, não permitiu a inscrição de Messi. Isto era impossível em Portugal onde Benfica, Sporting e Porto chegam a inscrever 200 jogadores.

Aliás, isto é tão evidente que os mesmos comentadores desportivos que tanto se queixam da falta de competitividade da liga portuguesa, são os mesmos que reduzem, no seu comentário desportivo, a liga portuguesa aos jogos do Benfica, Sporting e Porto, como se os outros clubes não existissem. E, em boa verdade, não existem.

Barça e Madrid têm 33% dos adeptos espanhóis e concentrados na região de Madrid e Catalunha. O United, Liverpool, Chelsea e City não chegam aos 30% de adeptos ingleses e estão concentrados em torno das suas cidades.

Ora, nestas circunstâncias, é extremamente fácil aos presidentes e às direcções das diferentes ligas europeias impor regras aos clubes grandes, mas que representam apenas 30% dos adeptos, quando se está do lado dos clubes que representam a maioria dos adeptos (70%) e a maioria das cidades de um país.

Em Portugal, pelo contrário, Benfica, Sporting e Porto representam 95% dos adeptos espalhados por todo o país, o que significa que não há ninguém que seja capaz de lhes impor o que quer que seja, porque eles representam a totalidade dos adeptos, das cidades e das regiões do nosso país.

O mesmo se passa a nível da governação. Paris, Londres, Madrid, Berlim e Roma são muito maiores do que Lisboa e Porto. Qual é que é a diferença? É que, nos outros países da Europa, as outras cidades e regiões, no seu conjunto, têm mais deputados do que as duas maiores cidades de cada país, ao contrário do que sucede em Portugal onde as regiões de Lisboa (Lisboa e Setúbal) e Porto (Porto, Aveiro e Braga) têm, praticamente, a totalidade dos deputados.

Ora, como qualquer pessoa percebe, numa democracia, assim como num liga de futebol, não é possível exigir aos dirigentes políticos e desportivos que afrontem a maioria que os suporta, apoia e elegeu, sob pena de caírem, de imediato, do poleiro. Como é óbvio.

Não vale, pois, a pena continuar com estas ladainhas de nos querermos comparar e aproximar dos modelos europeus, quando a configuração do nosso parlamento e da nossa liga não permitem qualquer reforma estrutural, porque o peso dos votos está precisamente do lado das regiões e dos clubes mais poderosos, que não estão interessados, como é óbvio, em perder ou ceder parte do seu poder.

Santana-Maia Leonardo - O Mirante de 18-2-2022

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