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COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

30 Abr, 2022

O Alentejano (*)

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A raça do alentejano? É, assim, a modos que atravessado. Nem é bem branco, nem preto, nem castanho, nem amarelo, nem vermelho…. E também não é bem judeu, nem bem cigano. Como é que hei-de explicar? É uma mistura disto tudo com uma pinga de azeite e uma côdea de pão.

Dos amarelos, herdámos a filosofia oriental, a paciência de chinês e aquela paz interior do tipo “não há nada que me chateie”; dos pretos, o gosto pela savana, por não fazer nada e pelos prazeres da vida; dos judeus, o humor cáustico e refinado e as anedotas curtas e autobiográficas; dos árabes, a pele curtida pelo sol do deserto e esse jeito especial de nos escarrancharmos nos camelos; dos ciganos, a esperteza de enganar os outros, convencendo-os de que são eles que nos estão a enganar a nós; dos brancos, o olhar intelectual de carneiro mal morto; e dos vermelhos, essa grande maluqueira de sermos todos iguais.  

O alentejano, como se vê, mais do que uma raça pura, é uma raça apurada. Ou melhor, uma caldeirada feita com os melhores ingredientes de cada uma das raças. Não é fácil fazer um alentejano. Por isso, há tão poucos.

É certo que os judeus são o povo eleito de Deus. Mas os alentejanos têm uma enorme vantagem sobre os judeus: nunca foram eleitos por ninguém, o que é o melhor certificado da sua qualidade.

Conhecem, por acaso, alguém que preste que já tenha sido eleito para alguma coisa? Até o próprio Milton Friedman reconhece isso quando afirma que «as qualidades necessárias para ser eleito são quase sempre o contrário das que se exigem para bem governar».

E já imaginaram o que seria o mundo governado por um alentejano? Era um descanso.

(*) Num tempo em que o racismo, a xenofobia e os nacionalismos estão de volta, inclusive, em países civilizados, é altura de voltar a publicar um texto que escrevi há 14 anos, mais precisamente no dia 8 de Abril de 2008 e que aproveito agora para dedicar à memória do alentejano Salgueiro Maia.

Santana-Maia Leonardo - O Mirante de 29/4/2022

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Se um cidadão, porque quer cumprir a lei, perguntar a um advogado se pode ou não fazer determinada coisa, o advogado, se for honesto, o máximo que poderá dizer é o seguinte: «em princípio, pode ou não pode.» E porquê, “em princípio”? Porque hoje não há certezas de nada. Por um lado, ninguém sabe se um conselho dado hoje, para a semana tem aplicação; por outro lado, também ninguém sabe se aquilo que está a ler é lido da mesma maneira pelo juiz que vai julgar a questão. Os mesmos factos, com a mesma lei, podem dar origem a duas sentenças opostas.

Aqui há uns tempos instaurei, no mesmo dia e no mesmo tribunal, duas acções em tudo idênticas: o mesmo autor, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Só variavam os réus: um era o vizinho do lado direito e o outro o vizinho do lado esquerdo. A uma acção foi atribuído o número par e à outra o número ímpar, o que fez com que fossem distribuídas a funcionários diferentes. Por esse motivo, enquanto a “ímpar” foi julgada no prazo de 6 meses, a “par” demorou mais de um ano a ser julgada. Acontece que, apesar de ter sido o mesmo juiz a presidir ao julgamento e a responder aos quesitos, a sentença do processo “par” acabou por ser proferida pelo juiz que o veio substituir. Refira-se ainda que os factos dados como provados nos dois julgamentos foram absolutamente idênticos. No entanto, enquanto a sentença do processo “ímpar” deu razão ao autor, a do processo “par” deu razão aos réus.

Ainda hoje, o meu cliente não percebe por que razão ganhou uma acção e perdeu a outra. E eu também não. Em boa verdade, as legítimas expectativas do cidadão nos tribunais estão, hoje, ao mesmo nível das que se depositam nos jogos de fortuna e de azar.

Santana-Maia Leonardo - A Ponte de 25/4/2022

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Uma verdadeira competição pressupõe que cada competidor dê o máximo de si pela vitória (independentemente de poder vencê-la ou não), que os competidores sejam tratados como iguais (independentemente do tamanho de cada um) e que os juízes (lato sensu) sejam imparciais e independentes.

E em Portugal, sejamos claros, faltam todos estes requisitos. A cultura desportiva nunca foi o nosso forte, nem nunca foi incentivada. Como é típico dos batoteiros, valorizamos mais o ganhar nem que seja com um golo com a mão e em fora de jogo, do que a competição e, consequentemente, o mérito. E sem cultura desportiva, tornamo-nos, como é óbvio, permeáveis e condescendentes com todo o tipo de batota e de corrupção.

Pablo Escobar, um dos maiores narcotraficantes, gostava muito de futebol e de ganhar, tal como a maioria dos portugueses. Segundo conta o seu filho, nunca perdeu um único jogo em toda a sua vida, o que tornava a sua equipa no glorioso dos Gloriosos. Importa, no entanto, chamar a atenção para algumas particularidades, ainda que, para a maioria dos portugueses, sejam absolutamente irrelevantes, porque o que interessa, mesmo, é ganhar seja de que forma for. Os jogos em que participava a sua equipa eram sempre arbitrados por Pablo Escobar, que tinha ainda a faculdade de, no decorrer do jogo, poder integrar na sua equipa os melhores jogadores da equipa adversária. Além disso, os jogos só terminavam quando a sua equipa estivesse a ganhar.

Foi certamente nos jogos disputados pela equipa de Pablo Escobar que se inspirou a liga portuguesa. Mas não pode ser este o modelo defendido por um verdadeiro adepto de futebol. A liga portuguesa mantém a estrutura feudal e classista herdada do tempo do fascismo. Com efeito, uma coisa é a diferenciação resultante do sucesso, através de meios próprios e num livre mercado regulado, que é o que acontece em todas as ligas da União Europeia; outra coisa é a diferenciação assente na discriminação existente nas sociedades fechadas e hierarquizadas em castas que impedem a ascensão social das classes de nível inferior. E, na liga portuguesa, como toda a gente sabe, o sucesso das classes mais baixas depende exclusivamente das relações de vassalagem com os senhores feudais que, inclusive, mantêm o direito de pernada sobre os clubes vassalos.

Face ao modelo feudal e classista da liga portuguesa, o modelo defendido pelos adeptos de futebol tem de ser da mesma natureza do modelo defendido pelas forças democráticas do 25 de Abril. Ou seja, o modelo europeu, mais precisamente o modelo inglês, quer quanto à igualdade de tratamento dos clubes, designadamente na comunicação social e no comentário desportivo; quer quanto à centralização dos direitos televisivos e distribuição equitativa das receitas; quer quanto à limitação da inscrição de jogadores; quer quanto às garantias de independência da justiça desportiva e do conselho de arbitragem.

O 25 de Abril ainda não chegou ao futebol português. Mas vai ter de chegar até porque não há democracia liberal sem uma verdadeira e sadia cultura desportiva.

Santana-Maia Leonardo - O Mirante de 22/4/2022

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A autonomização do crime de violência doméstica contribuiu não só para dificultar o combate à verdadeira violência doméstica como também para transformar o homicídio na única saída do agressor.

Por outro lado, a comunicação social também não perde a oportunidade de dar más ideias a gente cega pelo ódio e pelo ciúme, ao divulgar o homicídio dos filhos como a vingança suprema de quem pretende infligir ao seu companheiro a dor infinita.

Com a autonomização do crime de “violência doméstica”, criou-se uma coisa difusa que não se sabe bem onde começa e acaba e onde cabe tudo. A partir daqui, à boa maneira portuguesa, toda a minha gente passou a apresentar queixa por violência doméstica pelas razões mais disparatadas, caricatas e absurdas, muitas vezes com fins puramente vingativos e algumas vezes para obter proveitos indevidos.

Ora, com a multiplicação de queixas, passou a tornar-se extremamente difícil separar o trigo do joio e a sua banalização levou a que os próprios órgãos de polícia criminal as começassem a desvalorizar, tantas são as queixas que se vêm a verificar sem fundamento.

Finalmente, para os casos mais graves, em que o agressor está disposto a matar e a morrer, ninguém pense que é com a ameaça da prisão ou com a GNR que o consegue demover.

Além disso, é quase impossível evitar um homicídio quando o homicida está disposto a morrer. Pelo contrário, uma abordagem precipitada pode despoletar a tragédia.

E a autonomização do crime de “violência doméstica”, pela sua banalização, leva precisamente a que a primeira abordagem seja, em regra, desadequada à situação, na medida em que todas as participações são apresentadas com os mesmos ingredientes, pelo que não é possível fazer, de imediato, a triagem. E, nestes casos, o tempo e a forma de abordagem são factores essenciais.

Santana-Maia Leonardo - A Ponte de 18/4/2022

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