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Alguma coisa está errada numa escola que se apregoa de inclusiva, quando permite que os professores promovam a realização de trabalhos de casa para serem realizados fora do espaço escolar.
Como é óbvio, os trabalhos de casa, efectuados nestas circunstâncias, criam uma situação de profunda desigualdade entre os alunos privilegiados, por natureza, e os alunos oriundos das classes mais desfavorecidas.
Com efeito, quem ajuda, na mesma medida, os filhos dos pais analfabetos ou com a escolaridade básica que trabalham nas feiras, na pesca, nas obras e no campo e/ou que vivem nos bairros sociais, nas zonas marginalizadas ou isolados em lugares no fim do mundo?
Recordo que, nos anos 60/70, a escola era selectiva e os alunos passavam, apenas, 19 a 26 horas por semana na escola, repartidas por seis disciplinas no secundário e nove no básico.
Hoje, pelo contrário, a escola é a tempo inteiro e tem o dever de ser inclusiva. Os alunos passam 35 a 40 horas na escola (pelo menos), repartidas por uma chusma de disciplinas e de actividades a que se perde o conto.
Ora, uma escola a tempo inteiro e com esta carga horária pressupõe, obrigatoriamente, a proibição absoluta de qualquer aluno dali sair com algum trabalho de casa para fazer ou alguma dúvida por esclarecer.
Acontece que a escola portuguesa é uma verdadeira pista de atletismo onde os filhos das classes privilegiadas partem não só com grande vantagem, em relação aos filhos das classes desfavorecidas, como correm numa pista sem quaisquer obstáculos, enquanto a pista onde correm os mais desfavorecidos está atulhada de obstáculos.
Uma escolaridade obrigatória que promove os trabalhos de casa e a necessidade de explicações para tirar as dúvidas sobre as matérias leccionadas subverte, de forma hedionda, o espírito da escola democrática, inclusiva, integradora e a tempo inteiro.
Uma escola com este perfil é uma escola segregacionista que, em vez de funcionar como elevador social, contribui para cavar cada vez mais o fosso entre as classes privilegiadas e as classes mais desfavorecidas.
NOTA: A foto é de uma escola na Finlândia, país considerado com o melhor sistema educativo do mundo.
Santana-Maia Leonardo - A Ponte de 4/4/2022
Comecei a plantar árvores aos 60 anos de idade, bem sabendo que nunca me vou sentar à sombra delas.
Mas tenciono repousar à sombra de uma delas.
Com a entrada do “Chega!” na Assembleia da República, o Parlamento português conseguiu, finalmente, fazer o pleno dos partidos racistas. Desde o 25 de Abril, os únicos partidos racistas com assento parlamentar eram os partidos da capital que tratavam abaixo de cão as etnias alentejana, algarvia, beirã e transmontana, a coberto de uma comunicação social servil e racista que apenas dá voz a quem tem o certificado de residência na capital.
Até Marcelo Rebelo de Sousa, para vir celebrar o 10 de Junho a Portalegre, precisou de trazer atrelado um intelectual lisboeta nascido em Portalegre por não reconhecer num alentejano do distrito, nível suficiente para ler um simples discurso. Lá vão os tempos em que Portalegre tinha indivíduos do gabarito de José Régio… Hoje, se José Régio fosse vivo, tinha de leccionar em Lisboa, sob pena de não ser reconhecido nem em Portalegre.
Ou seja, enquanto o “Chega!” se indigna com uns míseros apoios sociais pagos a algumas minorias, as etnias alentejana, transmontana, beirã, ribatejana e algarvia não só foram espoliadas, pelo Terreiro do Paço, de muitos mil milhões de fundos de coesão da UE destinados a "promover a igualdade real entre os portugueses (...) e o desenvolvimento harmonioso de todo o território nacional", eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo" (artigos 9.º, 81.º e 90.º da Constituição) como esses milhões foram gastos a edificar uma ilha rica, a Região de Lisboa, num mar de pobreza e desigualdade que é o nosso país.
Quando olhamos para a cara dos habitantes das aldeias atingidas pelos fogos, das duas uma: ou os habitantes ficaram sem a sua casa ou, muito em breve, vão ser as suas casas que vão ficar sem os seus habitantes.
Por outro lado, quando ouvimos os especialistas, políticos, catedráticos, comentadores e jornalistas debaterem e argumentarem doutamente sobre a floresta portuguesa e a causa dos fogos, não podemos deixar de constatar que todos eles têm três coisas em comum. Podem ser de direita ou de esquerda, ter nascido em Trás-os-Montes, no Alentejo, nas Beiras ou no Algarve, mas todos são lisboetas (primeira característica comum), sabem que a principal causa dos fogos florestais reside no processo de desertificação do território (segunda característica comum) e nenhum deles faz tenção de deixar de residir em Lisboa (terceira característica comum). Aliás, quando chegam aqui, todos se apressam a dizer que o processo de desertificação é irreversível, receosos, porventura, de que alguém os queira obrigar a sair de Lisboa.
É óbvio que o processo de desertificação é irreversível se, ao contrário do que acontece em todos os países da Europa civilizada, todos os ministérios e secretarias de Estado, todas as direcções-gerais, o Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal Constitucional, o Estado-Maior do Exército e da Força Aérea, etc. etc. estiverem sediados no litoral e, ainda por cima, numa única cidade. Agora experimentem, como eu venho defendendo há mais de trinta anos, recuar todos estes edifícios 100 ou 200 Km para o interior do território, assim como as principais universidades e quarteis militares, e verão se a situação não se altera radicalmente.
Sendo certo que, com a actual rede de estradas e a informática, esta alteração não causaria qualquer transtorno aos cidadãos. Bem pelo contrário, Lisboa ficaria liberta do congestionamento automóvel, da poluição e da pressão urbanística, podendo transformar-se, então, na cidade turística, empresarial, residencial e marítima que o presidente da câmara idealiza, e o país ficava mais equilibrado e mais protegido, designadamente, dos fogos florestais.
A alternativa a esta solução, é deixar arder! Mas, pelo menos, poupem-nos das lágrimas de crocodilo dos senhores de Lisboa que, para além de não ajudarem a apagar os fogos, apenas contribuem para aumentar a revolta de quem aqui vive.
Santana-Maia Leonardo - O Mirante de 1/4/2022