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COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

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O Sebastião nasceu, no meu escritório, no dia 19 de Se­tembro de 2006, fruto de uma relação amorosa não planeada entre a Íris e o Petit, um casal de podengos a que dei abrigo no quintal do escritório, a pedido da minha filha.

Quando o Sebastião nasceu, o seu destino era a adopção, porque já tinha cães que chegassem. No entanto, naqueles três meses que mediaram entre o nascimento e a adopção, criei uma afeição tão grande pelo cachorro que acabei por me deci­dir a ficar com ele.

De todos os cães que tive, foi o único que vi nascer. E o nascimento acaba sempre por nos marcar. Como dizia Aristóte­les, “o princípio é a metade de tudo”. E, como o seu nascimen­to coincidiu com a morte da minha carreira de vinte e seis anos como professor do ensino secundário, para não perder a minha vocação de professor, resolvi assumir a educação do Sebastião, ensinando-o a ler, a escrever e a contar, assim como a fazer aquilo que todo o cão bem formado deve saber fazer, designa­damente, sentar, deitar, ficar, ir buscar, jogar às escondidas, jogar à bola, etc.

O Sebastião teve, ainda, a sorte de crescer com a Fili­pa, uma gata que a minha filha encontrou na valeta junto ao passeio do escritório, poucos dias antes de o Sebastião nascer, tendo ambos passado a ser os meus dois grandes companheiros no escritório.

Sem esquecer que o Sebastião tinha a sua casota coloca­da em cima de uma secretária velha existente na varanda das traseiras e que fazia com que ficasse ao nível da janela do meu escritório. Por isso, sempre que chegava e abria a janela, dava de caras com o Sebastião que, mal sentia a minha presença, se colocava em posição de eu lhe fazer festas ou de saltar para dentro do escritório, caso não tivesse clientes.

No entanto, ainda não tinha um ano, quando me deparei, certo dia, ao chegar ao escritório, com o Sebastião a coxear da pata direita da frente e com um cordel atado ao pescoço. Não havia qualquer dúvida de que alguém, na noite anterior, o tinha raptado e que o Sebastião tinha conseguido libertar-se, reben­tando o cordel, e regressar ao escritório, saltando um muro com mais de 1,80m de altura. Não havia dúvidas de que o cão tinha carácter.

Por mais duas vezes, assaltaram-me o escritório para me roubar os cães. Da segunda vez, levaram-me a Íris que eu aca­bei por conseguir recuperar bem longe de casa. E da terceira vez, levaram-me o Petit, que ainda hoje desconheço o que lhe aconteceu, apesar de todos os esforços e diligências que levei a cabo para o encontrar.

Mas o Sebastião nunca mais deu mão a ninguém. Pelo con­trário, acabou por se tornar agressivo com estranhos. Qualquer pessoa que se aproximasse do escritório, o Sebastião mostrava­-lhe os dentes.

No entanto, apesar de ter muitos cães em casa, acabei por me decidir a levar para lá mais estes dois (o Sebastião e a Íris) para evitar que alguém os tentasse roubar de novo.

Mas não é fácil gerir um quintal, ainda que grande, com muitos cães, alguns dos quais sem grande empatia pelos outros. Com a morte do Claine, do Simba, do Zizou e da Íris, o quintal passou a ser mais fácil de gerir. Em casa, tinha o Paquito e a Kitty Maria e, no quintal, a Vitória e o Tintim, passando o Sebas­tião a viver entre a casa e o quintal, para evitar que se cruzasse com o Tintim.

O Tintim é um Fox Terrier, vivaço e brincalhão, que vive comigo desde Abril de 2010 e que cresceu com a Vitória, uma rafeira alentejana, com quem adorava brincar. Acontece que o Sebastião nunca foi muito dado a brincadeiras e, sempre que o Tintim procurava brincar com ele, o Sebastião atacava-o, vindo sempre a Vitória em socorro do Tintim. E se eu não estivesse presente, não tenho dúvidas de que a Vitória acabava com ele. Por essa razão, o Sebastião dormia em casa, para evitar cruzar­-se com o Tintim sem que eu estivesse por perto.

E, todas as noites, o Sebastião ia comigo para o escritório. Eu ia de carro, enquanto ele aproveitava para fazer jogging. Quando estacionava o carro, o Sebastião já estava à porta do escritório à minha espera. De madrugada, fazíamos a viagem de regresso, no mesmo sistema.

Eu podia levar o Sebastião comigo para qualquer lado, sem trela, porque ele andava sempre ao pé de mim e, quando se queria afastar para dar uma corrida para desentorpecer as pernas, pedia-me sempre autorização. E, mesmo que não sou­besse onde estava, bastava chamá-lo que ele aparecia na hora.

No fundo, o Sebastião era o irmão que eu nunca tive e que gostava de ter tido.

Em 2015, ao contrário do que era habitual, os meus sogros e a minha cunhada vieram passar o Natal a minha casa, em vez de sermos nós a ir passar o Natal a Viseu. Na véspera de Natal, cerca das 17 horas, eu e o meu genro resolvemos ir fazer o nosso per­curso a pé com a duração de uma hora. Como a minha casa estava cheia de gente, acabei por deixar o Sebastião no quintal. Mas saí com aquele aperto no coração, procurando tranquilizar-me com o facto de ser apenas uma hora e estar muita gente em casa pelo que não poderiam deixar de se aperceber, caso os cães brigassem.

Mal cheguei a casa, chamei pelo Sebastião, pela Vitória e pelo Tintim… e não apareceu nenhum. Olho para o lado e, es­tendido no tapete ao pé da porta, estava o Sebastião, imóvel, com o corpo numa chaga contínua. Apesar de ser véspera de Natal, o Sebastião fazia lembrar o Cristo da Sexta-Feira Santa.

Liguei à veterinária, que nos recebeu na hora, e transpor­támos o Sebastião no tapete onde o encontrei. Face ao estado do cão, a eutanásia afigurava-se-me como a única solução. No entanto, a veterinária limpou-lhe as feridas e sugeriu que ficas­se internado para se fazer a avaliação no dia seguinte.

Apesar de não ser crente, passei a noite de Natal a rezar pelo Sebastião. E veio-me à memória o meu pai e a sua cara de sofrimento quando a minha mãe, diariamente, lhe limpava as feridas enormes das pernas. Até que chegou aquela noite de 1 de Dezembro de 1967 em que eu, com nove anos, e a minha irmã, com sete anos, ouvimos, na sala de jantar, o grito da mi­nha mãe que nos deixou paralisados.

Passados uns minutos, chegou a D. Edviges, uma enfer­meira nossa amiga que morava no andar por cima do nosso, e que nos levou para dormir na sua casa. “O vosso pai já está melhor…

Rezei, nessa noite, para que o meu pai ficasse bom. Nesse tempo, era crente e acreditava na força da oração.

No dia seguinte, regressámos cedo à nossa casa onde ape­nas se encontrava o meu tio Armando, na sala de jantar, para nos informar que a minha prece não tinha chegado a tempo. “António, os homens não choram.” E eu não chorei. E, enquan­to fui homem, nunca ninguém me viu chorar.

No dia de Natal, levantei-me também cedo e ansioso para saber como estava o Sebastião e se tinha sobrevivido. No en­tanto, quando cheguei ao consultório da veterinária, encontrei o Sebastião de pé, junto desta. Nem queria acreditar!... “Pode ir dar uma voltinha com ele.

E todos os dias levantava-me ansioso para ir ter com o Sebastião e dar uma voltinha com ele de manhã e outra ao fim da tarde, constatando as suas melhoras diárias e alimentando a esperança de que ele iria conseguir recuperar.

No dia 30 de Dezembro de 2015, o Sebastião parecia mais desenvolto e mais animado, o que fez com que a esperança na sua recuperação ganhasse mais força, apesar de saber que nem sempre é bom sinal. O cisne canta sempre antes de morrer. E, no dia seguinte, véspera de Ano Novo, ao chegar ao consultó­rio para dar mais um passeio com o Sebastião, constatei que o Sebastião, desta vez, não estava à minha espera, como de costume. “Quer levá-lo ou prefere deixá-lo?” Quero levá-lo. Obviamente.

Não me despedi do Sebastião, tal como nunca me cheguei a despedir do meu pai. E, quando estava a abrir a cova junto à palmeira que eu tinha destinado para as minhas cinzas, resolvi sepultar também com o Sebastião tudo o que havia em mim que fosse humano. E, sentado à frente da sua sepultura, chorei como uma criança de nove anos que acabara de perder um dos seus melhores amigos.

Santana-Maia Leonardo - Crónicas dos Bons Amigos e O Mirante de 30/9/2022

29 Set, 2022

Maquiavel e as leis

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Se os portugueses tivessem lido o “Príncipe” de Maquiavel, nem confiariam tanto nas leis, nem estariam sempre a pedir mais leis.

Nos seus conselhos ao Príncipe, Maquiavel foi categórico: "Aos amigos os favores, aos inimigos, a lei."

É por essa razão que, quanto mais exigentes e rigorosas forem as leis, pior para os adversários dos governantes, dos autarcas e das autoridades, em geral, porque os amigos, esses, estão sempre protegidos.

E o povo que elege os governantes pode não ter lido Maquiavel, mas os governantes, mesmo aqueles que o não leram, seguem à risca este seus conselho.

Santana-Maia Leonardo - A Ponte de 26/9/2022

23 Set, 2022

A Íris

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A Íris morreu no dia 29 de Abril de 2014.

Era uma cadela podenga de pêlo cerdoso que apareceu ferida, perto da minha casa, em Março de 2006, na companhia de outro podengo, o Petit, e que viria a ser a mãe do Sebastião, um dos meus melhores amigos, também já falecido.

Na altura, já tinha onze cães, mas a minha filha insistiu tanto para que os deixasse levar para o quintal do escritório, jurando-me que, desta vez, era ela que ia tratar deles, que acabei por aceder, acabando, mais uma vez, por ser eu a tratar deles. É sempre a mesma conversa!

A Íris tem, no entanto, uma história muito peculiar que vão gostar de conhecer.

No dia 28 de Março de 2008, tinha um julgamento na cidade da Maia pelo que tive de regressar de Nova Iorque no dia 27, seguindo directamente do aeroporto de Lisboa para a cidade da Maia. Como tantas vezes sucedia naquele tempo, a viagem foi inglória, porque o julgamento foi, mais uma vez, adiado.

Quando regressava para Ponte de Sor (uma viagem de trezentos quilómetros), recebi um telefonema angustiado da minha filha, informando-me de que a Íris tinha sido roubada e que um vizinho lhe dissera que tinha sido por um cigano no dia anterior.

Importa fazer aqui um esclarecimento. A minha avó paterna morreu, quando o meu pai nasceu, e quem amamentou o meu pai foi a Rita Cigana, a quem o meu pai, enquanto viveu, tratou sempre por Mãe Cigana. Por esse motivo, ainda hoje ando a pagar o leite a prestações.

Acontece que um dos netos da Rita Cigana, conhecido por Gaiulo, já falecido, foi meu amigo de infância. Por isso, pedi à minha filha para me enviar o número do telemóvel dele. Quando recebi o número, liguei-lhe, disse-lhe o que tinha acontecido e ele perguntou-me: “A que horas é que isso foi e como é que era o cigano?

Foi por volta do meio-dia e era um indivíduo alto e de barbas”, respondi.

Então foi o M… da cidade X”, respondeu, de imediato, o Gaiulo (não vou dizer nem o nome do indivíduo nem o nome da cidade da Margem Sul, porque as pessoas ainda estão vivas e não quero estigmatizá-las).

Arranja-me o número de telefone dele”, pedi-lhe.

Passado pouco tempo, o Gaiulo ligou-me e disse-me: “Não consegui o número de telefone dele, mas já falei com o seu irmão que vive na vila Y [uma pequena vila alentejana do distrito de Portalegre], que ligou para o irmão e que este lhe disse que não tinha lá a cadela”.

Dá-me lá o número do irmão.”

Tudo isto ia acontecendo, recordo, em plena viagem Maia – Ponte de Sor. Liguei para o tal irmão e, depois de me identificar, disse-lhe: “Diga ao seu irmão que eu vou a caminho do acampamento dele buscar a cadela.”

Já falei com o meu irmão e ele disse-me que não tem lá a cadela.”

Diga ao seu irmão que, se ele não tiver lá a cadela, quando eu lá chegar, vai ser pior para ele, porque vai passar a ter rusgas todos os dias, pode ter a certeza.”

Isso é uma declaração de guerra à minha família”, disse-me.

A cadela é da minha família”, respondi-lhe e desliguei-lhe o telefone.

Entretanto pedi à minha filha para ligar para o posto da PSP da tal cidade da Margem Sul e enviar a foto da cadela. Quando estava a chegar à tal cidade da Margem Sul, recebi um telefonema da PSP a informar-me de que já lá tinham a cadela. Segundo os agentes da PSP, que recolheram a cadela no acampamento, foi-lhes dito que não sabiam como a cadela lá tinha ido parar.

O senhor quer apresentar queixa?”, perguntaram-me.

Claro que não. O mais provável era a cadela ter vindo ver a família.

Com efeito, se a cadela era da minha família, também era da família deles por afinidade de leite.

Concluindo: tudo está bem, quando acaba bem. E depois de um desvio pela Margem Sul, pude finalmente regressar a casa com a minha amiga Íris.

Santana-Maia Leonardo - "Crónicas dos Bons Amigos" e O Mirante de 21/9/2022

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Qualquer observador não pode deixar de constatar que Portugal não é uma verdadeira democracia. O que caracteriza uma verdadeira democracia não é ter diversos partidos, mas partidos que exprimam diversidade e apresentem soluções diferentes para os mesmos problemas. Ora, em Portugal, existe apenas um único partido: o PS com os seus anexos, ou seja, o PS-A, o PS-B, o PS-C e o PS-D.

Todos sabemos que o dinheiro é um bem escasso e, em tempo de crise, é necessário fazer escolhas sobre os cortes na despesa. Aquilo que se esperava do maior partido da oposição é que apresentasse um plano de reformas estruturais, designadamente, da Administração Pública (extinguindo e deslocalizando serviços e criando novas centralidades), das autarquias locais (extinguindo autarquias, dando dimensão aos municípios e equilibrando o território), da Educação (extinguindo disciplinas, criando um novo conceito de turma, acabando com as reprovações no ensino obrigatório e aumentando o grau de exigência na avaliação de alunos e professores), com vista a racionalizar os serviços e a libertar recursos.  

No entanto, a estratégia do PS-D é igualzinha à do PS, quando está na oposição. Por um lado, critica o PS por cortar nas pensões, em tempos de crise, tal como fez o PSD quando esteve no Governo no tempo da troika; e, por outro, defende mais subsídios e apoios sociais, ou seja, mais despesa pública e mais dinheiro que é precisamente aquilo não há.

Em Portugal, não vale a pena haver eleições, porque, seja qual for o resultado, nada de substancial muda, nem na forma de governar, nem forma de fazer oposição. Sendo certo que isto corresponde precisamente à vontade da maioria do povo português que gosta muito de criticar nas mesas do café e nas redes sociais, mas, na hora da verdade, escolhe sempre quem lhe garanta que nada muda.

Santana-Maia Leonardo - A Ponte de 19/9/2022

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