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COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

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Quando era pequeno era muito maior do que todos os meus companheiros de escola. Além disso, era muito magrinho e tinha uma cabeça muito grande. Ou seja, tinha um vasto leque de atributos que permitia uma grande variedade de alcunhas.  Em casa, o meu avô e o meu pai chamavam-me “lingrinhas” ou “trinca-espinhas”. Para a minha avó, era um “pau-de-virar-tripas”. E, na escola primária em Setúbal, os meus companheiros chamavam-me “girafa”, “escadote”, “cabeçudo” ou “palito”.

Quando vim para a escola primária em Ponte de Sor, deixaram de me chamar “cabeçudo”, porque a alcunha já tinha dono, uma vez que havia um aluno que tinha uma cabeça maior do que a minha. E no Colégio La Salle, os meus melhores amigos eram o Gordo Courinha, o Caixa-de-Óculos e o Cabeçana.

É evidente que nem eu, nem os meus amigos, gostávamos das alcunhas que nos iam colocando, se bem que adorássemos colocar alcunhas aos outros. E, se algum se chateasse com a alcunha que lhe pusessem, já não se livrava dela.

Uma das razões de eu ter sido alvo de uma grande variedade de alcunhas foi precisamente nunca ter demonstrado que elas me chateassem, mesmo quando chateavam.

E a verdade é que este mundo cruel das alcunhas da minha infância tornou-me mais rijo, ajudou-me a aceitar e a superar as minhas imperfeições físicas e moldou-me o carácter. “A vida só é dura para quem é mole”.

No entanto, pior do que as alcunhas por razões físicas, eram as alcunhas por razões de carácter: “coninhas”, “graxista”, “lambe-botas”, “queixinhas”…

Acontece que a minha geração cometeu um erro civilizacional que se está a revelar trágico. Pariu, educou e criou uma geração de “coninhas” que, neste momento, governa o mundo, legisla e nos controla o dia a dia, farejando e vasculhando os nossos pensamentos mais íntimos, os nossos gestos e todas as palavras que dizemos ou escrevemos com intuitos persecutórios. Um simples olhar ou uma pequena palavra, que não se enquadre no espartilho dogmático da sua bíblia pseudo-científica, é o suficiente para sermos exibidos em público como hereges e lançados na fogueira. Para quem não saiba o que é um “coninhas”, eu explico. Um “coninhas” é um cagalhão com dois olhos. É tão repugnante que nós nem o podemos pisar, porque ficamos todos sujos e a cheirar mal.

E esta geração de “coninhas”, na sua imensa ignorância com pretensões de cientificidade, comporta-se como os pais de “A Bela Adormecida” que, para evitar que a sua filha se picasse aos dezasseis anos, mandaram queimar todos os espinhos do reino. Se tivesse lido a história, teria aprendido que a estratégia dos pais de “A Bela Adormecida” de colocar a sua filha numa redoma de vidro totalmente asséptica foi errada. Quem cresce num mundo sem espinhos acaba sempre por se picar. É dos livros. Dos livros do meu tempo.

Santana-Maia Leonardo - O Mirante de 21/4/2023

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Tenho um neto que tem precisamente a mesma ambição que eu tinha com a idade dele: ser jogador de futebol. Acontece que, quando eu tinha a idade dele, ou seja, nos anos de 1960, ser jogador de futebol era uma profissão que nos estava vedada.

Os nossos pais nem queriam ouvir falar disso. Jogar à bola era a nossa ocupação de tempos livres, com balizas feitas com pedras e num sítio qualquer, longe das vistas dos nossos pais.

Acontece que o mundo mudou muito. E, hoje, ser jogador de futebol não é só a ambição de qualquer criança, mas também a ambição dos seus pais. E os pais não se contentam com pouco. Vêem nos seus filhos Cristianos Ronaldos em potência e, como se isso não bastasse, querem que os treinadores de formação dos seus filhos, em vez de os formarem, os tratem como se fossem verdadeiras estrelas.

A maioria dos pais devia ser proibida de assistir aos jogos dos seus filhos. Toda a gente se lamenta hoje da falta de educação das gerações mais novas. No entanto, o que eu constato é que as gerações mais novas estão a ser vítimas da geração dos seus pais que devia ter a responsabilidade de as educar e, em vez disso, as deseduca.

Santana-Maia Leonardo - A Ponte de 24/4/2023

21 Abr, 2023

Deixa de ser burro!

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Até Otelo Saraiva da Carvalho, numa das suas últimas entrevistas, já tinha saudades “de um homem com a inteligência e a honestidade de Salazar” capaz de sacar Portugal do atoleiro de corrupção em que a nossa democracia o mergulhou. A história de Portugal é uma ditadura contínua com alguns intervalos de selvajaria absoluta, a que se convencionou chamar “democracia”, para que o povo volte a ganhar saudades de ser governado por um ditador.

Ora, o que nós precisamos não é de um homem com a inteligência e a honestidade de Salazar, mas de cidadãos que valorizem a honestidade e a inteligência, sem complexos, amem a liberdade, o que significa ser responsável, e cultivem o respeito pelos outros e pela diversidade. Ditadores e pastores é precisamente aquilo que nós não precisamos, sejam eles inteligentes ou estúpidos. É precisamente aqui que reside a diferença entre o Homem e a ovelha: enquanto a ovelha procura um pastor que a guie, o Homem busca a Liberdade. "Ser homem é ser livre. Tornarmo-nos verdadeiros homens, esse é o sentido da História." (Jaspers)

E já vai sendo tempo de os portugueses tirarem as palas dos olhos e deixarem de tirar água à nora. Quase 50 anos depois do 25 de Abril, a esmagadora maioria dos portugueses continua amarrada à nora e a ver o mundo a preto e branco: direita/esquerda, Benfica/Sporting, comunistas/fascistas, Norte/Sul. Não admira, por isso, que os portugueses vão sempre parar ao mesmo sítio. É esse o destino do burro que tira água à nora.

Como disse Laborinho Lúcio, «na complexidade da vida não sou o preto ou o branco, sou preto, branco, amarelo, verde e, no momento de escolher, vou buscar a cor que naquele momento se impõe.»

Ao contrário da esmagadora maioria dos portugueses que conheço, não tenho nenhum brinco de identificação na orelha, que me tivesse sido posto à nascença ou na infância, fosse ele do Benfica, do Sporting, dos Católicos ou da Mocidade Portuguesa. Eu não nasci ovelha de nenhum rebanho. Nasci livre.

Como escreveu Miguel Torga, “Ser livre não é um dote, é um dom”. Só estou vinculado à minha consciência. E se gosto de participar em debates acesos em que defendo com entusiasmo as minhas convicções, o meu principal objectivo não é convencer o oponente da minha razão, mas desafiá-lo a convencer-me de que eu estou errado. E, se me convencer, eu mudo de opinião de imediato. Como dizia André Gide, “confia nos que procuram a verdade, mas desconfia daqueles que a encontram”.

Santana-Maia Leonardo - O Mirante de 21/4/203

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