ESTE CALDO É O ESTADO
O caldo da portaria não acabou. Não é já como outrora uma multidão pitoresca de mendigos, beatos, ciganos, ladrões, caceteiros, carrascos, que o vai buscar alegremente, ao meio-dia, cantando o Bendito; é uma classe média inteira, que vive dele, de chapéu alto e paletó.
Este caldo é o Estado. A classe média vive do Estado.
A velhice conta com ele como condição da sua vida. Logo desde os primeiros exames no liceu a mocidade vê nele o seu repouso e a garantia da sua tranquilidade (…)
A vida militar não é uma carreira, como se compreendia outrora, é uma ociosidade organizada por conta do Estado (…) A própria indústria faz-se proteccionar pelo Estado (…)
A imprensa até certo ponto vive também do Estado. A ciência depende do Estado.
O Estado é a esperança das famílias pobres e das casas arruinadas; é a ocupação natural das mediocridades; é o usufruto da burguesia.
Ora como o Estado, pobre, paga tão pobremente que ninguém se pode libertar da sua tutela para ir para a indústria ou para o comércio, esta situação perpetua-se de pais para filhos como uma fatalidade.
Isto foi escrito em 1871 (repito: 1871) por Eça de Queirós, em As Farpas.
E como vêem continua tudo na mesma. Nem com a troika vamos mudar.
O Estado está-nos no sangue. Só se nos matarem...
Mas tem de ser o Estado a pagar o funeral.