É PRECISO ACABAR COM O REGABOFE
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Paulo Morais fala da corrupção e de como a AR é hoje um megacentro de negócios
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A sensação de falar meia hora com o ex-número dois de Rui Rio e membro da Transparência e Integridade é como um murro no estômago. Diz que o nosso Estado e política estão minados por interesses económicos e empresariais. (...)
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- Porque é que entendem que o risco de corrupção é elevado?
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- Nas questões que envolvem muito dinheiro, a tentação da corrupção está sempre presente. E os níveis de corrupção em Portugal têm vindo a crescer, como mostram os indicadores internacionais. Nos últimos dez anos descemos dez lugares no ranking da perceção que o mundo tem sobre a corrupção em Portugal. (...)
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- A legislação portuguesa anticorrupção é má e funciona mal?
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- Conhece alguém condenado por corrupção? Não há ninguém. É evidente que os mecanismos não funcionam. E, ao nível das causas, não tem sido feito trabalho nenhum nas áreas mais relevantes, como o ordenamento, o ambiente, o urbanismo e a Defesa. A legislação produzida sai dos grandes escritórios de advogados, com leis feitas para não se perceberem e muitas exceções para se favorecerem amigos. Ao mesmo tempo, confere-se enorme poder discricionário a quem aplica a lei. Os escritórios de advogados fazem disto um manancial: fazem a legislação, os pareceres a explicar a legislação e, pior, ainda vendem aos privados a forma de fugir à legislação que eles próprios produziram.
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- O novo Governo está a olhar para o assunto de outra forma?
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- Tenho esperança que sim. Até aqui, os instrumentos que o Estado tem apresentado têm sido ineficazes e contraproducentes. A Assembleia da República (AR) fez uma comissão de combate à corrupção cheia de deputados com negócios. O seu presidente, Vera Jardim, era presidente de um banco. Dali não poderia sair nada de significativo. Este Governo comprometeu-se a criar uma agência de combate à corrupção.
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- E o Governo quer avançar com a criminalização do enriquecimento ilícito. Concorda?
- Sim, é uma boa medida.
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- Mas se o enriquecimento é ilícito já é crime, para quê uma lei nova?
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- A lei atual permite que uma pessoa tenha dinheiro e não consiga provar a sua proveniência. Agora, passa a ser o ator político a ter de explicar de onde lhe vem o dinheiro. Enriquecer sem justificação passa a ser ilícito. É preciso acabar com este regabofe, em que a política se transformou numa megacentral de negócios.
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- Porque é que falam dos políticos em geral e não apontam nomes? Quem são esses deputados e governantes?
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- Tenho escrito nos últimos três anos e tenho dado um conjunto de nomes. Quando falo da megacentral de negócios tenho citado nomes como a Mota-Engil, que no conselho de administração tem Jorge Coelho, Valente de Oliveira, Lobo Xavier, Rangel de Lima. Olhe-se para as empresas concessionárias das SCUT. Temos lá os deputados José Lello e Couto dos Santos… e podia estar a citar nomes a manhã toda. Os nomes todos não chegavam para um jornal, era preciso um livro.
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- Falam muito da necessidade de transparência. Que se pode fazer?
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- A nossa organização, por exemplo, está a construir um portal que irá permitir o acesso a informação sobre a vida patrimonial dos políticos, mas também sobre os contratos do Estado.
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- Fica-se com a ideia de que os concursos públicos são viciados, pelo que os senhores escrevem.
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- E são. A contratação pública é muito pouco clara. Muitas vezes os regulamentos são tão impercetíveis que dificilmente podem ser escrutinados. Qualquer estratégia de combate à corrupção tem de obrigar a simplicidade e clareza nesta matéria. Há um caso muito sensível que é a Defesa: já há pessoas presas na Alemanha acusadas de subornarem portugueses e cá nem sequer sabemos quem são os portugueses.
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- Se mandasse, qual era a primeira coisa que fazia em Portugal?
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- Ao nível parlamentar, revogava toda a legislação que envolva negócios com o Estado. As leis são tão complexas que são o ovo da serpente. Criava um grupo de gente séria que limpasse a legislação de todos os fatores de discricionariedade. Exemplo: um plano diretor municipal em Lisboa tem centenas de páginas, em Munique tem uma. Com legislação muito simples é muito mais difícil haver venda de favores. Agora, se o problema tem de ser resolvido no Parlamento e é aí que estão os escritórios de negócios…
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Expresso | sábado, 23 Julho 2011