19 Fev, 2009
O CANTO DA SEREIA
por António Belém Coelho
Durante os últimos meses, quando todos sabíamos que a crise já estava, as sereias teimaram em cantar-nos a música do mal menor, com a letra a dizer que seríamos marginalmente atingidos e mesmo que 2009 seria um bom ano para os Portugueses! Há dias, a realidade encarregou-se de demonstrar a falsidade do canto, constatando uma quebra de 2% do PIB Português no último trimestre do ano passado, mais do dobro das piedosas convicções governamentais, o que nos põe ao nível dos piores desempenhos no nosso espaço.
Um dos últimos cantos da sereia é a de tirar deduções em impostos aos ricos para aliviar os da classe média. Mais uma vez a realidade é cruel para as sereias: para além da bondade da definição de rico, que, pelos vistos, parece estar à volta de um rendimento mensal bruto de 5000 euros, colocam-se vários problemas. O primeiro é a de o número de contribuintes nessa situação de rendimento com declarações entregues excede em pouco os trinta mil. O segundo é que as deduções permitidas, já são tão parcas, que qualquer redução das mesmas pouca folga produzirá. O terceiro é que essa folga distribuída por todos os agregados considerados classe média e que certamente ascenderão a números superiores a um milhão, nada dará de concreto. Por último, a convicção de que quem é mesmo rico, e até agora tem sabido escapar, de forma mais ou menos legal ao sistema, continuará a fazê-lo, não sendo minimamente incomodado com a situação.
Pois, só cai no canto da sereia quem quer mesmo cair e abdica de pensar por si próprio. E cuidado, porque com a proximidade de tantas eleições, europeias, legislativas e autárquicas, muitas sereias ouviremos cantar, desde sereias nacionais a sereias mais locais. Também por cá já as começamos a ouvir. Não amarremos a nossa vontade e juízo próprio, não tapemos o nosso raciocínio. Ouviremos e concluiremos.