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COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

José Manuel Fernandes - Público de 31/8/12

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Não há nada como os problemas baterem à nossa porta para mudarmos de opinião. Até há uma semana não havia jornalista que não fosse contra as "corporações" e não se manifestasse indignado com as "rendas". Desde que começou a ser discutido o futuro da RTP percebemos que, afinal, as corporações que os indignavam eram as outras e as rendas que os amofinam são aquelas de que não são beneficiários. E o pior é que muitos parecem estar a reagir como uma tribo, sem sequer pensar. (...)
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A RTP era uma empresa falida, arruinada, mal gerida e com défices galopantes. Foi então reestruturada contra ventos e marés e a sua situação estabilizou. Mas o preço dessa estabilização foi elevado: nos últimos dez anos, de 2003 a 2012, a RTP custou aos portugueses, via taxa ou via impostos, 3,77 mil milhões de euros. Quase dois anos de subsídios de férias e Natal da função pública e dos pensionistas. Há quem ache isto um grande sucesso e diga que a empresa deu "lucros" nos últimos dois anos. Teria graça se não fosse trágico. Isto é muito, mas mesmo muito dinheiro, sobretudo se pensarmos que entretanto a RTP deixou muito a desejar no que respeita à prestação de serviço público e perdeu quase metade da sua audiência. (...)

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Não sou capaz de discutir cenários que não conheço. (...) Mais uma vez penso que todos ganharíamos se o Governo expusesse com mais clareza os seus cenários e divulgasse os seus estudos. Ganharíamos mesmo sabendo que haverá sempre quem apenas defenda o status quo, pois o contribuinte paga e o espectador é manso.

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O que posso discutir é outra coisa: quais os pontos de partida para a discussão.

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O primeiro é que a RTP não pode continuar a ser vista como uma "vaca sagrada" criada para a eternidade. Independentemente do valor de muitos dos seus profissionais, e da evolução positiva dos últimos anos, há lá muitos vícios entranhados que, porventura, só se extirpariam extinguindo a empresa e criando uma nova ao lado. Quem está no sector, e até na RTP, sabe que é assim, mas ninguém o diz alto. Eu digo.

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O segundo é que todos beneficiaríamos se o Estado estivesse menos presente neste sector, como todos beneficiámos quando o Estado reprivatizou jornais e rádios e permitiu o aparecimento de televisões privadas (na altura os mesmos que hoje prevêem um desastre anteviram um cataclismo). Tudo o que diminuir o espaço para interferências políticas é positivo, sobretudo num país com os maus hábitos de Portugal.

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O terceiro é que a democracia exige pluralismo e transparência na propriedade dos órgãos de comunicação social, requer empresas sustentáveis e que não se movam por interesses obscuros, pelo que qualquer medida do Governo que modifique as condições de funcionamento do mercado tem de ter em consideração a fragilidade extrema do actual tecido empresarial e a opacidade associada a alguns apetites que por aí rondam.

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Não fossem estes últimos factores e defenderia a privatização total de RTP, com subconcessão em concurso aberto a todos do serviço público. (...)