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COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

José Manuel Fernandes - Público de 19-4-2013

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(...) A leitura de um livro recente - Euro Forte, Euro Fraco, de Vítor Bento - veio reforçar esta minha desconfiança. O que este economista - e membro do Conselho de Estado - nos mostra é que os problemas do euro são muito mais profundos, talvez impossíveis de resolver.

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Vítor Bento começa por nos recordar que existiam na Europa pré-euro duas tradições económicas, resultantes de preferências sociais dominantes e que se traduziam em políticas monetárias contraditórias. Num grupo de países do Sul (Irlanda, Itália, Espanha, Portugal e Grécia) a inflação média no período 1970-98 situou-se entre os 8% e os 14%; num outro grupo de países do Norte (Alemanha, Áustria, Holanda e Bélgica), a inflação média anual no mesmo período ficou em redor dos 4%. Isso fez com que, nesses quatro países, as suas moedas pré-euro se tivessem valorizado fortemente na sua relação com as moedas dos países com inflações elevadas. O economista parte desta constatação para definir dois grupos, um de "euro forte", outro de "euro fraco".

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Enquanto houve moedas nacionais, e os países mais tolerantes à inflação puderam desvalorizar as suas moedas, a opção por uma estratégia de moeda forte ou por uma estratégia de moeda fraca revelou-se neutra em termos de crescimento económico. Quando, porém, países com uma tradição tão diferente se viram juntos numa mesma moeda, com uma taxa de câmbio fixa, inflação e juros baixos, o efeito foi terrível. A generalidade dos países do Sul não conseguiu adaptar-se à nova realidade, apanharam quase todos uma espécie de "bebedeira de juros baixos", endividando-se de forma irresponsável para alimentar o consumo irrestrito e investimentos desastrosos.

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O que isto significa é que a chamada "crise das dívidas soberanas" não é apenas uma crise passageira ou de governança da Europa, é antes uma crise sistémica, porventura fatal, de um sistema monetário construído contra a realidade e a cultura económica de boa parte dos países que a ele aderiram. Para esses países, entre os quais Portugal, o euro criou primeiro uma ilusão de facilidade e prosperidade que, depois, conduziu a uma prisão sem saída possível. Essa prisão faz lembrar, em muitos aspectos, o "padrão ouro" que vigorou nos anos 20 e 30 do século passado e contra o qual Keynes tanto se bateu. Com uma diferença: era possível abandonar o "padrão ouro", mas ninguém sabe como se desfaz a casa do euro.

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O argumento de Vítor Bento é, a meu ver, mortal para o modelo vigente de moeda única. A conclusão a que chegamos é lapidar: não é possível reunir sob o mesmo tecto, neste caso o mesmo regime monetário, países tão diferentes como a Alemanha e a Itália, ou a Holanda e Portugal. É um casamento condenado ao desastre e a acrimónia a que assistimos não é senão um sinal de que o divórcio é inevitável e pode ser muito feio, trágico mesmo. (...)

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