Pedagogia sobre a fiscalização preventiva
Paulo Rangel - Público de 29-10-2013
(...) Nenhum Presidente está constitucionalmente obrigado a requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade de qualquer norma. Trata-se de uma pura faculdade, que pode exercer ou não. Tanto mais que a própria Constituição prevê que possa requerer essa fiscalização a posteriori.
A Lei Fundamental deixa, portanto e por inteiro, ao juízo político do Presidente - caso, no seu entendimento, subsistam razões para recorrer ao Tribunal Constitucional - o momento e a oportunidade em que o deve fazer. Nada o vincula, nada o compele. A recusa em recorrer preventiva ou antecipadamente à jurisdição constitucional não configura nenhuma violação da Constituição ou do dito múnus de Defensor da Constituição.
É, por isso, totalmente destituída de sentido e cabimento a afirmação, agora quase banal, de que o Presidente, ao não accionar a fiscalização preventiva de uma lei, incumpre o seu dever de defender a Constituição. Ao não pedir a fiscalização preventiva, seja porque entende que não há motivos, seja porque não lhe reconhece oportunidade, o Presidente não defrauda a Constituição. O Presidente aplica e limita-se a aplicar a Constituição: fá-lo a justo título, precisamente enquanto garante político da Lei Fundamental. É ela que lhe confere esse poder livre e que o faz precisamente atendendo à sua função defensora.
De outro modo, cairíamos no ridículo de exigir a fiscalização preventiva obrigatória de todas as normas, de modo a termos a garantia solene de que não entravam em vigor no ordenamento nenhumas disposições inconstitucionais. O que não só seria impraticável e absurdo como poria em causa a própria essência da democracia, empurrando-nos para um perigosíssima "república dos juízes".
Acresce que, como muito bem sabem os constitucionalistas - alguns dos quais têm, mesmo que involuntariamente, caucionado esta deriva "protojudicialista" -, a circunstância de o Tribunal Constitucional não considerar uma norma inconstitucional em sede preventiva não afasta a hipótese, de mais tarde, e num outro contexto, ela vir a ser declarada inconstitucional. Ou seja, nem sequer com uma garantia absoluta de pureza das normas fiscalizadas nós poderíamos viver. (...)