A hora para Paulo Portas sair de cena
Manuel Carvalho - Público de 28-12-2014
Há crimes arquivados que não salvam os suspeitos de condenações políticas e Paulo Portas sabe disso melhor do que ninguém. O que ele faria nos tempos de O Independente se lhe chegasse às mãos um despacho como o que engavetou o nebuloso processo dos submarinos, não é difícil de imaginar. Mas como desta vez é ele quem está no centro do furacão por ser responsável, no papel de ministro da Defesa, por “ilegalidades administrativas”, por negociações “opacas”, pela “celebração de um contrato substancialmente diverso do adjudicado pelo Conselho de Ministros” ou por ter participado na introdução de uma contrapartida de valor “muitíssimo significativo” que “nem sequer foi objecto de qualquer relatório de avaliação”, é muito provável que assobie para o lado. O estrondo do texto dos procuradores, porém, é irrevogável e não se silencia com um simples sopro de ar. (...)
Se o país está a mudar como muita boa gente acredita, deixará de haver lugar para zonas cinzentas como as que Portas protagonizou nos submarinos. A condescendência perante anos e anos de abusos de poder, de contratos lesivos para o Estado e de negociatas rendosas para os bolsos de alguns ou para os cofres dos partidos, acabou. O nojo colectivo com o BES ou o estado de alarme causado pela detenção de José Sócrates certificaram na opinião pública a existência de um pântano moral que cresceu com o dinheiro fácil da Europa e com o despesismo do Estado. (...)
Mesmo aplicando todas as margens de segurança que se exigem a um julgamento na opinião pública, a crueza dos factos é demasiado evidente para que Portas seja merecedor do grau de confiança que qualquer candidato a cargos públicos tem de merecer. Ele exorbitou do mandato de negociador que lhe foi atribuído, ele foi cúmplice na negociação de compensações que acabaram, via Escom, no bolso de banqueiros ou em parte incerta, ele foi responsável pela história das contrapartidas, ele é recordado por ter levado para casa centenas ou milhares de documentos quando deixou o Ministério. São empenhos a mais num caso tão nauseabundo.
Paulo Portas tem por isso razões de sobra para saber que jamais sobreviverá incólume aos ataques que o esperam. O despacho de arquivamento deixou escrito num papel com a chancela da Justiça que ele não agiu como se exigia a um ministro de Portugal. Fez dele uma menos-valia, uma companhia que traz mais problemas que vantagens.(...)
A sua presença na política lembrará sempre um passado de facilitismo e irresponsabilidade que ajudou a empurrar o país para a falência. A bem da decência e da transparência, está na hora de mudar de vida, por muito que receie ver o “seu” partido tornar-se um apêndice do PSD, por muito que lhe custe ver-se incluído no rol dos que, como Sócrates ou Ricardo Salgado, se tornaram os símbolos do ajustamento ético em curso no país. Quem fez o que fez no caso dos submarinos já não tem nada a fazer no país. A não ser alimentar as “nuvens negras” que Passos Coelho acredita terem desaparecido do país neste final de ano.