A rodela de chouriço
Hoje é ponto assente para o homem comum que os políticos são todos uns aldrabões e que só querem tacho. Todavia também é verdade que a seriedade e a honestidade não são qualidades que os eleitores valorizem num político. Antes pelo contrário. Não é, pois, de admirar que indivíduos condenados, indiciados ou envolvidos em casos de corrupção, favorecimento pessoal ou abuso de poder continuem a ganhar categoricamente as eleições. Ou seja, a falta de honestidade dos políticos (de que os portugueses tanto se queixam) é fruto, afinal, de uma escolha consciente desses mesmos portugueses que consideram, no fundo, a falta de honestidade uma qualidade essencial para um político poder exercer condignamente o cargo para o qual foi eleito. Daí a expressão tantas vezes ouvida, relativamente a pessoas que a opinião pública tem por sérias e honestas: «o senhor é demasiado sério para ser político».
Tudo isto tem uma razão de ser. Num país onde toda a gente sobrevive à conta de cunhas, subsídios e favores, todos têm a consciência do perigo que seria serem governados por alguém que fosse sério. Lá se ia o emprego da filha, o subsídio da agremiação e a adjudicação da obra. Todos sabem na aldrabice em que vivemos. Mas poucos conseguem imaginar-se a viver num mundo diferente.
Para já não falar do estafado argumento da obra feita com que se quer justificar o voto num político menos escrupuloso. Como se, com tantos milhões de euros de fundos comunitários, alguém pudesse não ter feito nada. Neste campo, a questão deveria ser outra: saber se a obra se justifica, se está adequada aos seus destinatários e potenciais utilizadores e se é proporcional ao dinheiro que custou.
Mas qual é o eleitor que se preocupa se o dinheiro que se gastou no estádio, na rotunda ou na piscina dava para fazer três estádios, três rotundas e três piscinas? Ou com o mamarracho que lhe espetaram na rotunda à porta de casa? Para o povo, o que interessa é que o estádio, a rotunda e a piscina estão feitos. Quanto ao seu preço, ninguém se preocupa com isso. E se o político e a sua rede de amigos se abarbataram com algumas centenas de milhares de euros, pouco importa… O que interessa é que a obra está feita.
Acontece que tudo isto é pago com dinheiro dos portugueses. O dinheiro que esta gente mete ao bolso é dinheiro nosso. O dinheiro gasto na obra inútil, desnecessária e no mamarracho é dinheiro nosso. O dinheiro desbaratado em subsídios, almoços, viagens e electrodomésticos distribuídos ao domicílio é dinheiro nosso. É isto que os portugueses não conseguem entender. Porque ganham pouco ou estão desempregados ou beneficiam de algumas migalhas deste esbanjamento de dinheiros públicos, os portugueses são absolutamente indiferentes à forma como os políticos derretem o nosso dinheiro.
Dizia Pacheco Pereira, outro dia, ao meu lado, numa acção de campanha: «um português que nasça neste momento já deve 15 mil euros». E eu olhava para a plateia e apercebia-me do que ia na cabeça daquela gente: «Eu já estou a dever tanto e a tanta gente que mais ou menos 15 mil euros pouca diferença faz» ou «que me interessa a dívida do Estado se não sou eu que a vou pagar? Eu até só ganho o salário mínimo…»
Os portugueses não percebem (ou não querem perceber) que a sua miséria resulta precisamente da forma como quem nos governa desbarata os recursos que são de todos nós. Se os portugueses valorizassem mais a seriedade na actividade política, hoje haveria menos obras faraónicas ou inúteis, menos cunhas e menos subsídios, mas viveríamos todos muito melhor e a diferença entre pobres e ricos não seria seguramente tão grande.
Infelizmente, a maioria dos nossos eleitores vende-se por uma rodela de chouriço, seja sob a forma do subsidiozinho para a sua associação, seja sob a forma do emprego para o filho ou de um penachozito qualquer, seja sob a forma do electrodoméstico e das telhas para a sua casinha, seja sob a forma do perdão da coima ou da construção do muro… Os nossos políticos fazem tão bem ao povo com o dinheiro que todos os dias lhe roubam que é de partir o coração!
Moral da história: quem se vende por uma rodela de chouriço acaba sempre por ter de pagar o porco.
Setembro de 2009