A verdadeira causa da vitória do Syriza
Rui Ramos - Observador de 29-1-2015
(...) O euro arrancou como um projecto político, indiferente às realidades financeiras e económicas dos países: o que importava era “integrar” a Europa, incluindo países que todos sabiam não estar preparados, como a Grécia. Para justificar este voluntarismo, acreditou-se que a moeda única, só por si, iria provocar o ajustamento e harmonia das economias europeias. No caso dos países do sul da Europa, entregues à inflação, os crentes do euro esperaram que uma moeda independente dos governos iria impor disciplina aos Estados e obrigar empresários e trabalhadores a combinarem-se para competir nos mercados globalizados através da produtividade, e não da desvalorização monetária.
Como sabemos, não foi assim. É que antes de todas as virtudes, o euro trouxe juros baratos, o que, no sul da Europa, permitiu aos governos e aos cidadãos passarem a viver confortavelmente de dívidas. Os Estados cultivaram défices, os empresários aninharam-se na construção civil, e os consumidores, coitados, sujeitaram-se mansamente a ser vítimas da “ganância dos bancos”. Foi o tempo da segunda casa e da terceira auto-estrada.
Quando tudo finalmente ruiu, em 2010-2011, a prioridade foi ainda defender o euro e a integridade da sua “zona”. Tentou-se então fazer à pressa, através de “memorandos”, tudo o que não tinha sido feito durante dez anos: os ajustamentos e a harmonização das economias. A isso se chamou “austeridade”.
O colapso dos preços do petróleo inspirou, entretanto, novos planos. A ideia é agora usar o euro para supostamente reanimar as economias europeias, através de uma espécie de imitação do “alívio quantitativo” dos americanos. Ninguém sabe exactamente como funcionará, nem se funcionará. Diz-se que a receita terá feito maravilhas nos EUA. No Japão, porém, parece que não. O que nos devia levar a desconfiar que, muito provavelmente, o dinheiro, só por si, não resolve tudo.
Economias como a de Portugal ou a de Itália deixaram de crescer desde a década de 1990, e não foi por falta de crédito. Se o dinheiro barato, nos anos de ouro da economia mundial, só serviu para se endividarem, como é que será diferente agora? Na sua violenta crítica da “política de austeridade”, o governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney, mencionou as condições em que o “alívio quantitativo” funcionou na Grã-Bretanha: entre outras, uma “economia aberta e flexível”. É assim que se pode descrever a economia grega ou portuguesa? Mais: é esse tipo de economia que os críticos da “austeridade” na Grécia ou em Portugal desejam estabelecer? Não parece.
Um dia, compreenderemos finalmente que o euro não é a causa dos nossos problemas, e também não é a solução.