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COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

José Pacheco Pereira - Público de 29-11-2014

(...) No livro que publiquei sobre os “dias do lixo” não os comecei por Passos Coelho, Relvas, Gaspar e companhia, mas pelos últimos anos de José Sócrates. Foi aí que começaram os “dias do lixo”. No dia 16 de Outubro de 2010, governava Sócrates, escrevi no PÚBLICO um conjunto de frases para os “tempos de hoje”. Peço desculpa de me citar, mas a gente também tem de ser avaliada pelo que disse, com data.

As frases eram dirigidas a Sócrates, a um Sócrates que tinha ganho as eleições e estava em plena loucura de esbanjamento, e a Passos Coelho, a um Passos que tinha então um discurso contra Manuela Ferreira Leite muito próximo do de Sócrates. (...) Aqui vão algumas das frases de 2010, escritas muito antes da troika:

“1. A crise económica, social e política não vai durar um ou dois anos, vai durar pelo menos uma década. Na melhor das hipóteses.

2. O político que disser que as coisas vão melhorar na volta da esquina está a mentir.(…)

7. Primeiro serão os salários, depois serão as reformas. (…) 

8. Nenhum imposto que subiu descerá tão cedo, se descer.

9. Nenhum salário que foi cortado voltará a ser inteiro.

10. Os mais pobres serão as vítimas principais, como sempre.

11. A classe média é que conhecerá a maior queda de qualidade de vida.

12. Algumas pessoas enriquecerão com a crise.

13. A corrupção continuará florescente. (…)

14. A crise matará milhares de pequenas empresas. (…)

16. As escolas tornar-se-ão mais caóticas. O clima de crise social é propício à indisciplina grave.(…) 

18. A Saúde ficará bastante mais cara para todos.

19. A TAP pode não sobreviver à crise, a RTP sobreviverá. (…)

24. No final da década os portugueses vão estar pobres e a caminho de ficarem ainda mais pobres. Se nessa altura a nossa situação da dívida e do défice estiver controlada, ganhamos a década. Se não, perdemos ainda mais.

 25. O estado dos portugueses será de irritação política, na melhor das hipóteses. Na pior poderá haver violência. (…) 

28. Liberais e estatistas todos cortarão no Estado. Só não cortarão nas mesmas coisas.

29. Os nossos direitos face ao Estado tornar-se-ão quase inexistentes. Face ao fisco quase nenhum direito sobreviverá.

30. A nossa privacidade desaparecerá. O Estado vai conhecer por onde andamos, o que compramos, o nosso dinheiro, as nossas prendas, tudo o que sirva para taxar. O Google conhecerá o resto.

31. O fisco será a face do Estado mais próxima dos cidadãos e a mais odiada. (…)

33. O desespero será um sentimento muito comum. Os ricos terão depressões, os pobres desespero.

34. Esta década conhecerá na prática o fim dos direitos adquiridos. (…)

38. A única política que se pode considerar patriótica não é a que se afasta da austeridade para dar “folga” aos portugueses, mas a que escolhe as melhores medidas de austeridade e evita as más medidas de austeridade.

39. A maioria das medidas de austeridade que qualquer governo vai aplicar nos próximos anos é escolhida e decidida no exterior, pela Alemanha, pela UE, pelas agências de rating, pelo FMI, e pelos credores.

40. Poucos políticos actuais sobreviverão à década, mas isso não significa renovação.

41. A maioria dos políticos das novas gerações será profissional da política. Os seus verdadeiros cursos são nos partidos e fora terão apenas cursos de plástico para colocar o dr. e o eng. antes do nome.

42. Os partidos serão substituídos pelos aparelhos partidários; fechados sobre si próprios, tornar-se-ão comunidades de poder e com poder.

43. Haverá cada vez mais familiares de políticos actuais nos lugares políticos.

44. A crise de lugares, empregos, salários, benesses tornará a competição dentro dos partidos cada vez mais dura, visto que os partidos serão uma das saídas rápidas para aceder a um lugar remunerado, para que menos qualificações se exigem. (…)

46. As eleições partidárias internas serão cada vez mais competitivas, duras e agressivas. Os lugares são poucos e a fome muita.

47. Os grandes interesses organizados terão na prática um direito de veto sobre as principais medidas políticas.

Este foi o mundo que Sócrates deixou e Passos Coelho continuou. A minha última frase era: "Comparado com o que aí vem nenhuma destas previsões é especialmente pessimista.” Não foram. A realidade foi muito pior: desembocou num ex-primeiro-ministro preso, em altos quadros do Estado presos, na queda do mais poderoso grupo bancário português, adorado pelos aspirantes a singapurianos novos-ricos entre o Martini man e o “homem da Regisconta”, que ainda nos governam, pela mistura de pseudo-aristocracia e altas esferas do dinheiro e do poder.

Em que é que isto tem a ver com a prisão de Sócrates? Tudo. Se ele deseja um julgamento político, ele que nos deixou de herança Passos Coelho, como ele foi herança de Santana Lopes, de mim terá apenas a repetição do que disse no passado. Para esse peditório político não dou. Este homem fez muito mal a Portugal. (...)

10 comentários

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    Rexistir 04.12.2014

    Nuno Gaspar

    O problema é que não há alternativa. O Bloco de Esquerda é o que é. O Partido Comunista continua na União Soviética. Marinho e Pinto é o que todos conhecemos. Onde está a alternativa? Ramalho Eanes ainda viveu essa ilusão quando criou o PRD para rapidamente concluir que o problema não era do embrulho. Não há alternativa ao Bloco Central. A alternância entre PS e PSD é puramente ilusória. Para alguns apaniguados, pode ser melhor ganhar o PS do que ganhar o PSD, mas para todos aqueles que não vivem do mundo corrupto da política é rigorosamente o mesmo.

    Santana Maia
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    Nuno Gaspar 04.12.2014

    Não alinho nesses catastrofismos, Santana Maia. Em qualquer um desses partidos há espaço para ser lixo e há espaço para fazer a diferença. Tal como noutros lugares de rotura que possam surgir. Temos bem perto o exemplo espanhol onde, num par de meses, a força das suas convicções (que não partilho) levou uma nova força política do zero à beira de ser governo. A catástrofe está na anomia cívica, em que o alheamento e a indiferença se aliviam com gritos à passagem dos que caem em desgraça. Concedo: quem assiste a esta monstruosidade que estão a fazer a Sócrates e tenha três dedos de testa, pensa duas vezes antes de dar a cara pelo que quer que seja.
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    Rexistir 04.12.2014

    Nuno Gaspar

    Os espanhóis não têm o nosso sangue. Têm outra garra, outra fibra. Nós somos mais do tipo choramingas e lamechas, mas se nos derem a oportunidade auto-justificamo-nos logo com "os outros fazem o mesmo."
    Ensaiei, durante a minha vida, diferentes iniciativas com grupos fechados, de pessoas que eu julgava firmes, convencido de que o exemplo era a única forma de ensinar e que daria frutos. Não deu. Mal eu deixava a associação ou secção, voltava tudo ao mesmo.
    Mal se apanham no poder, seja do que for, fazem precisamente aquilo que criticavam nos outros que lá estavam. É fatal como o destino.
    Quanto ao processo criminal de Sócrates, temos uma divergência de fundo: eu estou convencido da sua culpa, enquanto o meu amigo está convencido de que ele é vítima. Estamos, no entanto, no campo da avaliação subjectiva, uma vez que não temos elementos de facto para fazer uma avaliação objectiva, pelo que, quanto a este aspecto, deveremos esperar pelo conhecimento dos factos para podermos avaliar qual dos dois é mais intuitivo. Quanto a este aspecto, não adianta tecermos armas, porque, no meu caso, trata-se apenas de intuição derivada do meu conhecimento profissional, no seu caso, trata-se de uma questão de fé na inocência de Sócrates.
    Qualquer um de nós pode estar enganado e eu não queria que a minha discussão sobre a governação de José Sócrates fosse ensombrada por uma opinião intuitiva sobre a sua inocência ou culpabilidade no processo crime.
    Aliás, o mesmo se diga em relação a Oliveira e Costa, Ricardo Salgado, Duarte Lima, Paulo Portas, Dias Loureiro, etc.... todos eles estão na mesma situação de Sócrates, gozando da presunção de inocência, etc. etc., mas eu também tenho a minha opinião pessoal, com base na mesma avaliação subjectiva sobre a sua culpabilidade ou inocência.

    Santana Maia
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    Nuno Gaspar 05.12.2014

    Santana Maia,
    Há uma certa assimetria nas consequências práticas da decisão do juiz se revelar certa ou errada. O dano pessoal para o cidadão José Sócrates e o dano institucional, no caso de se revelar que está inocente é infinitamente superior ao dano social que seria estar em liberdade sendo culpado do ilícito que o acusam. Não pode, por isso, a justiça dar-se ao luxo de ter romances fantasiosos a circular por tempo indeterminado sem dar um fundamento claro e inequívoco à decisão de manter na prisão o homem mais sujeito ao escrutínio livre do povo. Não apresentar imediatamente razões evidentes para fazer crer que a palavra de JS é menos séria do que a daqueles que o acusam e entregar o processo ao tempo agrava de forma inadmissível aquela desproporção. Num caso desta gravidade, não é razoável, por exemplo, deixar no ar como possivel fundamento da decisão de o manter em prisão preventiva o facto de ter viagem marcada para o seu local de trabalho. Seria ridículo. Bem vistas as coisas, até deve haver poucos crimes, mesmo sendo culpado, que possam justificar humanamente a penalização pública expiatória por que está a passar. Ou voltámos à selva sem ter dado por isso.
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    Rexistir 06.12.2014

    Nuno Gaspar

    Concordo com aquilo que diz. E é precisamente por essa razão que eu estou convencido de que o Procurador apenas pediu a prisão preventiva porque razões muito fortes. Como também estou convencido de que o juiz apenas não forneceu à opinião pública os fundamentos da prisão preventiva para defesa da imagem pública de Sócrates. A fundamentação devia conter factos e indícios que poderiam levar a opinião pública a dar como adquirida matéria que ainda era apenas indiciária. É certo que toda a gente gosta de matéria para alimentar as calhandrices mas o juiz não tem de alimentar a coscuvilhice nacional. A defesa faz-se dentro do processo, não nas páginas dos jornais ou nas mesas do café. O advogado e o arguido têm acesso à fundamentação. Se não estão de acordo, recorrem. E se quiserem que o povo conhece os fundamentos que sejam eles a dar a conhecer a fundamentação da prisão preventiva. Mas também ainda não vi Sócrates ou o seu advogado darem a conhecer a fundamentação.

    Santana Maia
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    Nuno Gaspar 06.12.2014

    Santana Maia,
    Eu já vi o advogado de JS dizer várias vezes que não conhece os fundamentos de corrupção de que o acusam. E duvido muito que,se fosse algum facto extraordinário, não tivesse já saltado para o Correio da Manhã. O que tem saído nos jornais dá ideia de um puzzle romance cada vez mais difícil de encaixar. Afinal JS, contrariamenre ao que acontece com a maioria dos políticos, reduziu o seu património enquanto esteve na política activa; foi o responsável por acabar com as subvenções vitalícias aos políticos que o iriam beneficiar; as transferências legais dos bancos suiços, do seu amigo, ocorreram antes das viagens à Venezuela com que procuravam lançar suspeita sobre recompensa pelos negócios conseguidos; não se percebe qual a justificação para passar a ser escutado... Vamos aguardar com curiosidade e cepticismo alerta.
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    Rexistir 07.12.2014

    Nuno Gaspar

    Relativamente ao processo propriamente dito, sabe certamente mais do que eu porque não tenho paciência para ler, nem seguir estes filmes. Já me bastam os meus processos. Em todo o caso, não posso deixar de constatar pelas opiniões que ouço que ou as pessoas falam do que não sabem ou querem fazer da gente parvos.
    O advogado de Sócrates, tal como Sócrates, conhecem bem a fundamentação da prisão preventiva. E o advogado também sabe que a fundamentação desta medida de coacção é independente da fundamentação da acusação por este ou aquele crime.
    São duas coisas diferentes. O crime até pode ser muitíssimo grave e não haver fundamento para a prisão preventiva e ser menos grave e justificar-se a prisão preventiva. Conheço casos de prisão preventiva por roubos de meia - dúzia de euros.
    Só lendo o despacho poderia avaliar se o mesmo estava ou não bem fundamentado. Quanto ao crime de corrupção, seria um verdadeiro milagre que o tribunal conseguisse prová-lo uma vez que PS e PSD aprovaram um legislação que torna praticamente impossível a sua prova. É também por esta razão que me interessa pouco o resultado do processo. Quando os factos forem conhecidos, eu farei o meu juízo independentemente de ser absolvido ou condenado. A justiça dos homens é demasiado imperfeita e a nossa então é super - formalista o que significa que é facílimo um indivíduo com dinheiro eximir-se à justiça por razões puramente formais.

    Santana-Maia
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    Nuno Gaspar 07.12.2014

    Santana Maia
    "é facílimo um indivíduo com dinheiro eximir-se à justiça por razões puramente formais. "
    Bem, vamos ficar a saber se não é mais fácil ainda uma acusação com má fé servir-se das mesmas formalidades para destruir a vida de um inocente, e de caminho arrasar o que resta de salubridade da nossa democracia. Faria bem, pelo menos, fornecer indícios racionais que isso é pouco provável.
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    Rexistir 07.12.2014

    Nuno Gaspar

    A justiça depende muito mais das pessoas que aplicam as leis do que das leis que eles aplicam. Agora é muito mais fácil ao cidadão comum ser condenado por um crime que não praticou (e isso sucede frequentemente) do que uma pessoa como o poder e a influência de Sócrates que dispõe de meios de defesa que o cidadão comum não dispõe. Desde logo porque ninguém se interessa pelas cartas que escreve.
    Souto Moura e actual procuradora são pessoas íntegras e que não apreciam o convívio com a alta sociedade. Às vezes a vaidade e a mania das grandezas tira o discernimento. Isso sempre dá alguma tranquilidade.

    Santana-Maia
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