Os ciganos e a corte de Lisboa
Antes do 25 de Abril, os ciganos eram populações nómadas, que viviam do contrabando de tabaco, do que lhe davam e do que iam encontrando por aí. Culturalmente, não divergiam muito das populações residentes, quer relativamente aos direitos das mulheres, quer ao casamento e ao adultério, quer quanto à vida escolar.
50 anos após o 25 de Abril, os ciganos deixaram de ser uma população nómada, mas estão mais marginalizados e estigmatizados que nunca. Trocaram o contrabando de tabaco pelo tráfico de droga, continuam a viver do que o Estado lhe dá (o RSI) e do que vão encontrando por aí. E culturalmente, continuam com os mesmos valores e tradições de há 50 anos. A Corte de Lisboa abandonou-os completamente à sua sorte, tratando-os como se não fossem portugueses, dando-lhes o RSI como esmola e permitindo a sua guetização. E não me venham com os exemplos de Quaresma, da juiz ou de muitos portugueses que tiveram a mesma proveniência, mas que hoje são portugueses de corpo inteiro.
É claro que o peso dos ciganos no RSI é absolutamente insignificante e, para a Corte de Lisboa, as comunidades ciganas são irrelevantes, quer em termos de número, quer em termos de criminalidade.
Acontece que, com a apropriação por parte da Corte de Lisboa do grosso dos fundos de coesão destinados às regiões mais pobres, as assimetrias regionais acentuaram-se de forma brutal, provocando a desertificação e o esvaziamento do Alentejo e do interior do país, onde só ficaram os velhos e os colunatos de Lisboa que constituem as autarquias locais e que têm por único objectivo garantir o controlo do território pelos partidos da Corte de Lisboa. Basta, aliás, olhar para os círculos eleitorais, para constatar que os alentejanos, beirões e transmontanos estão obrigados a votar nos partidos da Corte de Lisboa, sob pena de o seu voto ser absolutamente inútil.
Ora, em muitas terras do Alentejo, as comunidades ciganas são já dominantes. E os lisboetas de bem, porque compram tudo feito, não ganham o que ganham os reformados no Alentejo e não sabem sequer o que é viver junto de comunidades ciganas dominantes, não têm a mínima noção do sofrimento e da angústia que isso significa. Para estes alentejanos, André Ventura representa o que representou o Partido Comunista, antes e depois do 25 de Abril, quando os defendeu perante aqueles que, na altura, também os subjugavam.
É óbvio que os culpados não são nem os ciganos, nem os alentejanos que são tratados abaixo de cão pela Corte de Lisboa e que votaram em André Ventura. O único culpado é a Corte de Lisboa que, mais uma vez, açambarcou os fundos de coesão em benefício próprio, tal como já tinha feito com as especiarias e o ouro do Brasil, tendo usado o municipalismo para controlar o voto, ao mesmo tempo que mantém as tensões e rivalidades paroquiais entre autarquias vizinhas, o que lhe permite colocar-se num patamar supranacional e engordar à conta dos recursos que deviam ser de todos.
Santana-Maia Leonardo - O Mirante de 8-2-2021