Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

COLUNA VERTICAL

"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.." (Aristóteles)

José Pacheco Pereira - Público de 27-12-2014

A bancarrota de Sócrates, que existiu mesmo, with a little help from my friend Passos Coelho, foi o equivalente a deitar Portugal por uma ravina abaixo, o “ajustamento” de Passos é o equivalente a atirar Portugal para um pântano de areias movediças. Os dois são momentos complementares da mesma crise social, cultural, económica e política que assola o país desde 2008, e que é, em parte, um reflexo de uma crise europeia mais vasta. Em parte, mas não só.

Há componentes nacionais que nos caíram em má sorte, e que têm a ver com uma conjugação muito especial de incompetência, ideias erradas, superstições e dolo. No dia em que se fizer uma verdadeira história destes últimos seis anos, só colocar o que cada um dos protagonistas pensava, disse ou fez numa sequência cronológica correcta mostrará como se foram destruindo todas as oportunidades, afunilando o caminho e tentando secar com zelo todas as alternativas. O problema é que essa tarefa de criar o deserto à volta teve eficácia, porque a política da terra queimada tem efeitos destrutivos e diminui de facto as opções dos que a ela sobrevivem. 

Tenho insistido nesta questão da cronologia rigorosa, até porque ela nos ensina muitas coisas sobre como é que evoluiu o processo nestes seis anos de lixo e, por isso, altera a nossa percepção sobre as relações de causa e efeito. (...)

Alguém pensa que este modelo atamancado em 2011-2, assente acima de tudo no “gigantesco aumento de impostos”, pode subsistir sem esses impostos? A herança de Sócrates foi um Tesouro vazio que dava para três meses, a herança de Passos Coelho é um “ajustamento” que só tem efeitos porque depende de um enorme assalto fiscal. Não existe “ajustamento” à Passos Coelho sem impostos elevadíssimos, centrados no trabalho e no consumo. Sem esses impostos tudo vem abaixo como um castelo de cartas, porque nenhuma transformação estrutural foi feita nem na economia portuguesa, nem no Estado. E as que foram feitas na sociedade, principalmente o empobrecimento selectivo da classe média, são todas inibitórias de qualquer genuíno crescimento.

O país foi gerido como o jogo de SimCity – primeiro gastou-se de mais, depois empobreceu-se de mais. Primeiro, o mayor virtual encheu a cidade de quartéis de bombeiros e esquadras da polícia, parques e circos ambulantes, com os índices de popularidade a aumentar. Depois veio a bancarrota e o novo mayor inverteu a receita, desatou a aumentar os impostos, cortou os serviços públicos. A cidade do SimCity começou a cair aos bocados, os incêndios a aumentarem, o crime alastrando, as pessoas a emigrarem. Não são duas políticas distintas, são duas faces da mesma política, uma o espelho da outra, ambas com efeitos perversos desastrosos para o país.

Pensam que houve muito mais sofisticação do que a que é preciso para “jogar” SimCity? Não, foi mesmo assim, com ideias simplistas e erradas, e toneladas de pseudo-ideologia no lugar da ignorância. Vamos pagar muito caro, estamos a pagar muito caro. Querem morrer rapidamente ou ficar muito feridos, caindo por uma ribanceira ou enterrando-se num pantanal?

5 comentários

  • Imagem de perfil

    Rexistir 29.12.2014

    Nuno Gaspar

    Não pretenda distorcer o pensamento de Pacheco Pereira porque, se houve cronista que combateu tanto o Governo de Sócrates, tendo-o responsabilizado antecipadamente pela bancarrota para a qual conduziu o país, foi precisamente Pacheco Pereira. Basta ver as Quadraturas do Círculo que ainda estão on line. O que ele aqui diz é uma coisa diferente: o chumbo do PEC IV precipitou os acontecimentos. Agora o roteiro de Sócrates era o roteiro de Passos Coelho, ou seja, o caminho que lhe era imposto por Merkel. Aliás, basta ler a entrevista do ministro das Finanças da altura para ficarmos esclarecidos quanto à responsabilidade da bancarrota. Segundo o ministro das Finanças de Sócrates, com PEC IV ou sem PEC IV, a bancarrota era inevitável. E neste caso, adiar o problema era agravá-lo, como se vê agora pelo caso BES que se têm rebentado em cima do ajustamento era a desgraça total. Não defenda o indefensável! O governo de Sócrates foi um governo que devia estar hoje sentado no banco dos réus como aconteceu na Islândia.

    Santana Maia

  • Sem imagem de perfil

    Nuno Gaspar 29.12.2014

    Santana Maia,
    Pacheco Pereira tornou-se um bom representante da maior força política portuguesa da actualidade: a que inunda bancos de taxi, redes sociais e colunas de opinião dizendo mal de tudo e de todos sem mobilizar alternativas que se sujeitam a voto popular. É um exercício que pode aliviar os seus militantes mas acho que não leva a lado nenhum. Se foi o caminho imposto por Merkel que nos levou à bancarrota (e foi mesmo, fazendo do BCE uma marioneta sua), mandaria a coerência e a recusa ao recurso a apelos emocionais populistas JPP iniciar o seu texto por "a bancarrota de Merkel" e não "a bancarrota de Sócrates".
    No dia em que as políticas e os políticos que as defendem passarem a ser julgados em tribunal em vez de em urnas de voto quem vai para a prisão é a democracia representativa, conquistada ao fim de tantos séculos e sangue.
  • Imagem de perfil

    Rexistir 29.12.2014

    Nuno Gaspar

    Em primeiro lugar, não foi Merkel que nos conduziu à bancarrota. Quem nos conduziu à bancarrota foi o governo de José Sócrates. Merkel apenas foi segurando as pontas enquanto quis.
    Em segundo lugar, a democracia representativa não legitima nem a corrupção, nem o tráfico de influências, nem o saque. Isso é próprio das democracias sul-americanas. Nas democracias representativas, os governantes estão limitados nos seus poderes e devem ser julgados nas urnas pelas suas decisões políticas e nos tribunais pelos crimes de corrupção, favorecimento pessoal, atentado ao estado de direito e gestão danosa.

    Santana Maia
  • Sem imagem de perfil

    Nuno Gaspar 29.12.2014

    Acho que não. Nenhum governo europeu tem o poder de fazer movimentar todas as taxas de juro nacionais de forma sincronizada, na mesma direcção. Esse é o poder do BCE e de quem o controla. http://www.newyorker.com/magazine/2011/09/05/europes-big-mistake
    Se encontrar elaborações racionais, sem paixões partidárias, que nos convençam com clareza que não foi a desastrada actuação de Trichet, a mando de alemães, que empurrou meia Europa para a crise das dívidas soberanas e não foi Draghi que, provisoriamente, e contra alemães, a resgatou, agradeço os links.
    Os crimes de corrupção devem ser investigados e julgados quando quem deles tem conhecimento não cometa o crime de os não denunciar. Não quando a alguém dá na bolha de prender um cidadão até descobrir algo de que o acusar.
  • Comentar:

    Mais

    Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

    Este blog tem comentários moderados.

    Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.