Entrevista de Paulo Barriga - Diário do Alentejo de 18/7/2014
A última reunião do executivo municipal de Vidigueira foi abrupta e violentamente interrompida por elementos da comunidade cigana. Não foi a primeira vez que tal aconteceu. Nem a primeira vez que o presidente, os vereadores e os funcionários foram ameaçados de morte. Um verdadeiro clima de cortar à faca que se agravou, há coisa de um mês, com a demolição do Parque de Estágio, após uma batalha campal entre ciganos. Manuel Narra, presidente da autarquia, fala de uma “guerra aberta” entre as duas famílias ciganas de Vidigueira, em cujo seio estão identificados elementos que são responsáveis pelo grosso da criminalidade registada no concelho. Numa entrevista muito longe do politicamente correto, Manuel Narra aborda abertamente um problema transversal a quase todas as localidades do Alentejo. E diz que, neste caso, não irá ceder a chantagens, nem a qualquer tipo de pressão.
Diário do Alentejo - O que aconteceu de facto com as famílias ciganas do Parque de Estágio de Vidigueira?
Manuel Narra - As famílias ciganas tiveram uma desavença. Trocaram tiros entre si e os vizinhos é que tiveram que socorrer as crianças e os feridos. E depois desapareceram, pura e simplesmente. Quando chegámos ao local não se encontrava lá nada nem ninguém, apenas destruição. A primeira família que fugiu debaixo de tiros foi a família Azul, a família Cabeças entrou-lhes dentro das casas e destruiu-lhes tudo, as mobílias, os eletrodomésticos, os LCD, como represália pela entrada dos Azuis dentro do Parque de Estágio, onde agrediram os Cabeças, partiram--lhes as viaturas e os seus pertences, portas e janelas, mobiliário… Sobre aquele terreno pendia uma ordem da Inspeção Geral de Finanças que, por hipotéticas construções ilegais, exigia a reposição da legalidade urbanística do espaço.
Diário do Alentejo - Como assim?
Manuel Narra - Segundo os pareceres da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo e a informação da Inspeção Geral das Finanças, não era possível legalizar aquele espaço porque está numa zona silvo-pastoril. Segundo o nosso PDM, só era possível haver ali construções para o agricultor proprietário e não outro tipo de habitações.
Diário do Alentejo - Os acontecimentos precipitaram a demolição…
Manuel Narra - Perante o facto da destruição e perante tudo aquilo que foi o comportamento indigno destas famílias face ao investimento que a Câmara Municipal ali tinha feito, face ao desrespeito pelo regulamento daquele espaço, onde estavam definidas um conjunto de obrigações a cumprir, não nos restou outro caminho que não repor a legalidade urbanística conforme o exigido pela Inspeção Geral de Finanças. De salientar que todas as famílias assinaram um documento onde se comprometiam a manter o local em condições…
Diário do Alentejo - O que, suponho, não terá acontecido…
Manuel Narra - Estava tudo completamente destruído! Quando entrámos lá dentro, acompanhados pela GNR, foi tudo registado fotograficamente. Se chegarmos a qualquer instância poderemos provar claramente o estado de degradação em que aquelas famílias deixaram um investimento público.
Diário do Alentejo - Estes conflitos entre as famílias ciganas de Vidigueira são recentes?
Manuel Narra - Não! Apenas uma família é tradicional de Vidigueira, os Cabeças. A família dos Azuis provém do concelho de Portel. Instalou-se aqui há alguns anos e tem vindo a manter um permanente conflito com os Cabeças. Não foi a primeira vez que houve tiros. Já quando estavam na zona do castelo, os vizinhos queixavam-se várias vezes dos tiroteios que ali ocorriam. Pensamos nós que estarão ligados a todos aqueles negócios que estas duas famílias vinham a praticar aqui no concelho.
Diário do Alentejo - Já afirmou publicamente que se tratavam de negócios de tráfico de droga. Falamos, então, de famílias concorrentes nesse tipo de atividade ilícita?
Manuel Narra - Penso que não eram concorrentes. Antes, alguns desses elementos, não quero classificar toda a comunidade dentro do mesmo chapéu, até eram companheiros desses negócios. Basta seguir os processos que estão em tribunal, para se perceber claramente que tipo de negócios se estavam ali a registar.
Diário do Alentejo - Está a falar essencialmente em tráfico de droga?
Manuel Narra - O acampamento esteve durante muito tempo sob vigilância policial. Para acabar com o flagelo, as forças de segurança pediram auxílio à câmara municipal que adquiriu equipamentos de vídeovigilância. Materiais que foram disponibilizados para que se pudessem recolher imagens que permitissem em tribunal servir de prova e para que os elementos infratores pudessem ser punidos. Eu mesmo cheguei a ver imagens de como era transportada a droga… Tudo isso, segundo me disseram, foi apresentado junto com os processos que correm nos tribunais. Mas o certo é que eles continuam em liberdade e continuam a fazer tudo aquilo que muito bem entendem.
Diário do Alentejo - Está a afirmar que os ciganos são os principias responsáveis pela criminalidade no concelho?
Manuel Narra - Basta perguntar às autoridades quantas ocorrências houve desde o dia em que aquele parque foi destruído em matéria de queixas de proprietários, de coisas roubadas, de ferro desaparecido, de cobre desaparecido, de sistemas de rega destruídos, de bombas de poços completamente destruídas para roubarem o cobre… Faça-se uma análise desde esse dia para trás e desse dia para a frente, para todos terem uma noção. Estou apenas a constatar aquilo que muitos dos defensores destas comunidades chamarão, de forma pomposa, “coincidências”. Eu chamo-lhe constatações. Existem as forças da autoridade e as forças judiciais para provarem e para poderem condenar quem tiver que ser condenado. Agora o que não podemos aceitar é que um conjunto de entidades neste País consegue fazer a apologia de que o cigano é equivalente ao coitadinho. Há bons e maus em todo o lado. Há gente desta comunidade que quer ser integrada. Mas estão completamente aterrorizados e sob o jugo destes capangas que pela força das armas os obrigam a ter que seguir outro tipo de caminho.
Diário do Alentejo - Quer dizer que existem líderes violentos e marginais que aterrorizam esta comunidade que até podia facilmente ser integra no tecido social do concelho?
Manuel Narra - Sim! Nós sabemos quem são e as autoridades também os conhecem. Os cabecilhas destes grupos estão perfeitamente referenciados. Tínhamos uma família do clã dos Cabeças perfeitamente integrada, já estava instalada na malha urbana, já cumpria com todas as suas obrigações consoante o resto da comunidade cumpre, com as suas dificuldades, porque são pessoas carenciadas, com os apoios da câmara que estão em programas destinados aos carenciados, pagavam a renda, pagavam a água, pagavam a luz, e essa família foi obrigada a fugir, ameaçada de morte. E não volta. Por isso, há uma perfeita coação de uma família sobre a outra…
Diário do Alentejo - Em relação a estas pessoas que agora ficaram desalojadas, a autarquia tem algum plano alternativo para as reintegrar?
Manuel Narra - Não sei se haverá algum plano que possa ser aplicado a quem fugiu e não vai regressar porque tem medo de represálias. Não consigo chegar ao pé de uma família, por exemplo aquela que já estava realojada, e convence-la a voltar para a sua casa. Em primeiro lugar, não temos capacidade para lhe garantir a segurança e, em segundo lugar, não vêm porque têm medo de ser mortos pelos outros que os ameaçaram. Por isso o problema é muito mais complexo do que um simples realojamento.
Diário do Alentejo - Estamos perante uma guerra total, aberta, entre estas famílias?
Manuel Narra - Podemos dizer que sim, caso contrário teriam regressado e não regressam. A família dos Cabeças foi quem feriu o outro elemento, mas foi a família que primeiramente foi agredida, segundo os relatos dos próprios intervenientes. Certo é que essa família foi pura e simplesmente escorraçada e essa é a família tradicional de Vidigueira. Tenho muitas dúvidas que nos próximos tempos alargados tenham a coragem de voltar à Vidigueira pelas ameaças que sofreram.
Diário do Alentejo - Também tem sofrido ameaças por parte dos ciganos, principalmente depois de tomar medidas tão radicais como esta?
Manuel Narra - Sim, ameaças de morte não só dirigidas a mim, como aos meus vereadores, aos funcionários… Alguns desses elementos entraram na câmara, como aconteceu na última reunião do executivo, e ameaçarem os funcionários de irem buscar as armas e de indiscriminadamente começarem a disparar cá dentro.
Diário do Alentejo - Já aconteceram disparos nas instalações da câmara?
Manuel Narra - Não aconteceram e eu espero que não venham a acontecer. Porque então teremos um problema muito mais grave. O que sucede é que não há um regular funcionamento da câmara municipal quando muitas vezes temos que ter proteção policial à porta. Não é lógico, nem aceitável, que reuniões de câmara sejam interrompidas porque elementos destes entram por aqui a dentro dando murros e pontapés nas portas e ameaçando tudo de morte. É claro que o município já deu conta dessas ocorrências às próprias forças de segurança. Iremos tomar medidas necessárias para proteção de toda a gente que trabalha dentro desta câmara. E se tivermos que contratar segurança permanente para estar aqui, naturalmente que o faremos.
Diário do Alentejo - Não teme que as coisas se possam precipitar?
Manuel Narra - Não iremos ceder a qualquer tipo de pressão ou de chantagem. Este município deu tudo aquilo que entendeu necessário para que estas famílias, de forma progressiva, pudessem ser integradas dentro da comunidade. Quem violou o regulamento dos sítios que habitavam foram as duas famílias, quem destruiu bens públicos foram estas famílias, quem não respeitou a própria câmara municipal foram eles. Muitas vezes, algumas organizações que existem neste nosso país acham que o município tem a obrigação de dar tudo e de mais alguma coisa aos ciganos. O município nunca fugirá às suas responsabilidades, mas tratará todos sempre de igual forma. Porque hoje também há famílias não ciganas que perdem as suas casas porque não têm dinheiro para pagar aos bancos, não têm empregos, precisam de apoio e não têm comportamentos iguais a esta comunidade.
Diário do Alentejo - São culturas diferentes…
Manuel Narra - Esta comunidade já percebeu, não só em Vidigueira mas em todo o País, que quanto mais pressionarem e coagirem as entidades, mais acabam por receber tudo aquilo que querem. Já perceberam os furos que existem no sistema, já perceberam como é que se aproveitam dos dinheiros públicos, já perceberam como é que pressionam os técnicos que têm que dar pareceres sobre determinadas coisas de forma a obterem aquilo que querem: dinheiro sem fazer nada. Este foi o primeiro município do Baixo Alentejo a ter um mediador cigano aqui a trabalhar. É um dos principais implicados no tráfico de droga no processo que decorre no tribunal. Por isso, quando se tenta tudo e aquilo que se recebe é isto, a nossa vontade de continuarmos num caminho de integração cada vez vai sendo mais ténue.
Diário do Alentejo - Há entidades oficiais que consideram racistas estas atitudes da autarquia…
Manuel Narra - Depois de fazer comunicados a dizer que está muito preocupado com a situação, de declarar quase o estado de calamidade, o Alto-‑Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas contacta o município a convidar o presidente para ir a Lisboa a uma reunião, porque ele não tem motorista para se deslocar ao Alentejo… É porque este caso não tem importância nenhuma.
Diário do Alentejo - E qual é o sentimento da população de Vidigueira?
Manuel Narra - A população está aliviada. Não há nenhum sentimento racista da população de Vidigueira. Se calhar, há um desencanto em relação à forma como a justiça neste país é aplicada e à ineficácia dos próprios tribunais na condenação daqueles que realmente são culpados. O que faz com que esta comunidade, e não só, vá criando ao longo do tempo um sentimento de impunidade onde tudo lhe é permitido e então avançam com estas tentativas de ameaças e de coação para imporem a sua vontade. As pessoas sentem algum alívio por esta comunidade se ter deslocado para outros lados, sabendo de antemão que o problema não está resolvido. Quero dar nota, por outro lado, que o município estará sempre disponível para acolher famílias que queiram ser integradas. Mas todos aqueles que neste momento estão indiciados por todos aqueles crimes que constam dos vários processos não têm lugar junto da nossa comunidade.