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"A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras." (Aristóteles) - FOTO: Barcelona
Funchal, 19 de Maio de 1995
Pedra atirada
Do Céu
Para o meio da água
Mergulhada
Como eu
Na mesma mágoa
Veneza, 16 de Abril de 1995
Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude de muito imaginar”
(Luís de Camões, sonetos)
Escrevo-te de Veneza
Na mesa
A caneta descansa
Sobre a folha branca
Do leito
Onde te deito
Minha mão
Sobre o teu peito
Feito
De saudade e solidão
Escrevo-te de Veneza
Amor
Na boca o calor
Da tua boca presa
E o sabor
Constante
Daquele voraz instante
Escrevo-te de Veneza
Amor
Com a certeza
Experimentada
Que no solar do sonhador
Pernoita a mulher amada
Ponte de Sor, 1995
De mim és Rainha
Sem ser minha
Distante
No instante
Em que te abraço
Como um laço
Que se aperta
No vazio
Não viu
Essa seta certa
O destino que a seguiu
Do arco do teu olhar
Tenho sede e tu o mar
E só amar
Devora o espaço
Entre o teu corpo e o meu braço
Coimbra, 1978 [1]
Dormes
Entre lençóis de espuma
Em quimeras azuis
De um mar d' além
Sonho-te
Por entre as ondas brancas
Com algas de esperança
Nos cabelos
(Do cais parti tão cedo
Lendas de mar, amar e medo
E a noite
Que abarca
E embala a barca
Que nos prende
E surpreende
Aprende
Que o dia já vem)
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[1] Letra da música com o mesmo nome composta por Shiro Iyanaga (史郎 彌永)
Santa Margarida, 1984
Passo a passo
Fui subindo a colina
Do fracasso
Cada verso foi um passo
Do Paço
Que me destina
Minha sina
Peregrina
De poeta está cumprida
Camões de um só braço
Do naufrágio salvo a vida
Santa Margarida, Março de 1984
Sentinela
Na guarita
Suspensa pela coronha
(Ou guitarra à bandoleira?)
Sonha
Com moça bonita
Debruçada da janela
Herdeira
Do sonho dela
Santa Margarida, Março de 1984
Filho adoptivo de Deus,
Eu nasci do cruzamento
Entre a maçã e a serpente.
Da serpente fiz-me gente
E da semente
Os sonhos meus
Traídos por Caim
Na manhã do nascimento.
Nas margens da Razão,
Cresci assim...
Sem nunca ter molhado o pé
Nas frescas águas que são
O firme chão da minha fé.
Santa Margarida, Fevereiro de 1984 [1]
I
Sou soldado
em terra alheia
Ergo com as pedras
que piso
o castelo do meu poder
Sou o rei
do teu destino
e escravo
do meu senhor
Tenho um hino
e uma bandeira
que ecoa
e que esvoaça
sobre os destroços da proa
dum navio abalroado
Trago nas mãos
esta sina
de crescer como a semente
enterrada
por intrusos
nas margens dum afluente
II
filho do sobreiro
e da charneca
trago no canto
o cheiro
do alecrim
se no campo
o morteiro
arde e peca
do canto
cresce o manto
que há em mim
e do grito
semeado
em cada palmo de chão
nasce o mito
dum soldado
brota a letra da canção:
«trovador e peregrino
na guerra sou figurante
exorcista militante
dos possessos do destino»
III
Sou soldado
e sou poeta
abarco numa só mão
a cigarra e o sardão
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[1] Publicado in Revista CADERNOS DE LITERATURA, nº18, 1984
Courelas, 3 de Dezembro de 1982 [1]
pendant que tu dors
je veille
ton sommeil
du sommet de ton corps
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[1] Publicado in Revista VÉRTICE, nº464/5, 1985
Courelas, 25 de Fevereiro de 1982
Parto
a viagem começa
na saída do túnel
a partida num grito
depois é a estrada
antes do trilho
um trilho feito estrada
pelas minhas mãos
(gastei as mãos naquela estrada...)
parto
Coimbra, 14 de Fevereiro de 1981
Afundou-se no Índico do Tempo
A lusa nau que outrora fez a história...
Mas navega ainda na memória
De quem fez da história passatempo.
Que importa ter um Dias ou um Gama
Se a chama não reclama a nossa vela?
Que importa já lutar, morrer por Ela,
Se no berço já não chora quem se ama?
Da cabeça do Mundo até aos pés
O corpo navegámos lés a lés.
Zangão que mais alto voou no mar,
Sem nunca se alarmar da altitude,
Povo velho a quem resta recordar
Histórias da sua juventude.
Coimbra, 1981
Canto
como quem fala só no escuro
p'ra não tremer
E o canto
é muro
onde me escondo sem me ver
Coimbra, 14 de Janeiro de 1980
Estiolo no redil dos dôtores
onde as intlegências dã flor e frutes
e onde há penedos e quintas p' alumiar amores
e promovê poetas.
Mas ê cá sô alentejano
e daí que na m’ aveze a estas cavlarias
de subir e descê ladêras,
onde há precisã de esperá p’la noiti
ô de dar um tiro na cornadura
pa s' ouvi falar a quietudi.
Como pode um home,
Avezado a verter águas na trasêra dos sobrêros,
Afazê-se às lides da cidade apadralhada
Das capas e batinas?
Nasci da charneca
(foi uma alentejana que me pariu)
e cresci como um chaparro.
Sem relógios.
Saltê p'à garupa do Tempo
e acostumê-me a sabê esperari.
Mas aqui d’ assim, estes pacóvios
(espertos que nim sobro atascado em água)
na dã credo a isso.
Di e noite atrelados ós pontêros
que nim parelha à charrua!
Homes d’ uma figa,
conhecim melhor as horas c' o cã o dono!
Ma n' é só isso que m' infada
Da capital do Bazófias. Antes fora!...
C’o qu' ê n’ atino,
Nim que m´ afocinhim numa cama de tojes,
é c’os desrespêtos à Natureza,
minha senhora e minha mãe.
E atã na é que n’ há aqui filhe da puta
que na bote a boca acima da vista?
Eh! Homes dum corno,
Sã piores c' uma vaca a ruminá palha!
Inda s’ aquilo desse vazão alguma inquietação…
Ma não, só dá vazão às letras e a miolêra da genti.
E atã vá-se lá um home ingraçá duma cachopa!...
Já nim sê mêmo pa que Deus fez as fêmeas…
A fêtura dum só sempe dava menos trabalhos
e n’ alevantava desejos.
Se por casa da cobrição,
Os animais tamém tivessim precisã de benzeduras,
já há munto c'os bácros tinhim dêxado de comê landi.
Mas estes fadistas letrados
Ô po munto lerim
ô po falta de descorrimento,
na têim a mêma ideia.
Mas ê cá continuo c’a minha crença
De que há-de chegar o dia em c' os homes aprendrão
Que na é o home que muda a Natureza,
mas a Natureza que se muda a ela mêmo,
pôs o home tamém é Natureza.
A-i-ô!
Viseu, 1978
Vesti-me de leopardo
Para sobreviver na selva.
Todas as vezes que me despi
Fui acossado
Pelas outras feras.
E lá voltava eu a envergar o odiado
Camuflado
Dos rugidos e das esperas.
E lá continuava eu o meu caminho solitário
À procura dum amigo,
Duma clareira ou dum abrigo
Onde não fosse necessário
Ser fera.
Nunca encontrei.
Muitas vezes me enganei...
Confundido na miragem
Pelo cansaço da viagem.
Coimbra, 22 de Janeiro de 1978
Rasga-se um peito num grito desesperado.
Involuntário.
De guerra.
Mas ninguém ouve.
No Castelo Assombrado
o medo impera.
Os Homens,
programados,
movimentam-se com gestos mecânicos.
Os Fantasmas governam.
É noite.
Uma noite escura.
Mortal.
Sem cérebro.
Mas não te cales, HOMEM LOUCO!
Grita! Continua a gritar!
As nossas vidas dependem da força do teu grito.
Por favor,
GRITA!
Grita mais! MAIS! MAIS! MAIS AINDA! MAAAIS! MAAAAAIIS!...